Por que as cotas excluem os excluídos?

Wilson Correia

Uma sociedade plenamente inclusiva, tomando-se o parâmetro da vivência cidadã, que requer participação na produção e acesso aos bens materiais, sociais e culturais, é aquela que se faz justa desde a raiz. E raiz, aqui, entendida como os pilares econômicos, sociais e culturais que sustêm um determinado modelo socioeconômico.

Radicalmente falando, nem capitalismo nem socialismo alcançaram tamanho feito. O primeiro asfixia a justiça em nome da ideia de liberdade e o segundo mata a liberdade em nome de uma ideia de justiça. Ambos se igualam, portanto, no feito de produzir exclusão, fome, aniquilamento e morte.

Estamos viciados, é verdade, em fotografar a árvore sem notá-la como parte da floresta; a visualizar o peixinho sem notar que ele vive em um imenso aquário. “Oh tempora, oh mores!!!”, como diziam os mais antigos: “Oh tempos, oh costumes!!!”. Embriagados pela espuma da cerveja, custa-nos entender que sem a cerveja mesma a espuma não existiria.

Por que, me impaciento, a dificuldade de, na condição de seres pensantes e especializados nisso, notarmos o contexto e nos embriagarmos com o texto?

Qualquer análise mediana do capitalismo mostrará que esse modo material de vida é fundado no vetusto lema do “Dividir para dominar”. Sim, o capitalismo separa patrão e empregado, capitalista e trabalhador, incluído de excluído... Nessa esteira, a sociedade dos incluídos do liberalismo já provou e comprovou que ele justifica um modelo que não é para todos, mas para apenas alguns.

É, antes de tudo, para a elite (os eleitos, com fulcro religioso), para os remediados, mas que não abre espaço para a grande massa que compõe a nossa sociedade. Logo, o sistema capitalista tem de criar operações e dispositivos de controle que amenizem o antagonismo de classes –isso nós sabemos desde que olhamos pela primeira vez para as barbas de Karl Marx.

Mas insistimos em nossa luta inglória: feitos Dom Quixote, manejamos nossas armas –retóricas– para tentarmos contornar o incontornável: incluir os excluídos. Ocorre que se o capitalismo incluísse todos os excluídos, ele deixaria de ser capitalismo. Passaria a ser qualquer outro modo de produção material da vida, menos capitalista.

É por isso que as cotas excluem os excluídos. Quando se estabelece critério para eleger os excluídos menos excluíveis, acaba excluindo os que, teoricamente, são mais fortes (ou fracos?) para sustentarem o peso da própria exclusão que carregam na pele, no sexo, na cultura e na opinião política.

Não creio em inclusão se ela não for implementada em um modelo societário radicalmente justo. E justiça, como já estamos calejados de ver, é a primeira a ser excluída do sistema capitalista.

Agora, quem acha que ser Dom Quixote é um bom propósito para essa vida curta, que se aferre às suas lutas de superfície. Quanto a mim, aqui na minha insignificância, prefiro dizer que somos incompetentes e desejamos, a todo custo, aliviar o peso de nossa consciência com o assistencialismo, com o voluntarismo e com o placebo chamado inclusão –via bolsas, cotas, cartões e quetais.

Isso talvez doa. Mas essa dor não é maior do que aquela que vem do olho aberto, que se esforça por ver um palmo à frente do nariz.

Aliás, em um mundo de cegos, quem tenta esse feito parece estar zombando da loucura tornada normalidade por quem se diz lúcido das vistas. Uma pena! Seria tão bom se fôssemos capazes de encarar nossa própria inércia ante o que a realidade pede de todos nós!