Transformar a universidade para outra sociedade

Wilson Correia

Em tempos de capitalismo totalizante, chega-me um texto traduzido de Marc C. Taylor (origem: http://www.nytimes.com/2009/04/27/opinion/27taylor.html), chefe do Departamento de Religião da Columbia University. Obviamente, é de onde se espera muito conservadorismo que o conservadorismo brota mesmo, e com força.

Taylor analisa a pós-graduação sob a ótica do mercado, ancorando seus argumentos na perspectiva do custo-benefício. O chão onde o autor coloca os pés é o do tecnicismo, dado que se preocupa com a formação e a entrada de especialistas nos setores produtivos capitalistas.

Em nome disso ele postula o rompimento do espartilho da avaliação pelos pares, a qual, segundo ele, só serve para modelar um sistema desfavorável à empregabilidade dos egressos do ensino superior. Nas entrelinhas, Taylor lamenta o fato de a universidade não estar sendo uma boa serviçal do mercado.

Segundo Luís Paulo Vieira Braga, do Observatório da Universidade (http://observatoriodauniversidade.blogspot.com/), responsável pela “leitura traduzida” do texto ao qual me refiro, em nome desse entendimento, Taylor defende: “1) Reformulação dos currículos de graduação e pós-graduação voltada para um padrão mais interdisciplinar e flexível; 2) Fim dos departamentos, com a criação de programas temáticos em torno dos quais professores, pesquisadores e alunos seriam agregados; 3) Maior colaboração entre as instituições, com o aproveitamento comum das excelências de cada uma; 4) Reformulação da tese tradicional, adequando-a às modernas formas de expressão; 5) Ampliar o leque de capacitação dos cursos oferecidos, habilitando os alunos ao exercício de outras funções, além da acadêmica; 6) Impor a aposentadoria compulsória e extinguir a ‘tenure’, permitindo uma efetiva oxigenação do corpo docente, abrindo vagas para os mais jovens”.

Mesmo dando enfoque à pós-graduação, na verdade as teses acima implicam o debate sobre toda a universidade. Desse modo, em lugar de “reformar” a universidade, em um movimento de volta à sua forma centrada na articulação elitista entre saber-poder, viabilizadora de mecanismos de controle e disciplinamento, penso que a universidade precisa ser transformada e ir além da cara autoritária e excludente que sempre teve para:

1) Reformular seu percurso curricular de maneira a basear o percurso formativo na multirrefencialidade epistêmica, o que requer a convivência relacional e vinculativa entre os diferentes sujeitos e portadores de diversos saberes, sobretudo daqueles oriundos dos meios populares e dos movimentos sociais àqueles que produzem, organizam e sistematizam as epistemologias no nível universitário, visando, aí, a uma outra universidade possível para uma outra sociedade também possível;

2) Instaurar uma lógica aberta e flexível no exercício de poder, valorizando, sobremaneira, a liberdade de ensinar e aprender, de pesquisar e socializar os saberes científicos e filosóficos que produz sob a égide da autonomia de planejar, executar e socializar os resultados obtidos por pesquisadores e pesquisadoras, uma vez que extinguir a departamentalização mas manter a lógica da centralização do poder universitário significa apenas trocar seis por meia dúzia;

3) Respeitar o modo de organização docente e discente, tendo por baliza o cumprimento da função humana, social e política dos sujeitos que ensinam e aprendem, flexibilizando fronteiras institucionais e jurídicas para que grupos docentes e discentes locais, regionais, nacionais e internacionais se associem, cooperativamente, visando ao planejamento, à execução e à avaliação entre pares de projetos de pesquisa, ensino e extensão compartilhados;

4) Remodelar baremas e outros instrumentos de avaliação para retirar a produção acadêmica das algemas “quantipositivistas”, bastante conhecidas entre nós, indo valorizar, de igual modo, o trabalho da subjetividade humana, a qual, ainda que se apóie nos imperativos quantitativistas, aos números não se restringe;

5) Valorizar a relação pedagógica como percurso de trocas de experiências entre quem ensina, pesquisa e faz extensão e quem aprende, é pesquisado ou simplesmente “recebe” a aplicação dos saberes “iluminados” da academia, uma vez que a decantada sociedade do conhecimento não passa de sociedade da informação, a qual, quase onipresente, pode ser amplamente acessada, deixando espaços para vinculações formativas diferenciadas, sobretudo às relações eminentemente pedagógicas;

6) Criar espaços de convivência, relação, vinculação e troca de experiência entre todas as gerações presentes nos espaços universitários, uma vez que aqueles profissionais considerados descartáveis pelos sistemas de aposentadoria podem ser o maior repositório de saberes sem os quais as gerações mais novas caem em prejuízo por perderem nos sistemas nutritivos de trocas simbólicas e por vivenciarem o divórcio entre gerações experientes e gerações aprendentes.

Encarar desse modo as coisas na universidade (defendendo na prática a flexibilidade curricular, o arejamento dos espaços de poder, a renovação das organizações dos sujeitos que fazem a universidade, a instituição de novas práticas avaliativas, a centralização da relação epistêmico-pedagógica e a não-exclusão nos espaços universitários) torna-se uma urgência a ser encarada, se é que desejamos uma universidade transformada e a serviço de novos estilos existenciais e de um novo modelo societário.

Não creio que crianças, jovens, homens e mulheres, bem como a sociedade da qual fazemos parte, estejam aí para serem subsumidos pelo mercado. O mercado é apenas uma parte da sociedade. Já não é tempo de mostrarmos ao mercado qual é, efetivamente, o seu verdadeiro lugar, criando um tipo de sociedade em que o homem e a mulher não sejam reduzidos à condição de meros consumidores ou de simples mercadorias?