Em defesa da liberdade de cátedra e da autonomia pedagógica

Wilson Correia

“Ninguém deve interferir em atividades realizadas dentro da sala de aula onde a autoridade do professor precisa permanecer soberana. Particularmente, defendo a autonomia didático-pedagógica do professor porque essa autonomia diferencia uma instituição pública de ensino superior das instituições privadas. Os resultados advindos da autonomia são evidentes: a qualidade da dedicação ao ensino que nasce do trabalho feito por vontade e não por obrigação; a busca espontânea de aprimoramento pessoal e de alternativas didático-pedagógicas mais eficazes; a possibilidade de preservação da convivência normal do professor com a turma de alunos e, sobretudo, o pluralismo na expressão de idéias que é algo essencial para qualquer projeto pedagógico que seja verdadeiramente democrático. Na era moderna, —a história do século XX demonstrou isso—, não existe a possibilidade de constituição de sociedades e de instituições sem a concessão da devida autonomia ao indivíduo. Todas as experiências de totalitarismo fracassaram desastrosamente. A diversidade é não só enriquecedora como também absolutamente necessária para o desenvolvimento do conhecimento e da sociedade. A intolerância deve ser banida da academia. Ama o controle e mata a vida, como diria Erich Fromm” (NILSON NOBUAKI YAMAUTI. “Em defesa da liberdade de cátedra”. REA. N. 40, set. 2004).

Creio que o compartilhamento de componentes curriculares deve observar tanto a autonomia didático-pedagógica quanto a liberdade de cátedra dos professores que aceitam compartilhar seus componentes. A primeira resguarda aos docentes o direito de escolher o modo como irão administrar a disciplina de que participam: se o tempo todo em sala de aula ou em blocos de tempo separados, isso é uma decisão que cabe aos professores. A segunda salvaguarda o direito do professor de ensinar o que sabe, pois, em uma sociedade em que a informação está em toda parte, o que conta é a relação pedagógica, situação concreta para cada professor disseminar sua visão de mundo, cujo ato é vital ao processo formativo.

A eterna luta entre a dimensão administrativa das coisas da educação e a dimensão pedagógica dos atos de ensinar e aprender, por vezes, leva o administrador a reducionismos rasteiros, como esse de associar presença de professor em sala com o cumprimento satisfatório do ato pedagógico. A rede estadual de São Paulo, parece-me, anda flertando com esse “conto do vigário”, desconsiderando que qualidade em educação é muito, muito mais do que presença de professor em sala de aula.

Desde a graduação, sempre tive professores compartilhando componentes curriculares. Raras foram as vezes em que ambos se encontraram em sala de aula. O que realizava a intenção do compartilhamento era a solidariedade, o respeito recíproco e, o mais importante, a troca de saberes que um e outro portavam sobre um mesmo assunto.

A história está repleta de exemplos que evidenciam quão desastrosa é a tentativa, feita por administradores que não notam a especificidade de uma instituição educativa, de quererem controlar até a respiração do professor e dos alunos. Yamauti, citado na epígrafe, traz à baila o caso de Mao-tsé-tung, na China, e da ditadura militar, no Brasil.

Creio que a qualidade a ser impressa em uma situação real de ensino e aprendizagem independe desse sufocamento em um campo onde a autonomia e a liberdade são suas matérias-primas. Além disso, esse processo não depende de textos, métodos e técnicas, mas do quanto a relação pedagógica vincula ensinantes e aprendizes, mediados pelo mundo. Um professor que não toma o texto como pretexto, está, realmente, prestando um desserviço à educação.

Por conta disso e de outros fatores, dedicação exclusiva (DE), penso eu, é estar voltado para a instituição de ensino em toda a sua produção, considerando-se, inclusive, que o trabalho de um professor requer que ele produza 80% (oitenta por cento) de suas atividades fora do ambiente acadêmico. O problema é quando isso transforma o “DE” aí envolvido em “difícil de encontrar”, inclusive não estando à disposição da instituição para a justa distribuição da carga-horária, com alguns se dando o direito de escolher os dias mais convenientes para si e empurrando colegas para dias e situações anti-pedagógicas e até desumanas. É nesse sentido, creio, que deveria ser encaminhada a nossa preocupação, pois isso fere tanto a liberdade de cátedra quanto o saudável princípio da autonomia, coisas vitais a quem escolheu ser professor.