A mitologia da educação escolar

20 mitos sobre educação escolar

Wilson Correia

1 A educação escolar é apenas reprodução

Isso é um mito porque a educação escolar, por mais conservadora que seja, não consegue conservar tudo. Sempre há espaços entre as carteiras escolares para a sabotagem, a rebeldia, a indisciplina e a revolução em direção ao novo criativo, crítico e criador.

2 A educação escolar é tão-somente redenção

Essa afirmação é um mito porque a educação escolar não tem o condão de redimir a sociedade de suas mazelas. Quando muito, a educação ensina a ler, escrever, contar e a fazer o que decorre desses aprenderes.

3 A educação pode tudo

Se, em uma sociedade, a educação pode tudo, então que economistas, políticos e demais funcionários estatais e das instituições privadas sejam demitidos. É muito fácil exigir que a escola forme para a justiça e a liberdade quando a economia não quer ser justa, nem a política legitimar a liberdade.

4 A escola tem de ser um lugar prazeroso

Isso é mito porque perpetra uma grande mentira. Prazer na escola é troco. O crucial da e na escola é o trabalho. E trabalho, todos sabem, exige gasto de energia, e não o desfrute automático de sensações de prazer.

5 A finalidade precípua da escola é educar para a cidadania

Se a cidadania é ter acesso à produção e apropriação de bens materiais, sociais e culturais, a escola sozinha não dá conta disso. Para formar para a cidadania é preciso que a economia, a política e toda a rede de instituições sociais façam a parte que lhes cabe.

6 A missão fundamental da escolar é educar para o trabalho

Se a educação escolar for compreendida como socialmente contextualizada, com a missão primordial de propiciar o aprendizado dos atos de ler, escrever, contar e se expressar, então a sua finalidade fundamental é a de educar para a cultura, para o mundo humano, de que o trabalho é apenas uma pequena parte.

7 A pessoa aprende aquilo para o que é vocacionada

A pessoa aprende o que a escola e os ambientes fora dela lhes possibilita. A educação é antropossocialmente produzida, legitimada e praticada. Não há um dom inato que nos aferre a um único saber.

8 A educação é tudo

Se educação fosse tudo os professores e seus alunos estariam no topo da pirâmide social. Educação é tanto quanto é a cultura, a economia e a política. Aliás, na sociedade que absolutiza o ter, para que mesmo essa estória de saber?

9 O aluno deve ocupar o centro do ensino-aprendizagem

Altamente desconfiável esse jargão, uma vez que é o mundo adulto o responsável por incluir o novato nas formas culturais que expressam o ser-estar humano no mundo. Para que a tirania do centro quando há a democracia das laterais?

10 O aluno deve temer o professor

Nenhuma autoridade é legítima se não for autorizada e conquistada. Um professor que lança mão do legalismo para se estabelecer não domina o saber, o saber fazer e a ética inerente à matéria com que trabalha. O medo tem se revelado um péssimo professor.

11 O aluno precisa amar seus mestres

O aluno precisa respeitar seus mestres. E respeito nasce da compreensão de que, humanamente falando, o professor é igual ao aluno, mas epistemicamente diferente porque, no mínimo, estuda há mais tempo que o aprendiz.

12 O bom professor é o que aprova

Jamais! Aprovação não é sinônimo de aprendizagem. A aprovação é apenas a permissão burocrática para seguir adiante, o que pode representar indiferença total pelo percurso formativo do sujeito aprendiz. Aprovar por aprovar não passa de irresponsabilidade!

13 O bom professor é o que reprova

O que você diria de um médico que levaria a óbito a maior parte de seus pacientes? Se ensinar é superar ignorâncias comuns, reprovação pode muito bem significar sucumbência diante do não saber de que participam o aluno e o professor.

14 O objetivo básico da escola é formar para o mercado

O mercado é apenas uma pequena parte da sociedade, o qual, aliás, deveria ser colocado em seu devido lugar. O mercado não deve ter o poder de decidir sobre a vida e a morte das pessoas. A tirania do mercado pode levar à falência qualquer projeto de educação.

15 O professor é o portador do conhecimento verdadeiro

O conhecimento que se aproxima daquilo que a vida e a realidade são não está nem no professor nem no aluno, mas na relação que ambos podem travar sob a motivação do ensinar e aprender. Ser portador do conhecimento verdadeiro é ser o salvador da pátria, ao passo que o professor é apenas um profissional da cultura sistematizada.

16 O que se aprende na escola, aplica-se na vida

Uma grande balela. Olhe para o Congresso Nacional brasileiro e constate quantos, ali, freqüentaram escolas confessionais e estudaram sobre a ética da responsabilidade para com o outro. Constate quantos, entre eles, pensam narcisicamente apenas em seus próprios destinos...

17 Pobre pode aprender igual ao rico aprende

Mentira deslavada. Quero ver alguém com o estômago roncando ter ouvidos ou olhos para o que se diz e se mostra em uma situação real de ensino e aprendizagem. Essa lorota só serve para que o dito “Pobres sempre os tereis convosco” se perpetue no tempo e no espaço.

18 Professor em sala de aula é garantia de qualidade

Conta outra, vai! Professor sem comida, sem livro, sem caderno, sem lápis, sem carteira, sem telha... esse professor dá conta, sozinho, de garantir a “qualidade da educação”? Duvido tudo a que tenho direito. Qualidade provém de investimento material nos processos educativos, exatamente isso que o Brasil nunca fez e nunca faz.

19 Quando se ensina, “A” o aluno aprende “A”

Essa é uma grande ilusão do magistério, compartilhada por pais e por toda a sociedade. Nem sempre o “A” ensinado é o “A” apreendido, aprendido, assimilado. O aluno aprende segundo seus tempos cognitivos (que dependem de outros tempos) e dá ao que aprende o sentido e a serventia que bem entende, segundo as condições sub e objetivas que encontra na vida social.

20 Sem educação escolar “ninguém” se torna um “alguém”

Detenha-se por um momento frente à televisão (nossa maior vitrine de exemplos a serem seguidos). Conte quantos dentre os exemplos mostrados concluíram a faculdade. Ou, se preferir baixar suas expectativas, quantos foram até o fim do Ensino Médio. Mudo de nome se não chegar você à conclusão de que os exemplos adultos postos diante das gerações mais jovens não for aqueles baseados no supremo e sagrado TER, em total e plena indiferença em relação ao SABER e ao SER.

De mito em mito, a gente vai fazendo e sofrendo a educação escolar. Torcendo, é claro, para que um mínimo de racionalidade oriente nosso quefazer professoral.