Consciência crítica não basta

Wilson Correia

“Sou professor a favor da esperança que me anima apesar de tudo. Sou professor contra o desengano que me consome e imobiliza. Sou professor a favor da boniteza de minha própria prática, boniteza que dela some se não cuido do saber que devo ensinar, se não brigo por esse saber, se não luto pelas condições materiais necessárias sem as quais meu corpo, descuidado, corre o risco de se amofinar e de já não ser o testemunho que deve ser de lutador pertinaz, que cansa, mas não desiste” (FREIRE, 1997, p. 115-116).

“... ensinar não é transferir a inteligência do objeto ao educando, mas instigá-lo no sentido de que, como sujeito cognoscente, se torne capaz de inteligir e comunicar o inteligido. É nesse sentido que se impõe a mim ESCUTAR o educando em suas dúvidas, em seus receios, em sua incompetência provisória. E ao escutá-lo, aprendo a falar COM ele” (FREIRE, 1997, p. 135).

Paulo Freire propôs que a consciência humana passa por alguns níveis, os quais designou de “mágico”, “ingênuo”, “fanatizado” e “crítico” (CORREIA, W. & BONFIM, C. 2008). Entre outras coisas, a consciência mágica, fundamentada na visão religiosa do mundo, crê na intervenção de seres de fora do mundo humano para mudar a realidade que homens e mulheres criam em suas vidas particulares e sociais.

A consciência ingênua apresenta dificuldade de discernir coisas de coisas, não separando “bem” e “mal”. O portador de consciência fanatizada é aquele que encontrou “a” verdade e que joga o resto do mundo na falsidade. A consciência crítica, valendo-se da capacidade de identificar as partes de um todo, articulá-las e atribuir sentido a elas, a coisas, fenômenos, objetos, sujeitos, relações, saberes e poderes, é a condição de possibilidade para que seu portador tenha lucidez diante da realidade que o cerca.

Se consciência crítica bastasse, criar condições para que portadores das consciências “mágica” e “ingênua” passassem ao largo do “fanatismo” e fossem adotar a postura “crítica” diante da vida, da sociedade, da política, dos saberes e dos poderes seria um ótimo projeto para a nossa educabilidade. Mas, apenas chegar à criticidade não basta. Temos de pensar naquilo que falta para termos sujeitos realmente compromissados consigo mesmos e com suas vidas, com a sociedade e com o mundo.

Saberes, poderes e verdades estão aí em nosso contexto existencial. Parece ser em meio às relações que os sujeitos humanos travam ao mobilizá-los que a criticidade pode ter algum sentido e significado. Mas, de que vale a consciência crítica de braços cruzados? O que adianta o homem e a mulher ser portadores do saber sobre o que está em maior e melhor conformidade com a dignidade, o direito e a justiça, se esses sujeitos não agem para efetivar o que compreendem ao nível cognitivo, do intelecto, da mentalidade?

Quantos não são aqueles que usam saberes, poderes e verdades apenas para perpetuarem a reprodução de esquemas e mecanismos daninhos e danosos de dominação e submissão dos outros? Logo, à consciência crítica deve se unir a postura ética. Aliás, é a adoção de valores conformes à dignidade humana que poderá impulsionar à ação que faz sentido. São os valores sobre os quais uma vida se assenta que podem levar à “práxis” mais ou menos afinada com aquilo que humaniza saberes, poderes e verdades, indo qualificar diretamente as relações de poder que vivenciamos no dia-a-dia de nossa luta.

No fundo, então, uma consciência crítica intimista de nada serve. O que faz diferença é a ação que dela pode decorrer. E como estamos precisando de ações críticas hodiernamente! Há tantos postes dando as mãos apenas para manterem as injustiças que estão por aí...

Referências

CORREIA, W. & BONFIM, C. “Práxis pedagógica na filosofia de Paulo Freire: um estudo dos estádios da consciência”. Trilhas Filosóficas. Seridó: UERN, ano I, número 1, jan.-jun. 2008, p. 55-66.

FREIRE, P. "Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa". 7. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.