A mercantilização da educação brasileira sob a ótica da teoria do caos

Herick Limoni*

Quando o meteorologista norte-americano Edward Lorenz desenvolveu a teoria do caos, no início da década de 1960, ele não imaginava, acredito, o amplo espectro de possibilidades que poderiam ser avaliados à luz da referida teoria. Tal teoria estabelece que uma pequena mudança ocorrida em um evento qualquer pode ter consequências desconhecidas no futuro. E é exatamente isso o que tem ocorrido com a educação brasileira.

Há anos nossa educação vem sendo sucateada, com escolas públicas mal equipadas, educação deficitária, baixos salários pagos aos professores, dentre outras questões. E esse sucateamento não se trata somente de uma questão logística, estrutural ou salarial, mas antes de tudo, de uma questão comportamental e social. Digo isso por me lembrar que, na década de 1990, quando cursava o antigo 1º grau, todas as manhãs nos reuníamos no pátio da escola para o hasteamento do Pavilhão Nacional para, logo depois, entoarmos a plenos pulmões a obra-prima de Joaquim Osório Duque Estrada, o nosso Hino Nacional. Era um momento de civismo, literalmente, mas faz parte do passado.

Assim como na teoria de Lorenz, o sucateamento da educação brasileira que vem ocorrendo há anos começa a apresentar suas consequências. Prova disso é que em recente ranking divulgado pela Academic Rankings of World Universites (ARWU), que apresenta as 500 melhores universidades do mundo, aparecem apenas sete brasileiras, com destaque para a USP, que figura entre as 150 primeiras colocadas. E, na minha opinião, não há o que comemorar. Só a título de curiosidade, dentre as dez primeiras colocadas, oito são universidades norte-americanas. Mas isso não é difícil de se explicar. Enquanto os Estados Unidos da América (EUA) gastam entre 7 a 10% do Produto Interno Bruto em educação, o Brasil gasta apenas 3,9%, de acordo com dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Daí um dos motivos dos EUA serem a maior potência econômica mundial.

Outro fator que tem comprometido sobremaneira nossa educação é a mercantilização do ensino. De uns tempos para cá o governo, visando aumentar a qualquer custo o nível de escolaridade da população brasileira, passou a permitir, de forma desordenada e descontrolada, a criação de incontáveis faculdades e universidades privadas, sem se preocupar com a qualidade do ensino. O resultado disso pode ser verificado através dos resultados do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE) que tem sido aplicado aos concluintes de curso superior, e tem ocasionado diversas sanções e descredenciamento de instituições pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) em todo o Brasil. Com o sistema do “pagou-passou” implantado por muitas dessas instituições, o mais importante não é o aprendizado do aluno, mas sim o pagamento em dia das mensalidades e, no final, o resultado se apresenta bom para ambas as partes: o aluno recebe seu “suado” diploma e a faculdade/universidade enche seus cofres. Com raras e louváveis exceções, essa tem sido a lógica da educação brasileira nos últimos anos. A educação virou um negócio, e rentável, mas os resultados têm se mostrado preocupantes, o que pode ser visto na escassez de mão-de-obra qualificada, pois os alunos não estão recebendo as competências profissionais necessárias ao exercício da profissão escolhida, competências essas definidas por Perrenoud (2002) como “o conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes necessárias para garantir sua atuação na profissão”. E olha que não estamos falando da educação básica, aquela que obriga muitos alunos e professores heróis a percorrer, em diversos rincões de nosso gigante país, cinco, seis, sete quilômetros à pé, todos os dias, para chegar às escolas, como bem explicitado pelo programa “A Liga”, da Rede Bandeirantes de Televisão, que foi ao ar na noite de 23 de agosto de 2011.

Como se vê, o quadro atual se apresenta bastante preocupante, nos restando a esperança de que experiências bem sucedidas sejam replicadas por todo o país, a fim de que possamos comemorar, no futuro, o resultado de boas ações levadas a efeito no presente, assim como o bater de asas de uma borboleta, figura metafórica da teoria do caos. É somente através da educação que a maioria da população brasileira poderá se livrar das amarras da ignorância, passando da situação atual de massa de manobra dos governantes a participantes ativos na construção de um verdadeiro "país de todos", como alardeia o governo, deixando de ser um "país de tolos", com o perdão do trocadilho.

* Bacharel e Mestrando em Administração de Empresas, com ênfase em Criminalidade e Segurança Pública