Um futuro para viver

Wilson Correia

Agora, no dia 19 de setembro próximo, minha filha completa “a idade avançada de quinze anos”, como diria Paulo Mendes Campos. Enquanto me espanto com a voracidade de Cronos, que nos devora a todos, ponho-me a pensar em como continuar me esforçando para que a minha seja uma melhor filha para o mundo. Entretanto, vejo-me inquieto sobre os desafios com os quais deparo quando o reverso da medalha me pressiona: como contribuir para a construção de um mundo melhor para minha filha?

O contexto histórico pós-queda do Muro de Berlim vivido pela humanidade tem dificultado bastante esse trabalho em prol de outro mundo possível. Uma dessas dificuldades, parece-me, é a resignação diante da mundialização econômica neoliberal. Uma ilustração disso foi o episódio que vivi, há pouquíssimos anos (em 2005), quando fui atuar como professor substituto na Universidade Federal de Goiás (UFG). Quando fui à UFG apanhar documentos sobre meus encargos docentes, uma solícita professora me estendeu o Plano de Ensino de Filosofia da Educação e me advertiu: “Note, professor, que não estamos abordando mais os temas relativos à globalização e ao neoliberalismo”. Perplexo por entender aquilo como um atentado contra a minha liberdade acadêmica, saí da presença daquela mestra decidido a fazer a melhor abordagem que me fosse possível dos temas que ela dizia estar superados para ela. Foi o que fiz e acho que não me equivoquei.

Hoje, em pleno ano de 2011, leio a frase de André Gide, afirmando que “O mundo só será salvo, caso tenha salvação, pelos insubmissos”. E quais sujeitos estão insubmissos no mundo? Não são poucos. Eles englobam jovens árabes, britânicos, franceses, gregos, espanhóis, portugueses, israelenses, chilenos e brasileiros, entre outros. O que causa indignação na juventude? O fato de ela não ter um futuro para viver. “Pela primeira vez em um século, na Europa, as novas gerações têm um nível de vida inferior ao de seus pais. O processo globalizador neoliberal brutaliza os povos, humilha os cidadãos e despoja os jovens de futuro” (Ignácio Ramonet, ‘Le Monde Diplomatique Brasil’, setembro de 2011).

E o que faz a globalização neoliberal chegar a esse ponto? Evidentemente, uma combinação de desregulação econômica e minimalização estatal, com medidas que visam ao enxugamento, ao máximo, dos direitos sociais e uma crucial privatização dos serviços públicos, por meio dos quais se pratica o roubo da riqueza produzida pela população onde essas diretrizes são implementadas. Inclusive, claro, aqui no Brasil.

Nessa direção, o Estado tem de ser mínimo para os direitos sociais e máximo para a garantia dos propósitos avarentos do capital, agora adjetivado de “financeiro”. Afirma Ibraim Warde: “O peso da financeirização é tamanho, que uma inversão da tendência parece impossível. Por um lado, a relação de força entre Estados e mercado é mais do que nunca desfavorável aos primeiros; por outro, os dogmas estabelecidos ao longo das últimas três décadas de desregulamentação financeira parecem indestrutíveis. Quase todas as intervenções públicas procuram em primeiro lugar tranqüilizar os mercados e proteger o setor financeiro, que brutaliza os Estados e suas dívidas” (‘Le Monde Diplomatique Brasil’, setembro de 2011).

Pensando nisso, talvez, para eu deixar uma filha melhor para o mundo e um mundo melhor para minha filha, eu tenha que escutar com atenção os jovens insubmissos que saem às ruas mundo afora e paralisam universidades aqui e ali. Talvez eu tenha, ainda, que trabalhar no sentido de defender a ideia de que o mercado não pode ser o senhor tirano que escraviza a todos e todas. Mais que isso, talvez eu tenha que contrariar a UNESCO, que propõe 7% do PIB nacional à educação, propondo que “10% do PIB Já”* é o que pode começar a criar o futuro aqui no Brasil. Por fim, talvez eu tenha que continuar a defender uma educação de qualidade, acompanhada da defesa de garantia de todos os direitos sociais conquistados pela humanidade, mas que ainda permanecem letras bonitas em códigos jurídicos que só protegem o capital.

E que minha filha compreenda isso brevemente, para que, ao meu lado e ao lado daqueles que se importam com a justiça social, venha gritar conosco que nós queremos um futuro para viver.

____________

*Não está passando da hora de promovermos um “Bocaço Nacional pelos 10% do PIB Já para a Educação”? Poderia ser um dia em que todos os brasileiros e brasileiras que nos importamos saíssemos às ruas para fazermos um “Gritaço” nesse sentido. Que tal?