Teoria da carência filosófica

Wilson Correia

Maria Helena De Souza Patto aborda a “teoria da carência cultural” (PATTO, 1991). Magda Soares fala de “ideologia da deficiência cultural” (SOARES, 1993). Quero falar aqui, germinalmente, da “Teoria da carência filosófica”.

Recentemente, participei de uma banca de pós-graduação em cujo ritual ouvi a frase: “Nós não lemos bem Descartes”.

Fiquei me perguntando o que significa “ler bem Descartes”. Se Descartes escreveu e nós podemos lê-lo e decodificá-lo, se podemos entender o que ele diz, o seu discurso “filosófico moderno”, que diabos há entre a letra cartesiana e a leitura que dela podemos fazer?

Não creio que possa haver “leituras de Descartes”, assim, no plural. Não vejo o texto filosófico como uma armadilha criada pelo autor apenas para apanhar na ignorância incautos leitores que “não sabem ler” esse ou aquele tipo de texto.

Mas, entre nós, parece natural a adesão à “Teoria da carência filosófica”. Já houve entre nós quem dissesse que “Só é possível filosofar em alemão”, por exemplo. Para ficar só nesse caso, é como se a língua determinasse o pensamento.

Estapafúrdia ideia. Pensamento e linguagem encontram-se tão inextricavelmente ligados que chego a pensar que um não existiria sem a outra. São produtos humanos.

Nâo é o humano que, na gênese lógica dos seres e coisas, foi criado pela linguagem e pelo pensamento. Tendo a admitir que, ainda que intimamente ligados, pensamento e linguagem se relaciona de maneira que o pensar é que engendra o falar. Ainda que confundidos, é a linguagem que precede a linguagem.

Assim, dizer que “Só é possível filosofar em alemão” corresponde a dizer que só a língua germânica tem o condão de motivar o ato de pensar.

Por decorrência disso, é como se se dissesse que os falantes da língua portuguesa não pensam. Eis, aí, o fulcro da “Teoria da carência filosófica”.

Ora, a lingua portuguesa expressa o que os falantes desse idioma pensam. A língua encontra seu limite no pensamento que o modela e a modula.

De minha parte, posto-me do lado daqueles que pensam que brasileiro pensa, tanto quanto o alemão ou o francês.

Já não é hora de superar a “Síndrome do colonizado”, essa que nos garante que, perante os europeus nós somos analfabetos filosóficos, e que, diante dos estadunidenses, nós somos materialmente miseráveis?

No contar das batatas, um pouco de amor-próprio é o que nos falta. Isso, creio, não é tão difícil de conseguir. Basta que valorizemos “os valores que valem” para cada um de nós.

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Referências bibliográficas

PATTO, Maria. Helena. S. “A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia”. São Paulo: T. A. Queiroz, 1991.

SOARES, Magda. “Linguagem e escola: uma perspectiva social”. 10. ed. São Paulo: Ática, 1993.