A quem educar?

Wilson Correia

“Toda a educação assenta nestes dois princípios: primeiro repelir o assalto fogoso das crianças ignorantes à verdade e depois iniciar as crianças humilhadas na mentira, de modo insensível e progressivo” (Franz Kafka).

Kafka pode ser ácido, mas nem por isso estamos desobrigados de pensar no que ele diz. O mundo adulto parece criar um palco social e nele legitimar aquele que age com as melhores simulações e dissimulações possíveis. A educação para o desempenho de um papel social tem sido um imperativo difícil de mudar.

Quando esse contexto é confrontado com a possível educação para estilos existenciais tendentes à autenticidade é que vemos seus estragos. De um lado, então, deparamos com o discurso, quase unânime, sobre o valor da educação: “Estude para ser gente”, “Estude para ser alguém”, “Sem educação o Brasil não será grande de fato”.

Por outro lado, no entanto, os acontecimentos diários estão aí, dizendo que toda essa pugna em favor da educação não passa de cantilena ideológica de quem, no “Pão, pão; queijo, queijo”, não quer que a justiça seja uma condição da vida, nem que a liberdade qualifique nosso ser e estar no mundo e na sociedade.

Tomei consciência desse desencontro quando, meses atrás, li a seguinte notícia na mídia: “Ronaldinho Gaúcho é homenageado pela Academia Brasileira de Letras (ABL)”. Fiquei meio zonzo, abri bem os olhos e continuei a leitura: “Ronaldinho participou na ABL de uma homenagem ao escritor flamenguista José Lins do Rego, mas terminou ele próprio sendo homenageado pela ABL com medalha Machado de Assis, honraria maior da ABL. Em seguida, o jogador confessou não ter preferência por nenhum livro, motivo pelo qual pediu dicas de leitura aos nobres acadêmicos da ABL”.

Sabemos bem quem é Ronaldinho Gaúcho. Conhecemos um pouco o clube de que ele faz parte. O salário dele dá pistas sobre isso: R$ 1.400.000,00 (um milhão e quatrocentos mil reais) mensais. Claro que isso (garoto-propaganda que é do sistema) o coloca diuturnamente na mídia, desfrutando uma visibilidade que, talvez, nenhum professor e nenhuma professora, com piso nacional de R$ 1.187,00 (um mil cento e oitenta e sete reais) jamais consigam alcançar.

É nessa hora que “os valores que valem” saltam aos olhos. E, aí, eles quase ofuscam nossa visão, pois consubstanciam o TER. O SER perde sempre, de milhares a zero. Contudo, esse é o mundo e a sociedade que a ABL julga poder incentivar. E, acintosa e cinicamente, incentiva.

A outra parte dessa história é que, paralelamente a esse arroubo de ignorância, patrocinado por quem deveria ter o dever de promover a educação e a cultura, depois parte da sociedade vai reclamar da qualidade na educação. Qualidade para quê? Educação não é mesmo prioridade. A prioridade entre nós é formar para o “ter”. Educar para o saber? Que se lixe o “saber”! Saber é poder e “Esse é um bem escasso, para poucos, para nós” –dizem os membros da chamada elite brasileira!