Por que as cotas excluem os excluídos? V

Wilson Correia

Não cheguei à pergunta acima por acaso. Tive um projeto de pesquisa aprovado. Aprovados também foram cinco planos de trabalho de alunos que querem desempenhar atividades de pesquisa durante a execução desse projeto. Desses cinco planos de trabalho, dois deles receberam bolsa para alunos cotistas. Três deles foram integrados ao projeto, mas na condição de bolsistas voluntários de iniciação científica.

Ocorre que eu tenho uma lista de alunos que necessitam de bolsas que beiram os 25. Isso significa que 3 dentre eles trabalharão sem receber. Porém, 20 sequer conseguiram ser aceitos, nem como voluntários.

Se considerarmos que esses 25 estudantes deixaram para trás outros tantos jovens que desejam entrar em uma universidade federal, concluo que o processo de exclusão se dá sob o efeito cascata. Se pensarmos com o coração, o que dizer a esses jovens?

O que eu disse, tentando acertar, foi: “Vocês não são culpados, mas são responsáveis”. Não são culpados porque, como dizia o liberal Ortega y Gasset, “Eu sou eu e minhas circunstâncias”. E as circunstâncias em uma sociedade de livre mercado como a nossa, com esse mercado aí fazendo o Estado tremer nas bases diariamente, se eu fosse procurar culpados individuais eu não os encontraria desconexos do modelo societário excludente que nós criamos e que estamos a alimentar.

São responsáveis à medida que podem, e devem, dar uma resposta a essa situação. De preferência, por meio do engajamento político, do debate de ideias, da proposição de ações que efetivamente tenda à justiça social. Não é pelo fato de termos no poder pessoas nas quais votamos, que estamos desobrigados da prática da generosidade da crítica perante elas e suas decisões. Em vez de aparelhamento acrítico, precisamos de independência crítica. Se, no dia-a-dia, pai critica filho, amantes se criticam, irmãos criticam uns aos outros visando a contribuir para que melhorias sejam alcançadas em seus comportamentos, porque motivo eu me sentiria confortável em ver o que pode mudar para melhor e não contribuir com a minha crítica?

Então, a minha pergunta vem da vivência, na pele, dessa verdade que me afetou o meu moral ao me dar conta de que sou impotente diante de uma política que não contempla direitos, mas apenas salvaguarda alguns da virulência da exclusão social que testemunhamos todos os dias.

É diante disso que se configura a nossa responsabilidade. É diante do fato de termos aquele sujeito ali, aquele desejo diante de nós, aquele projeto de vida à nossa frente, aquela necessidade concreta de um indivíduo concreto o que nos faz sentir no dever de dar uma resposta a essa situação.

Claro que isso foi historicamente construído. Mas, assim como nem todo branco realiza práticas excludentes, nem todo fato histórico nos autoriza a estender a culpa por práticas desumanas do passado aos indivíduos reais do meu local de trabalho, do meu tempo, da minha história, da minha cultura. Não temos como voltar no tempo e refazer atos alheios. Por isso o enfoque na responsabilidade, quero acreditar, é pedagogicamente mais nutritivo.

A energia gasta no lamento por erros históricos não pode nos esgotar para a luta perante a realidade que nos cerca. Que da história aprendamos com os erros, preferentemente para não reeditá-los sob novas formas e nomes. Mas que saibamos que também estamos fazendo história. E que essa história, amanhã, será contada. Como queremos que esse relato nos desenhe perante as gerações futuras? Como culpados, como fazemos hoje com nossos ancestrais? Ou como aqueles que ousaram registrar nos livros da existência uma história diferente, que almejou valorizar a justiça e a liberdade?

Foi em meio a esses questionamentos, nascidos de uma experiência concreta, que me veio a certeza da validade da minha pergunta: por que as cotas excluem os excluídos? E essa pergunta continua em mim. Depois de tanta conversa, leitura, audição e tentativa de expressão, ela permanece intacta.

Que o pensar com o coração não nos faça esmorecer e nos dê as energias de que tanto necessitamos para continuarmos a procurar uma resposta minimamente razoável.