A TV virou delegacia?

Wilson Correia

Para a minha felicidade, vivi a maior parte da minha infância em meio à natureza, pisando trilhas por entre as matas, em franco corpo-a-corpo com as águas dos rios, ajudando na lide agrícola sob chuva e sob o sol, iniciando-me no letramento do mundo e introduzindo-me na gramática da vida, como apropriadamente poderia entender Paulo Freire.

Hoje, vejo meninos e meninas trancafiados em casas gradeadas e em “apertamento” mobiliado para favorecer o isolamento e a idiotia (sujeito cujos limites do próprio mundo não se estendem para além do “eu” e do “meu”), razoavelmente guarnecido de recursos tecnológicos viabilizadores de contatos à distância, em lugar da convivência presencial.

O que pais dizem sobre isso revela, em parte, o tipo de sociedade no qual nos vemos: “Dentro de casa a criança tem mais segurança física e maior proteção contra a violência”. E, independentemente do grau de solidez dessa justificativa, o certo é que, como cantou Renato Russo, “Vivemos num mundo doente”. Um de seus sintomas, a febre generalizada, é a violência.

Violência servida à farta em nossas redes de TV. É só ligar a televisão e lá estão os chamados “Programas de apelo popular”. E vertem sangue pela boca e gestual de apresentadores vociferantes contra assassinos, ladrões, traficantes e corruptos de toda espécie.

A violência alcança todas as classes. Ela se fez um mal democrático, ainda que o peso dos “aparelhos repressivos” (Althusser) estejam recaindo mais sobre as “classes populares”, às quais programas desse gênero se destinam. Indicativo disso foi o registro emblemático da afirmativa do então ministro da justiça Francisco Rezek, lá da década de 1990, garantindo-nos que, no Brasil, “Cadeia é para preto, pobre e puta”.

Parece que ainda não nos livramos desse entendimento maldito. E a televisão, veiculadora da desgraça alheia, sabe muito bem como tirar partido dessa tragédia. A televisão “surfa” nas ondas da conjuntura, deixando de enfrentar questões estruturais como aquela sobre as causas e a gênese da violência entre nós.

Se enfrentasse essa questão consistentemente, e outras a ela correlatas, ajudando na compreensão das estruturas autoritárias, excludentes e injustas sobre as quais se ergue a nação brasileira, talvez não veríamos a TV mantendo os “justiceiros midiáticos” pintando e bordando em pleno ar. Talvez chegaríamos à conclusão de que os brasileiros excluídos do pacto, contrato ou consenso sobre os rumos econômicos, políticos e culturais a serem dados à sociedade brasileira são aqueles que, depois, não se sentirão legítimos mantenedores desse pacto, contrato ou consenso.

O preço dessa exclusão estrutural tem sido bastante alto e a violência é uma de suas partes. Enquanto isso, a sociedade parece se contentar com a verborragia policialesca e justiceira que campeia nossas TVs –planejadas para atuarem como “portas de delegacia”.

Uma lástima! Se violência também se aprende, nesse sentido a televisão brasileira tem sido uma professora excepcional –e bem ali, no recôndito do lar, onde julgamos seguros e protegidos os filhos e as filhas de todos nós.