Três respostas e uma luta!

Wilson Correia

Professor é aquele que professa. Logo ele tem de lidar com discursos e tudo o que se relaciona ao pensamento que expressa: produção, circulação, audição de opiniões favoráveis e contrárias. É o princípio básico da democracia.

Nesse sentido, não são poucas as mensagens que recebo em meu endereço eletrônico privado. É a opinião daqueles que se dizem leitores, companheiros, cúmplices e amigos o combustível que me alimenta e me mantém de pé. Muito obrigado!

Enquanto esses entendem o papel do agente público na educação, que se esforça para atender ao princípio da publicidade no debate sobre bem comum, negando, assim, a tendência prevalente de decidir tudo nas sombras das alcovas, vez ou outra chegam questionamentos de quem discorda e marca seu posicionamento. É o caso da mensagem a seguir, em três lances (resguardo o nome do professor por uma questão ética óbvia).

QUESTIONAMENTO: “Não tenho a intensão (sic) de ficar implicando com o senhor por meio de e-mails e nem de expô-lo. Mas minha reação às suas mensagens foi provocada pela própria forma como o senhor conduz as discussões, usando (no meu modo de ver) de insinuações e indiretas. Veja bem:

- Questionamos o uso indevido do nome do CFP no site quando, na verdade, o site era do movimento discente (como você mesmo disse). Será que estamos implicando demais? É errado querer que as coisas sejam feitas as claras, sem dubiedade? Não é educativo para os discentes aprenderem a agir desta forma? Não foi uma crítica ao movimento discente em si, mas à forma como algumas questões são conduzidas. Entendendo que os alunos estão em formação (também política), qualquer crítica à forma como eles se mobilizam deve ser, pelo menos recebida e ‘digerida’, não precisa ser aceita.”

MINHA RESPOSTA: Primeiramente, dispenso o uso da palavra “senhor”. A filologia está aí para nos dizer que o uso de um vocábulo não se resume ao emprego de sinais gráficos, mas que isso implica uma ideologia. O termo “senhor” só existe em contraposição a “escravo”, “servo”, “fiel” e “seguidor”. Como entendo que pronome de tratamento nem sempre é sinônimo de respeito, prefiro termos que, no cotidiano de nossas vidas, em uma perspectiva antropológica, mais nos aproximem ou tendam à igualdade. Por isso, dispenso o uso do senhor. Não nasci para seguir, muito menos para ser seguido, uma vez que o “lado a lado” é que é o mais indicado para quem optou por ser militante social na condição de educador.

A questiúncula relativa ao nome “CFP” foi não somente digerida, como, também, aceita. Os responsáveis pelo sítio corrigiram o uso do nome (o que eu, pessoalmente, não teria feito). Aqueles que pensam que o bem comum pertencente à sociedade pode ser privatizado, sob todos os sentidos, ficaram satisfeitos. Não creio, contudo, que isso tenha mudado o significado da instituição estatal-pública e socialmente referenciada que é o Centro de Formação de Professores (CFP), cuja concepção, implantação e manutenção só foi e tem sido possível mediante a contribuição de todos os cidadãos brasileiros, esses que realmente constroem o bem comum material, social e cultural em nosso país, incluindo aqueles que jamais terão o direito de colocar os pés em suas salas de aula. Para mim, ainda que por vias tortas, como tortas são muitas as coisas no Brasil, esta questão está plenamente superada. Mas reafirmo, contrariamente a um nacionalismo positivista que ainda parece respirar entre nós, que não há grupos ou pessoais individuais que constroem o CFP. O CFP é produto de um investimento de toda a sociedade brasileira e ela tem o direito de usá-lo da melhor maneira possível.

QUESTIONAMENTO: “- Aí você me vem com a aquele e-mail sobre liberdade? O que você está querendo dizer? Que estamos sendo opressores? Olha, me desculpe, mas eu vejo uma certa malícia em seu posicionamento que não considero justa. O site não era do CFP, pronto, você explicou o que aconteceu e eu entendo que a aluna que escreveu o site não fez por mal. Então para quê mandar essa indireta? Ao fazer isto, você recebeu um questionamento bem direto: que tipo de liberdade é esta que põe cadeados no portão? Ao fazer isto, em quê este movimento se difere de outros movimentos opressores que já vimos no passado? Era um bom momento para discutirmos isto, discutirmos a validade deste tipo de ação. Afinal estamos preocupados com a formação de nossos alunos não estamos. Se hoje eles põe um cadeado no portão por que acham justo fazer isto, o que eles poderão fazer se um dia estiverem no poder? Usar de violência sempre que for ‘justo’? Basta olharmos os rumos de diversos regimes pós revolucionários para descobrirmos que os atos de violência continuam após a revolução a ponto de, muitas vezes os próprios revolucionários serem mandados para a forca ou a guilhotina para o reestabelecimento da ordem.”

MINHA RESPOSTA: Nenhuma mensagem minha é indireta. Todos os pobres dos meus escritos são diretos. Sofrem das limitações que todo texto escrito sofre, desprovidos do tom de voz, do gesto, enfim da linguagem não verbal que os acompanha. Mas, apesar disso, são diretos, e suas possíveis qualidades e muitíssimos pontos fracos devem ser procurados em minhas linhas. Eu me recuso a escrever por entrelinhas. Nisso, sigo o conselho do meu pai e da minha mãe: “Que o teu sim seja sim e que o teu não seja não”. Quem usa de malícia vida afora pensa que todas as pessoas fazem uso do mesmo expediente. Se pretende me julgar por meu comportamento como agente público, julgue-me por minhas palavras, não por um pretenso subtexto inexistente que sua imaginação projeta sobre o que eu escrevo. E digo mais: se alguma dúvida a respeito do que me esforço por dizer perturbar muito, pode me procurar para uma conversa (aliás, como não o conheço, professor, convido-o a se sentar comigo em um momento desses para a gente trocar umas palavras e um café. Quem sabe, assim, a gente compreende mais concretamente o que cada um é? Se tiver tempo para ouvir minha história de vida, talvez seu ponto de vista a meu respeito mude um pouco. Isso pode custar paciência, mas adianta muito a compreensão a respeito daquilo que o outro é e está a fazer).

Sobre a liberdade, eu não a entendo como um conceito formal, jurídico e idealizado, como a ideologia liberal clássica e repaginada das últimas décadas alimenta. Li-ber-da-de é con-quis-ta. E essa busca implica as contradições, antagonismos, disputas e embates que todo direito social acarreta. Como canta Zeca Baleiro, “Nada vem de graça, nem o pão nem a cachaça”. A liberdade aí incluída.

Nessa perspectiva, às vezes, somente um cadeado pode quebrar outros cadeados. E, com isso, não estou afirmando que “estamos sendo opressores”. O Estado moderno, como é de conhecimento vulgar, é a instituição-mor da sociedade que detém o monopólio da força, em nome da qual lança mão da potência simbólica (ideologia) e da potência repressiva (cadeados). Não é sempre que a linguagem simbólica consegue se fazer ouvir e, para se alcançar a liberdade, o ato de força torna-se a única resposta que o povo dispõe para esconjurar seus opressores. Ainda mais: não estou afirmando que “estamos sendo opressores”. Uma leitura mínima de Paulo Freire, por exemplo, nos ajudará a entender como “somos opressores”. Como alojamos o dominante dentro de nós. Como é árduo o exercício diuturno para expulsá-lo de nossa subjetividade e ações práticas dia a dia.

Na mesma esteira segue a tal da violência institucional, essa que quer conformados os sujeitos em seus quadrados preestabelecidos. Não creio em nenhuma forma de violência, mas compreendo que, em determinadas situações, a resistência à violência institucional só é possível mediante o uso de instrumentos dos quais ela, a força institucional, entende. É por isso que não condeno os estudantes. Eu me esforço por compreendê-los, situando-os no contexto mais amplo de nossa história das últimas décadas. Aqui, claro, é minha posição ideológica que me dá a diretriz: a tirania do capital pede a resistência, em nome da vida, do bem comum, da justiça, da liberdade e da felicidade possível a todos nós.

QUESTIONAMENTO:“- Não satisfeito você envia aquele e-mail insinuando que só está preocupado com a educação quem está apoiando integralmente o movimento discente? Você realmente acha isto? É realmente justo publicar isto e ignorar a história de vida e de lutas de cada colega? Creio que não e creio que o senhor sabe muito bem disto. Então, você quer fazer este tipo de acusação e ser aplaudido? Não tem jeito. Me desculpe pela forma como o respondi, mas entendo que era a forma apropriada para o tipo de insinuação feita.”

MINHA RESPOSTA: Eu não insinuei. Eu afirmei algo sobre o compromisso com a educação de qualidade. Se você usar minhas próprias palavras ao se referir aos meus textos, o debate não só fica mais coerente, mas, também, mais justo e respeitador daquilo que tenho tentado propor como trilha do debate sobre as atuais condições da educação no Brasil. Olha! De quantidade vertida em migalha eu já estou farto. E tenho tratado essa tal mitigação como estratégica na busca da hegemonia partidária em nosso país. Se você tem dificuldade de entender isso, me desculpe. Eu sempre acreditei em um debate que fosse além das quirelas imediatas que nos acossam.

Nessa tentativa, eu não busco aplauso. No máximo, espero compreensão. Sei, contudo, o quanto isso é complicado. Isso exige uma qualidade política que, nas últimas décadas, tem sido imensamente obstaculizada pela hegemonia sufocante que é a que se abate sobre nós pelas vias do absolutismo do capital.

Por isso, o compromisso com a educação de qualidade pede que saibamos claramente contra “o que” e contra “quem” verdadeiramente lutamos, como nos ensinou, felicissimamente, o Professor José João em um debate dias atrás. Creia, meu caro colega de magistério, meus textos não foram escritos e não continuarão a ser escritos contra você. Aliás, sequer o conheço. O que conheço bem é a pobreza, a miséria, a exclusão, a morte e o uso espúrio das benesses por alguns que são custeadas por todos os cidadãos. Por isso essa minha resposta é parte da minha luta.

Creia, se o que está em voga é pensar que membro da classe popular pode se contentar com uma educação meia-boca, é contra isso que escrevo. Contra um modo de produção material da vida que se quer senhor da vida e da morte de todos nós. Entende, mais uma vez, a razão pela qual você pode me chamar de você?

Um abraço e sucesso sempre!!!