A TV virou altar?

Wilson Correia

"Quando a moral se baseia na teologia, quando o direito depende da autoridade divina, as coisas mais imorais e injustas podem ser justificadas e impostas" (Feuerbach).

Até pouco tempo atrás, os atos religiosos transmitidos pela TV aberta eram discretos. Hoje, a coisa escancarou ao limite da paciência. A TV aberta virou altar?

A teologia da prosperidade e da propriedade, centrada em um materialismo rasteiro, age como se houvesse rede bancária nas plagas de São Pedro. Em nome desse fundamentalismo tosco, a verborragia é inflacionada de tal modo que, para tentar nomeá-la (tentativa, porque certas bizarrices nessa ceara são inomináveis), somos obrigados a apelar para verbos como: abusar, apelar, baldoar, clamar, convulsionar, escarrar, estrondear, exclamar, explodir, extorquir, gritar, instrumentalizar, manipular, praguejar, pregar, prestidigitar, rugir, uivar, ulular e vociferar.

Oportuno lembrar que o mimetismo aí não é de “homo sapiens” para “homo sapiens”, mas de vários outros viventes que não se encaixam como racionais.

Sendo a TV aberta uma concessão estatal, isso poderia estar acontecendo?

Se, na Modernidade, a humanidade conquistou o direito de contar com um Estado laico, levando a crença, a fé e a prática religiosa para o âmbito privado e doméstico da vida pessoal e particular, há aí uma deturpação de monta e um desvio do “modus operandi”, mantidos pelos impostos e taxas de todos nós.

Além disso, o transe midiático-religioso, verificado em desmaios, anátemas, agonias e êxtases catártico-fideístas, reveste-se de um fundamentalismo que não privilegia o trabalho cognitivo-analítico, mas, sim, a cegueira de uma literacia que só se mantém por conta do aletramento geral.

Essa crença fundamentalista é irmã gêmea do fanatismo, que implica ver o senhor da fé, ver o “Fürer” ("Firer", tal como Adolf Hitler era chamado) atuar como aquele que se faz proprietário também da verdade (não apenas dos bens próprios e alheios), colocando o resto do mundo no erro, na mentira e na ilusão.

Nada mais perigoso do que um fanático obstinado, em quem a frágil racionalidade abandonou-se ao obscurantismo de uma fé arquitetada na cegueira que se recusa a enxergar.

É impressionante como a quebradiça consciência do “homo sapiens” e todo o seu microcosmo mental se deixam influenciar e sugestionar, tal como a comovente história do menino que se dispôs a vender os próprios brinquedos para curar a vontade de discórdia e agressividade destrutiva dos pais.

Violência espiritual deveria ser crime e pecado.

Tratar divindades como se fossem mercadores deveria ser crime e pecado.

Ou esse é o castigo que agora o “homo sapiens” paga pela “audácia” de ter inventado Deus à sua imagem e semelhança?