O valor da crítica

Wilson Correia*

Em minha primeira experiência profissional, periodicamente havia uma reunião entre os funcionários em que todos tinham o direito de falar de todos, “na lata”, com a finalidade de apontar os “pontos fortes” e os “pontos fracos” de cada um.

Claro que isso não passava de uma operação de controle corporativo, mas, no fim, restou-me o aprendizado de que a crítica e a autocrítica são valiosíssimas. Muitos, porém, têm dificuldade de conviver com a crítica.

Mas, queiram ou não, é a crítica que nos ajuda a separar o joio do trigo –em nós mesmos, naqueles a quem amamos, na sociedade, no mundo e na existência. “A palavra ‘crítica’ deriva do grego ‘krino’, que significa ‘julgar’ e cujo significado etimológico vem da atividade dos agricultores, ao separar os grãos dos resíduos, apartando, entre outras coisas, a palha do trigo, o alimento do desperdício” (SAVATER, F. ‘Urgência y presencia de la filosofia’. “Lá Nación”. Buenos Aires, 29 out. 1995. Suplemento Cultura, p. 1).

Muita gente tem dificuldade de lidar com a crítica porque a vê como um ataque e um ato violento, quando, na verdade, ela não passa de uma emissão de juízo sobre pessoas, fatos, relações, atos e atitudes verificados nas relações interpessoais e institucionais. Ouso dizer que sem crítica não há educação.

É lançando mão da crítica que os pais orientam seus filhos, marido e mulher acertam os prumos da vinculação afetiva, o professor e a professora oferecem diretrizes para o melhor aprendizado de seus alunos e os cidadãos podem apontar melhores rumos para a administração da “coisa pública”. Nessa linha, a crítica não é só um recurso educativo, mas é, sobretudo, um dever.

Dever da cidadania responsável e republicana, que não quer apenas “assistir de camarote” às decisões políticas que, segundo Bertolt Brecht, afetam o “custo de vida” e impacta o “preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio”.

Ainda segundo Brecht, é a renúncia à crítica e à ação consequente que ela pode ensejar as atitudes, não participativas, que engendram o nascimento da “prostituta”, do “menor abandonado”, do “político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio”, o que, em outras palavras, mostra que a crítica vale uma vida melhor.

A indiferença perante o dever de criticar resulta em abandono da participação institucional, política e social. E se o contrário da vida não é a morte, mas a indiferença, então podemos formar uma boa noção sobre o que a desistência da crítica educativa (a qual, aliás, deve ser contínua e ininterrupta) ocasiona a todas e a todos nós.

Claro que no palco social a “cara de verniz” vale mais que o olhar sincero, que preza a aproximação da verdade e luta pela autenticidade como virtude e valor. No entanto, penso que a educadores poderia ser vedada a indiferença perante o dever de criticar, posto que isso equivaleria à desistência do ato de educar.

Mas, se pai critica o filho para formá-lo, se amantes se criticam para encontrarem os melhores rumos da relação, porque diabos não posso criticar aquele em quem votei para defender os interesses da minha classe junto ao Estado e à nação? Por que me veria impedido de criticar quem ocupa qualquer cargo público, uma vez que a subsistência dele no cargo e na função depende do meu suor?

Se criticar implica “comprar briga”, prefiro parecer brigão. O que não calha em mim é o silêncio criminoso dos braços cruzados ao ver o comportamento, as ações e decisões, os atos e atitudes alheias afetando minha existência.

Sou inconformado de nascença porque batalho pelo melhor. Depois disso, escolhi ser professor. Não tenho a menor possibilidade de não ser um “criticador”.

* Wilson Correia é Adjunto em Filosofia da Educação no Centro de Formação de Professores da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.