O medo, a educação e a vida

Wilson Correia

Não é de hoje que existe o embate entre imobilidade e movimento. Parmênides (530-460 a.C.) afirmou “O ser é, o não ser não é”. Heráclito (540-470 a.C.), disse: “Tudo flui”. Aconchegar-se no imobilismo do ser pode gerar a ilusão de segurança. Contudo, essa sensação de aparente fixidez não retira do ser e das coisas a característica que lhes é inerente: a da constante transformação (para mim, Heráclito venceu essa parada). É o contínuo ciclo de mudança na forma de ser das coisas naturais e humanas, materiais e culturais.

A educação que não se fundamenta no pressuposto da possibilidade de mudança, do movimento e da transformação mergulha, inteira, no lago do autoengano. Esse entendimento baseia-se na compreensão de que a educabilidade requer a capacidade de fazer com que o educando entre em processo de autossuperação. Mudar-se a si mesmo e lutar para transformar as circunstâncias existenciais são os propósitos básicos de toda prática educativa.

Nesse sentido, educação não combina com mecanicismo linear, nem com o idealismo parasitário que quer ver a história como resultado cristalizado de causas e efeitos compreendidos como eterno retorno de regularidades. É no antagonismo, na contradição e na batalha dialética entre afirmação, negação e sínteses que reside a condição de possibilidade do ato de aprender, ensinar, educar-se e educar.

Sobre isso, Paulo Freire afirmou: “Recusando qualquer interpretação ‘mecanicista’ da ‘História’, recuso igualmente a ‘idealista’. A primeira reduz a consciência à pura cópia das estruturas materiais da sociedade; a segunda submete tudo ao todo-poderosismo da consciência. Minha posição é outra. Entendo que estas relações entre consciência e mundo são dialéticas” (FREIRE, Paulo. ‘Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar’. São Paulo: Olho D’Água, 1997, p. 26).

Só quem tem medo do movimento -isso que caracteriza o nascer, o viver e o perecer de tudo no mundo, com uma multiplicidade de impermanências e inconstâncias atravessando-lhe a existência- pode se agarrar ao pretensamente pronto, acabado, definido e definitivo. Em verdade, nada está pronto, acabado, definido ou definitivo. E nem mesmo a morte consegue ser absoluta na detenção do processo ininterrupto de mudança e transformação, uma vez que ela, a morte, faz-se, também ela, um momento do movimento da existência.

Então, porque temer o movimento na educação? Se medo existe, ele merece o melhor combate. “A questão que se coloca não é, de um lado, negar o ‘medo’, mesmo quando o perigo que o gera é fictício. O medo, porém, em si é concreto. A questão que se apresenta é não permitir que o medo facilmente nos paralise ou nos persuada de desistir de enfrentar a situação desafiante sem luta e sem esforço” (FREIRE, Paulo. ‘Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar’. São Paulo: Olho D’Água, 1997, p. 27).

É nesse sentido que o medo pode ser inspirador, à medida que se faz fonte de coragem para se pensar o que deve ser pensado, decidir a respeito do que pede decisão e agir naquelas circunstâncias que exigem a melhor ação de que formos capazes.

Que não tenhamos medo de nossos medos. Senti-los é um direito inalienável nosso. Enfrentá-los é o mais crucial de nossos deveres.

Se a vida nos fosse dada como obra acabada, o que sobraria para nós em termos de co-responsáveis pela obra da existência? O que nos sobraria em termos de aprender? Faria algum sentido a tarefa de ensinar?

Medo não é para ser negado. Muito menos, fortalecido. Medo é para ser enfrentado, na dialética de nossa única tarefa verdadeira: viver com sentido existencial.