O futuro do Brasil depende da justiça

Wilson Correia

As reformas educacionais dos anos 1990 abriram brecha para a prática de uma política curricular que “incha” o currículo da escola, razão pela qual os estudantes da Educação Básica passaram a estudar Filosofia, Sociologia, Música, Espanhol, dentre outras. No entanto, esse incremento no percurso formativo não tem impulsionado melhorias qualitativas na escolaridade dos brasileiros, segundo os parâmetros avaliativos dos Estados liberais ou capitalistas.

Só para citar alguns exemplos, o Brasil é um dos últimos colocados no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, 2009). Esse programa avaliou 470 mil estudantes de 15 anos, oriundos de 65 países, os quais controlam 90% da economia mundial. Em leitura, o Brasil ficou em 53° lugar (China é o primeiro colocado). Em Matemática, os brasileiros alcançaram a 57° colocação. Em ciências, os estudantes verde-amarelos ficaram com o 53° lugar.

Outros números poderiam ser arrolados aqui, mas os citados bastam para dar a ideia sobre do que estamos falando. E como há entre nós o mito de que professor e aluno em sala de aula bastam para melhorar a educação, não é possível não dizer que há problemas estruturais e históricos contribuindo para esses resultados. Entre eles, o da injustiça social.

Nesse contexto sobressai a gritante falta de investimento por parte do Estado na educação (2,89 do PIB em 2010). Isso acarreta ausência de uma política salarial digna para o magistério e faz com que estudantes e professores disponham de infraestruturas obsoletas, arruinadas ou inexistentes. Outras mazelas advindas do fato de a educação escolar brasileira não ser prioridade para o Estado e a sociedade podem ser vistas a olho nu. É só querer enxergar.

O que está ocorrendo? Acontece que as autoridades responsáveis pelo setor, cartesianamente idealizadores da educação escolar, ao ponto de afirmarem que “Brasil potência só com educação” ou que “O futuro do Brasil depende da educação”, focam a escola em si. É como se a escola estivesse acima da sociedade. Eles concebem a escola redentora, a única responsável pela salvação da pátria.

Mas, evidentemente, essa, além de uma visão mágica e messiânica da escola, é, também, uma percepção ingênua. Se vissem a escola como instituição socialmente referenciada, notariam que não são sucessivas avaliações os procedimentos necessários à melhoraria da educação.

Notariam que a sociedade, antes de escola com professores, alunos e avaliações, precisa de instituições educativas estabelecidas segundo os princípios da justiça social. Aí veriam o mercado como uma parte da sociedade, não merecendo as mesuras com que tem sido tratado com o passar de séculos. Veriam que, antes de educar para uma cidadania sempre postergada e para um trabalho que só faz aumentar a exclusão, as relações assimétricas de produção, a alienação, o autoritarismo e o individualismo, a escola poderia colocar o currículo e os saberes científicos e filosóficos sistematizados a serviço da formação humana. Formar o homem e a mulher capazes de questionar o estilo existencial egotista vigente e o modelo societário no qual o sistema econômico fagocita a vida inteira poderiam ser finalidades logicamente mais razoáveis para a educação escolar.

É isso que não é possível ser feito sem justiça social. E justiça social pressupõe a participação na produção e apropriação de outros bens, tais como os econômicos (materiais), os sociais (políticos) e os culturais (simbólicos). Isso levaria o acesso ao saber a ampliar, consequentemente, as responsabilidades no âmbito do poder. Mas desde quando os setores dirigentes brasileiros querem compartilhar as condições efetivas de exercício de poder?

É por isso que o futuro do Brasil depende de justiça social. Enquanto ela for vista sob o signo da falta e da negação, a liberdade entre nós será um bem distante e uma quimera. Uma sociedade cujas minorias livres dependem de grandes contingentes humanos agrilhoados, submissos e escravizados não é mais que a aglutinação gregária de vencidos. E assim ela se faz porque dá às minorias os privilégios do ter, ao passo que nega à massa o respeito aos seus direitos vitais.

Se vencer essa gritante e desumana injustiça, quem sabe o Brasil não venha a se firmar como um país no qual prevalece a verdadeira cidadania? Chegar lá, porém, só é possível pelas trilhas da justiça e da liberdade que também possibilitem a articulação construtiva entre saber e poder. Isso a escola sozinha jamais dará conta de realizar.