QUAL A ORIGEM DO AMOR? ANÁLISE DAS IDÉIAS DE GOETHE E SUA DIFERENÇA COM O QUE HUME PENSAVA SOBRE O ASSUNTO.

Introdução

Durante toda a nossa vida ouvimos as pessoas falando em encontrar sua alma gêmea, falando bem do amor, o conceituando, ou apenas dizendo que ele não existe. Há também, outras pessoas que dizem que ele é o pior mal da humanidade e que só traz sofrimento, não a pessoa é ama, mas a pessoa que ama, pois se torna cega e é capaz das maiores loucuras e idiotices por ele.

E ainda existem outros que alegam que o amor seja a forma de tirar toda a liberdade que possuímos, pois ao momento que amamos nos prendemos a outra pessoa, e isso faz com que pesemos tudo o que fazemos porque temos que pensar nela antes de agirmos.

Conceituar o amor é uma tarefa das mais árduas, pois cada um possui a sua opinião sobre este sentimento, universalizá-lo então, é uma tarefa impossível devido ao mesmo motivo, mas além dessas duas tarefas que já são extremamente difíceis, existe uma terceira hipótese a nos perguntarmos sobre o amor que parece ser mais impossível a determinar exatamente: a de dizermos com total certeza qual a origem do amor. O amor já existe dentro de nós, com algo inato e uma necessidade intrínseca, ou ele é originado a partir das idéias que formamos devido às impressões que possuímos?

Com intuito de tentar responder essa última hipótese, tentarei ao longo desse artigo especular sobre o conceito do amor e principalmente sobre a sua origem. Para isso, usarei como base os livros Os sofrimentos do jovem Werther do escritor alemão Goethe e suas idéias do amor como necessidade intrínseca do homem e a tentativa de explicar esse sentimento, e em contraposição de seu pensamento também farei uso do livro Tratado sobre a natureza humana do filósofo escocês David Hume e suas concepções de que todas as paixões que possuímos têm um fundo empírico antes de qualquer coisa, além de outros escritores e filósofos que trabalham sobre o tema, tal como Platão em seu diálogo O Banquete, Immanuel Kant e suas Lições sobre a ética, entre outros.

Entretanto, para tentar “localizar” o amor no ser humano, precisamos primeiramente tentar compreender o que este é, para que assim, possa se chegar a uma resposta mais precisa sobre o assunto.

O amor: como este é conceituado no senso comum e como a filosofia o descreve.

Se em nosso dia-a-dia nos propuséssemos a perguntar as pessoas e até mesmo a nós mesmos sobre o que é o amor com certeza nos referiríamos a algo que observamos de alguma forma, seja através de uma música que fale sobre o tema, uma imagem e também poderíamos citar como exemplo a própria televisão, pois todas as novelas tentam demonstrar esse sentimento através de um casal ou vários casais que se apaixonam na trama. São propagandas, músicas, novelas, imagens que a todo o momento tentam exteriorizar esse sentimento e o exteriorizam através de abraços, beijos, declarações e até mesmo loucuras, pois as pessoas que estão apaixonadas são capazes de tudo pela pessoa amada.

Mas não é apenas o amor entre um homem e uma mulher que eles exteriorizam e que existe, mas o amor é demonstrado pelas mais variadas pessoas e muitos até o exteriorizam não apenas a outros indivíduos, mas a objetos, animais ou lugares. A mesmo palavra é utilizada para vários tipos de amor, como por exemplo quando alguém diz: ‘Eu amo esse carro’ e depois diz ‘Eu amo minha mãe’, pois mesmo que a seja empregada a mesma palavra seu significado difere muito.

Amar significa no senso comum, ter um apreço muito grande por algo em particular, sendo que este algo pode ser material ou espiritual, um objeto animado ou inanimado. Entretanto esse amar a objetos, como por exemplo um carro, não se refere ao amor que tentarei discutir, mas faz parte mais a um gosto por algo, um identificar algo como sendo melhor do que o outro.

O amor pelas pessoas é diferente e nesse amor podemos englobar vários tipos, como o amor materno, o amor carnal, o amor espiritual e sublime, e também a amizade, que não deixa de ser uma forma de amor.

O filósofo Platão relatou em seu livro O Banquete o amor, não apenas sua visão de que o amor seria a contemplação do belo e teria como finalidade elevar-se até a busca da verdade, mas também nos demonstrou alguns mitos sobre o tema, em que podemos perceber que desde aquela época o tema já instigava todos.

Neste diálogo, os personagens que debatem sobre o amor são Agatão, o que dá o banquete, Pausânias, Fedro, Alcibíades, Aristófanes, o médico Erissímaco e é claro Sócrates, mas este chega por último e encaminha a discussão a fim de mostrar a finalidade do amor. Todos estes personagens, exceto Sócrates falam do amor de uma maneira mais geral e não como ele tendo uma finalidade, sendo que nesse diálogo feito por eles, é apresentado um mito sobre o porquê das pessoas buscarem sua outra parte, e que possui de grande contribuição para o assunto. Como narrador deste mito temos Aristófanes, o comediante, que antes de começar a contá-lo diz ser algo tão ridículo do que o que médico Erissímaco falou. E eis que conta a seguinte história:

“No começo, a humanidade compreendia três sexos: os homens, as mulheres e uns seres estranhos chamados andróginos, que eram machos e fêmeas ao mesmo tempo. Todos estes indivíduos, no entanto, eram duplos quando comparados conosco: tinham quatro pernas, quatros braços, quatros olhos e assim por diante; e cada um deles tinha dois órgãos genitais, ambos masculinos nos homens e femininos nas mulheres, e com um masculino e outro feminino nos andróginos. Andavam de quatro, mas podiam mover-se em todas as direções, como as aranhas. Tinham um caráter horroroso: eram providos de uma força sobre-humana e de uma sobre-humana arrogância, tanto assim que chegaram ao ponto de desafiar os Deuses como se fossem seus iguais. Júpiter, em particular, estava indignado com toda aquela presunção dos humanos: por um lado não queria livrar-se deles, para não ter de renunciar aos seus sacrifícios, por outro tinha que arrumar um jeito de colocá-los no devido lugar. Depois de muito pensar, um belo dia decidiu cortá-los ao meio de modo que cada parte ficasse com duas pernas e um só órgão genital; e ameaçou que, se persistissem em sua impiedade, iria dividi-los de novo para que só pudessem mexer-se pulando numa perna só. Depois da operação cirúrgica, embora Apolo tivesse providenciado uma rápida cicatrização das feridas, os humanos tornaram-se muito infelizes: cada um deles sentia a falta da outra metade: os semi-homens procuravam os semi-homens, as semimulheres iam em busca das semimulheres, e a metade masculina dos andróginos ficava desesperada à cata da sua metade feminina. Em resumo, para reencontrar a felicidade perdida, cada um se agitava na dolorosa busca da alma gêmea. E é a este ansioso desejo que damos o nome de Amor” (CRESCENZO, 2005, p. 96)

Para Aristófanes, o amor seria o desejo de encontrar a parte de cada um que foi separada pelos Deuses e continua dizendo que quando as almas encontram a sua outra metade, estas ficam juntas e não querem mais se separar, sabem que não é só o prazer sensorial que faz encontrar tanto encanto na outra pessoa, mas algo que vai além da sensação e isto se denomina amor.

Em contraposição as palavras dos outros que já haviam se manifestado sobre o tema Sócrates também se utiliza de um mito para explicar o amor, mas ao contrário dos outros que tentam explicar sem outro sentido, Sócrates faz uso do mito para uma finalidade específica.

Para ele o amor nasceu do acasalamento de dois deuses: Penia, a deusa da pobreza com o deus Poro, deus dos expedientes e da arte da dar um jeito e que a partir dessa união o amor tem características de seus pais e a partir dessas características o amor nada mais seria do que um desejo de procriação do belo que é o bem, onde existem três tipos e cada um a seu modo ajuda ao seu objetivo final: o amor físico, o amor espiritual e a arte, sendo que para alcançar o bem e a verdade é necessário passar por eles de acordo com a ordem descrita.

Além do diálogo que o filósofo mantém sobre o assunto alguns outros filósofos ocuparam-se do tema como algo que tem uma finalidade especifica, tal como o filósofo alemão Immanuel Kant que em Lições de ética nos diz que o amor deseja o bem enquanto afeição humana e que o amor só pode ser assim denominado se esta for sua finalidade, criticando desta forma o amor sexual de algumas pessoas, dizendo que este, é algo que não se importa com a felicidade das pessoas e por isso não pode ser chamado de tal sentimento que é perfeito.

Um filósofo que também condena o amor que não se preocupa com a felicidade é o filósofo Jean Jacques Rousseau, mas ao contrário de Kant, este não acredita que o amor gere apenas o bem, mas que este pode gerar o seu contrário: o ódio, a rivalidade o ciúme. Para solidificar essa sua idéia, em uma das partes de seu livro Emilio, assim coloca:

Pretende-se sempre obter a mesma preferência que se conce¬de; o amor deve ser recíproco. Para se conseguir ser amado, é pre¬ciso ser-se amável; para se ser preferido, é preciso ser-se mais amável que outro, mais amável que todos os outros, pelo menos aos olhos do objecto amado. Daí, os primeiros olhares sobre os nossos semelhantes; daí, as primeiras comparações com eles, daí a emu-lação, as rivalidades, o ciúme. Um coração penetrado de um sen-timento que transborda gosta de se expandir: da necessidade de uma amada, em breve nasce a de um amigo. Aquele que experi¬menta a doçura de ser amado quereria sê-lo por todos, e todos não poderiam pretender ser preferidos, sem que houvesse muitos des-contentes. Com o amor e a amizade, nascem as desavenças, a an-tipatia, o ódio. Do seio de tantas paixões diferentes, vejo a opinião que, para si mesma, erige um trono firme, e os estúpidos mortais, sujeitos ao seu domínio, basearam a sua existência nos juízos de outrém. (ROUSSEAU, junho/2011).

Várias visões para tratar da mesma coisa, uns condenando, outros os elevando a um nível quase divino, mesmo que o que digam sobre o assunto seja muito contrário do que viveram, pois como bem se conhece a história de Rousseau, este abandonou a mulher e os filhos para ‘fazer filosofia’ e mesmo tendo os abandonados, fala sobre amor e sobre educação das crianças no mesmo livro.

Será que então, para falar do amor não é necessário vivê-lo? E de quem será o discurso mais válido: daquele que o viveu ou aquele que só escreve sobre ele como se escreve sobre outros assuntos como algo apenas educativo e reflexivo? Talvez seja desse segundo tipo de pessoas as afirmações mais verídicas do que seja o amor, pois estes não possuem impressões formadas sobre o assunto e por isso não encontram-se contaminados em seu julgamento.

Um exemplo claro de alguém que viveu o amor em seu máximo e depois escreveu sobre isso se deixando contaminar pelo sentimento, é uma poetisa que não faz parte de nenhuma doutrina filosófica, mas que não deve ser esquecida: Florbela Espanca.

Florbela viveu seus sentimentos da forma mais intensa possível e os expressou em seus contos e poesias. Casada três vezes, conheceu o amor de diversas formas, mas mesmo com tantos maridos seu fim não foi o melhor, o amor que tanto sentia foi algo que a levou ao suicídio e ao retratá-lo como sendo alguém que nunca foi amada realmente.

Perdôo facilmente as ofensas, mas por indiferença e desdém: nada que me vem dos outros me toca profundamente. O amor! Ah, sim, o amor! Linda coisa para versos! A minha dolorosa experiência ensinou-me que sou só, que por mais que a gente se debruce sobre o mistério duma alma nunca o desvenda, que as palavras nada exprimem do que se quer dizer e que um grande amor, de que a gente faz o sangue e os nervos e as próprias palpitações da nossa própria vida, não passa duma pobre coisa banal e incompleta, imperfeita e ab¬surda, que nos deixa iguais, miseravelmente iguais ao que éramos dantes, ao que continuaremos a ser. Então... Para quê? (ESPANCA, junho/2011).

Além de Florbela Espanca, muitos outros escritores e filósofos debateram sobre o tema, sendo que alguns deles viveram o sentimento e o utilizaram tal como ela, como inspiração de suas obras.

Um desses escritores e o que temos mais interesse é o alemão Johann Wolfgang Goethe e sua obra Os sofrimentos do jovem Werther, pois como o mesmo na época afirmou e escreveu em seu livro, o personagem Werther foi inspirado em sua vida, pois o escritor encontrava-se apaixonado por uma jovem chamada Charlotte (quem em português é traduzido Carlota) e que já estava comprometida com outro homem.

Com o exemplo do livro, além de afirmarmos que vários dos que vivem esse sentimento o expressam em palavras, percebemos também com o escritor que esse sentimento parece já estar dentro de nós, como algo que já nasce conosco, mas que necessita ser descoberto para então atuar.

Goethe e Os sofrimentos do jovem Werther: o amor como algo já presente dentro de nós.

Um homem que ama tão profundamente uma mulher que por não suportar mais vê-la noiva de outro e saber que nunca poderá tê-la acaba se matando. Essa é a história de Werther, uma história que já é impactante quando apenas é contada a sua trama, mas como esta se encontra escrita a faz ter um peso ainda maior, pois a cada página do livro o autor descreve o sentimento do amor, um sentimento inteso e que vem de dentro dele.

Werther foi um personagem criado por Goethe para representar o que o mesmo sentia por uma jovem também chamada Charlotte que se encontrava noiva de Johann Kestner, que na trama Goethe substituirá seu nome por Albert. A cada página o sentimento que possui pela jovem é expressado, mas Goethe não teve o mesmo fim do seu personagem de seu amor levar a morte, mas como o mesmo depois justificou foi necessária a morte do jovem Werther a fim de que, ele mesmo se salvasse, nas suas palavras depois ele justifica da seguinte forma: "matei o herói para me salvar”.

Mas por que esse amor foi algo tão forte que fez com que o escritor tivesse que matar seu personagem para se salvar? Será que esse sentimento é uma coisa tão íntima e profunda, que se encontra tão enraizado dentro de nós e por isso é algo tão difícil de ser destruído? Bem sabemos que quando alguém ama, ou conceitua como sendo amor o que sente, isto não se apaga de uma vez por toda, às vezes essa ação nunca acontece, ficando dentro de nós como se uma doença que não tem cura.

Para o escritor e também para todos os escritores da época em que o livro foi escrito, que conhecemos com Sturm and Drang (ou pré-romantismo), percebemos essa concepção racional sobre os sentimentos, mostrando como se estes, assim como o amor já estão em nós desde que nascemos, como uma necessidade intrínseca do homem.

Mas aonde podemos encontrar essas afirmações? Na obra inteira, ou melhor, a partir do momento em que o jovem Werther conhece Charlotte até o momento derradeiro de sua vida, pois em todos os momentos seu ser é tomado por esse sentimento, assim como o mesmo diz-se encantado por tão bela criatura e que não consegue mais deixar de vê-la e que se tal tarefa fosse necessária o mataria.

“Todas as minhas preces dirigem-se a ela; na minha imaginação não há outra figura senão a dela, e tudo que me cerca somente tem sentido quando relacionado a ela. E isso me proporciona algumas horas de felicidade – até o momento em que novamente preciso separar-me dela! Ah, Wilhelm!, quantas coisas o meu coração desejaria fazer! Depois de estar junto dela duas ou três horas, deliciando-me com a sua presença, suas maneiras, a expressão celestial de suas palavras, e todos os meus sentidos pouco a pouco se tornam tensos, de repente uma sombra turva meus olhos, mal consigo ouvir, sinto-me sufocado, como se estivesse sendo estrangulado por um assassino, meu coração bate estouvadamente, procurando acalmar os meus sentidos atormentados, mas conseguindo apenas aumentar a perturbação – Wilhelm, muitas vezes nem sei se ainda estou neste mundo!” (GOETHE, 2000, p. 69).

No trecho acima citado, vemos como o jovem Werther sentia-se em relação ao seu amor pela Srta. Charlotte, mas nesse momento este já está sofrendo em saber que ela não pode ser dele, mesmo que em seu íntimo ele acredite que ela sente o mesmo por ele. Eis um problema do jovem Werther, este sempre acreditou que todas as pessoas pudessem ser tomadas do mesmo sentimento que ele, pois bem o descreve e percebemos novamente ele acreditando ser algo interno quando em uma das cartas a Wilhelm o mesmo assim lhe escreve: “Cabe-me alguma culpa, se em seu pobre coração cresceu uma paixão” (GOETHE, 2000, p. 07), entretanto este não esta se referindo a Charlotte, mas a uma moça que havia se apaixonado por ele e que não havia correspondido.

Segundo Goethe, quando o ser é tomado pelo amor, ele torna-se necessário neste mundo e é somente este sentimento que faz o homem tornar-se assim. Para ele, não existe algo mais sublime, mais verdadeiro e natural do homem do que o amor e sem este sentimento, a própria vida não possui sentido, pois é a finalidade do se humano, amar, independente de ser amado.

Entretanto, existem escritores que não concordam com Goethe, dizendo que muitas vezes amar alguém é melhor do que ser amado, pois para estes escritores, tal como o francês Charles Baudelaire, em um relacionamento sempre haverá um que sofrerá e outro que terá apenas o bem, sendo que o que sofre é o que ama.

“[...] o amor é muito parecido com uma tortura ou uma operação cirúrgica. Mas esta idéia pode ser desenvolvida da mais amarga. Mesmo que dois amantes estejam apaixonadíssimos e repletos de desejos recíprocos, um deles se mostrará sempre mais calmo ou menos possuído do que o outro. Um é o operador ou o carrasco; o outro o sujeito, a vítima.” (BAUDELAIRE, 2009, p. 17).

O que ama é a vítima, o paciente; o que é amado, o carrasco, o cirurgião e, com essa idéia o pobre jovem Werther nada mais é do que uma vítima, pois ele ama intensamente e acredita ser amado.

Que Charlotte o ame ou tenha um apreço enorme por ele, não há a menor, pois quando o mesmo vai embora, tentando fugir do que sente pela moça, esta o escreve, demonstrando se importar com ele, mas o amor que ela sente por ele é diferente do que o que ele sente por ela, demonstrando-nos desta maneira que o amor mesmo que seja algo natural de cada um, este possui níveis, e que estes níveis variam de pessoa para pessoa. Werther não se conforma e nos coloca novamente a idéia do amor como algo único do homem e ainda nos mostra a idéia que quando se ama uma pessoa, esta pessoa deve ser amada apenas por um, e não por dois, ou mais, praguejando diversas vezes contra Alberto, achando indigno de que ele esteja com ela.

“Às vezes não compreendo como outro possa amá-la, tenha o direito de amá-la, quando eu, somente eu a amo, com tanta ternura, tão profundamente, não pensando em outra coisa, querendo apenas esse amor, e não possuindo nada além dela.” (GOETHE, 2000, p. 102)

Quando o mesmo acha-se indignado com a idéia de outro homem amar sua querida Charlotte, podemos perceber um grande traço das idéias de Platão em seu diálogo O Banquete, tal como se o mesmo afirmasse que ela era sua alma gêmea e que ele e apenas ele poderia a completar, e ela como sendo a única entre todas as mulheres que pudesse ser dele. Aquela que estaria lhe completando, algo de seu corpo, se sua alma e de sua razão, como se isto tivesse sido já predestinado e que, se não viesse a acontecer, as coisas não estariam certas.

Destarte, ela não ficou com ele, mas casou-se com Alberto, que já era seu noivo, mostrando que o amor que sentia por Werther não era o mesmo que ele sentia por ela e que ele a seu ver, não era a parte que lhe completava, mas apenas alguém que estava na sua vida, tal como todos os outros. Werther não conseguiu aceitar isso, o que fez com que o mesmo se matasse em amor do amor que sentia por Charlotte, não porque ela o pediu isso, mas porque ele não suportou a idéia de que aquilo que o fazia necessário neste mundo fosse a mesma coisa que o faria perder o sentido dessa vida e que aquilo que estava dentro dele desde se nascimento e se mostrou a ele quando conheceu sua amada Charlotte, se tornou algo que fez com o que mesmo entregasse a todo o sofrimento possível pelo fato de saber que nunca mais a teria.

O amor para Goethe, e que foi expresso por seu personagem é algo totalmente racional, pois ele cresce de algo que possuímos dentro de nós, dentro de nosso coração, tal como ele se refere e que, a momento que nos encontramos com ele, nada mais é possível de fazê-lo calar, nem uma viagem para longe da pessoa amada, nem o tempo, nem as pessoas, mas que quando se espalha não pode ser mais arrancado, pois possui raízes muito profundas, arraigadas dentro de nós desde o momento desde que nascemos.

Nascemos com o amor e este pode ser descoberto durante a nossa vida, mesmo que alguns nunca o encontrem, e morremos com ele, pois ele é algo que não pode ser tirado de dentro de nós, tal como retiramos uma maçã podre de uma cesta de maçãs para que as outras não estraguem, mas o amor é tal como uma rosa solitária em um jardim que não produz mais dentro de nós, ela não fica lá sem ser notada, assim como seu perfume não se concentra apenas no espaço onde ela se encontra, mas ele se espalha por todos os cantos, é levado pelo ar.

Hume e as idéias empíricas: O amor nasce da experiência.

Diferindo das idéias de Goethe, David Hume nos diz que o amor, assim como todas as nossas paixões advém da experiência, ou melhor, usando seus termos: das idéias que construímos após termos contatos com as sensações, ou seja, através das impressões.

Entretanto Hume sendo um filósofo da Idade Moderna e não apenas um escritor do pré-romantismo alemão, não fala do amor se utilizando de uma história para conceituá-lo e tratá-lo, mas engloba o amor juntamente com as paixões e estas fazem parte do que entendemos como seu estudo sobre a moral. De acordo com Hume (2009, p. 497), “Se a moralidade não tivesse naturalmente nenhuma influência sobre as paixões e ações humanas, seria inútil fazer tanto esforço para inculcá-la”.

Para o filósofo, a moral é algo completamente ligado as nossas paixões e falar sobre as nossas paixões também é estar falando sobre a moral, pois as duas estão totalmente unidas. Segundo Hume, nossas paixões, volições e ações são fatos reais e originais e não tem nenhuma relação com outros fatos internos ou externos, contrapondo-se aos racionalistas que dizem que existem coisas que advém de dentro de nós, de fatos internos.

E isto também se pode encaixar no amor, não apenas utilizando-nos do livro Tratado sobre a natureza humana, que é um dos principais livros que ele trata sobre a moral e consequentemente sobre a natureza de nossos sentimentos, mas também em uma série de ensaios que o mesmo realizou durante a vida, ensaios estes que circulam entre os temas da política, moral, literatura, entre outros. Dentre estes, três destacam-se para a discussão sobre o amor, sendo estes: De amor e casamento, Da delicadeza de gosto e de paixão e De poligamia e divórcios. Estes três ensaios continuam afirmando as idéias do livro Tratado sobre a natureza humana, não apenas repetindo o que escrevem, mas também o complementando.

No ensaio De amor e casamento, Hume nos coloca uma visão diferente sobre as idéias que Platão coloca no seu diálogo O banquete, colocando que os casais quando se separam é porque se enganaram em sua alma gêmea e quando isto acontece

“A união logo se desfaz, e cada parte esta livre para partir de novo em busca de sua metade perdida, unindo-se, a título de experiência, a qualquer uma que encontre, e não tendo sossego até que a perfeita simpatia com um parceiro mostre que seus esforços finalmente tiveram êxito”. (HUME, 2008, p. 246).

Muitas vezes também acreditamos ter encontrado nossa alma gêmea e logo percebemos que nos enganamos ao pensar assim, mas essa não é a grande contribuição de Hume nessa citação, mas a de mostrar a partir deste pequeno fragmento que, quando não encontramos nossa alma gêmea, tal como Werther acredita ter encontrado quando conhece Charlotte, é a de que partimos para conhecer outras pessoas, apenas por experiência, mostrando-nos que muitas vezes nos enganamos e por isso devemos buscar na realidade a nossa metade, mesmo que seja para tentarmos inúmeras vezes.

Complementando essa idéia do ensaio de Hume, em seu livro o mesmo assim coloca:

“Uma pessoa pode ser afetada por uma paixão, ao supor que um objeto comporta dor ou prazer, quando na verdade esse objeto não tem nenhuma tendência a produzir qualquer das duas sensações, ou produz a sensação contraria à que ela imaginava.” (HUME, 2009, p.499)

Mas por que muitas vezes nos enganamos com os nossos sentimentos a respeito de um objeto ou uma pessoa? Para o filósofo isto e dá principalmente porque acreditamos que uma coisa é boa ou ruim de acordo com a experiência que temos daquilo, se nossa primeira impressão é boa, acreditamos que aquilo é bom; se é ruim, julgamos aquilo mal.

Uma criança, por exemplo, não sabe distinguir o que é bom ou mal antes de ter vivido as coisas na experiência, ela não sabe distinguir se botar a Mao no fogo é uma ação dolorosa enquanto ela não botar e, quando ela botar e perceber isso, logo conceituará tal coisa como ruim, pois lhe trouxe dor.

Julgamos as coisas boas aquelas que nos trazem alguma forma de prazer e de ruins aquelas que trazem consigo alguma espécie de dor. As coisas que amamos, seja uma comida, um filme, uma pessoa, ou outro objeto animado ou inanimado, são resultados de impressões boas que tivemos e que trouxeram algum prazer consigo. Sentimos-nos atraídos por alguém e devido a essa atração entendemos isto como amor quando sentimos algum prazer vindo daquela pessoa.

“O amor, (...) é uma paixão irrequieta e impaciente, cheia de caprichos e variações; que surge repentinamente pelas feições, por uma atitude, por nada, e da mesma maneira logo se extingue” (HUME, 2008, p. 153).

E o amor nessa visão, extingue-se porque nos decepcionamos com as pessoas, pois aquilo que a primeiro momento nos dá uma impressão prazerosa, pode com o tempo nos ocasionar dor. Entretanto, há um modo de que não nos enganemos e deixemos ser levados pela primeira impressão, fazendo com que desta forma, mesmo que o amor seja algo da experiência e por isso pareça algo irracional, possamos saber como escolher da melhor forma as pessoas, utilizando para isso da delicadeza do gosto, de um olhar mais refinado as nossas impressões, e assim mesmo que o amor não seja inato, e já dentro de nós, que o façamos durar o máximo possível, tirando todos os preconceitos e predileções existentes a fim formarmos um gosto puro sobre este sentimento e fazê-lo durar o máximo possível, a fim de que a alma que encontrarmos para estar conosco, possa ser a metade que nos falta.

“A delicadeza do gosto é favorável ao amor e à amizade porque restringe nossa escolha a poucas pessoas, tornando-nos indiferentes à companhia e à conversa da maior parte dos homens. (...) E estando seus afetos assim confinados a um círculo estreito, não é de se espantar que os leve mais longe do que se fossem mais gerais e indistintos. Com ele, a jovialidade e a galhofa de um companheiro de bebida se aprimoram numa sólida amizade, e os ardores de um apetite juvenil se transformam numa paixão elegante.” (HUME, 2008, p. 16).

CONSIDERAÇÕES FINAIS.

Durante muito tempo o amor foi discutido de inúmeras formas e por diversas pessoas: escritores, filósofos, cientistas, religiosos, pessoas com muita instrução, com pouca instrução, por todos os que algum dia tomaram contato com este sentimento, seja de uma forma boa ou não, mas ele nunca passou despercebido.

Hoje ele é banalizado, seu valor aumenta e diminui de acordo com as datas comemorativas, tal como o dia dos namorados e o natal, onde tudo parece girar em torno desse sentimento, e outras épocas ele parece nem ser tão importante.

De onde ele vem, o que ele é e se é necessário outra pessoa para ele se manifestar; são três perguntas que sempre possuíram inúmeras respostas e que gerarão milhares de novas questões e que muitas vezes parece que só cabe a cada um responder, pois parecem tão subjetivas que uma resposta pronta e universal não é o suficiente.

Qual a origem do amor? Está dentro de nós ou o concebemos através das experiências que temos? Outras perguntas difíceis de responder. Podemos amar uma pessoa por acreditar nisso de tanto vermos as pessoas juntas e acreditarmos que necessitamos de alguém também. Podemos amar um filho ou um pai porque nos colocaram que isto é o certo, mesmo que em nosso íntimo não sentimos isso; podemos acreditar que o amor é uma desgraça porque tivemos experiências ruins e por isso acreditamos que tudo é sempre assim, que estas pessoas nos prenderão tanto que não deixaram mais termos vida própria.

Ou podemos amar alguém apenas por amá-la, sem ter nenhuma explicação lógica, ou dado que comprove o que é realmente amar alguém, se é que alguém pode realmente explicar o que é o amor e que isto valha para todo o mundo. Podemos amar alguém porque esta pessoa completa em nós algo que sempre sentimos faltar, mas que nunca soubemos bem certo o quê, ou o porquê de não nos sentirmos completos, podemos acreditar que seja nossa metade que em algum momento separou-se de nós, seja por vontade dos deuses, acreditando em mitos ou por culpa da morte, acreditando que as almas voltam.

Ou podemos não acreditar em nada e termos uma vida sem nenhum sentimento e sentido, acreditando que estamos fazendo o melhor. Podemos nunca se importar com os outros e nem com nós mesmos e vivermos assim até o fim dos nossos dias. Mas então fica a pergunta, que graça teria não possuirmos sentimentos? Que graça preferir viver sem eles? Isso não é liberdade, isso é não saber o significado da palavra e nem ao menos saber interpretar o que há em volta, viver olhando apenas para si e fugindo de tudo aquilo que não possui resposta definida. É possuir uma vida que pode até na realidade não possuir sentido e não tentar ao menos procurar um. É ter uma vida vazia e nem ao menos entender o porquê.

“Mas onde se deve procurar a liberdade é nos sentimentos. Esses é que são a essência viva da alma.” (GOETHE)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

BAUDELAIRE, C., Meu coração desnudado – Edição bilíngue. Trad. T. Tadeu. Belo Horizonte, Autêntica Editora, 2009.

BRASIL, Blog do Citador. Amor e Amizade Afetam Sempre Terceiros. Disponível em: <http://citador.weblog.com.pt/arquivo/239099.html>. Acesso em junho de 2011.

BRASIL, Viva a filosofia. O Amor não Passa de uma Pobre Coisa Banal e Incompleta. Disponível em: <http://vivaafilosofia.blogspot.com/search?updated-max=2010-02-19T18%3A02%3A00-08%3A00&max-results=10>. Acesso em junho de 2011.

CRESCENZO DE, L., História da Filosofia Grega – De Sócrates aos Neoplatônicos. Trad. M. Fondelli. Rio de Janeiro, Rocco, 2005.

GOETHE, W. J., Os sofrimentos do jovem Werther. Trad. M. Fleischer – 2ª Ed. São Paulo, Martins Fontes, 2000.

HUME, D., A arte de escrever ensaio (morais, políticos e literários) / David Hume; seleção Pedro Paulo Pimenta. Trad. M. Suzuki e P. P. Pimenta. São Paulo, Iluminuras, 2008.

HUME, D., Tratado da natureza humana. São Paulo, editora UNESP, 2009.

Ellen Koteski
Enviado por Ellen Koteski em 02/07/2011
Código do texto: T3070806
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