Sociedade, violência e educação

Wilson Correia

As paidéias grega (ignorância à sabedoria) e judaico-cristã (Terra ao Céu), ao que parece, não deram conta de sacramentar em definitivo o sentido existencial para o humano. A paidéia iluminista moderna (das trevas à luz, da natureza à cultura, da menoridade à emancipação, da insatisfação à felicidade universal, da guerra à paz perpétua, da desordem à ordem, da estagnação ao progresso...), ao que consta, caiu no mesmo fracasso. Ao indivíduo, desprovido de família e de igreja, carente de sentido e propósito existencial, restou o solipsismo. Nisso, talvez Hobbes tenha sido mais assertivo que Rousseau, e a guerra de todos contra todos tenha levado ao perecimento a possível bondade de que os humanos seriam capazes. Hoje, o que parece ter restado ao indivíduo, além da idiotia individualista, é a esperança de chegar ao único local que lhe confere algum motivo para viver: o ambiente cultural corporativo, com uma vida cujo percurso se esgota no ganhar para gastar, no pagar para viver morrendo a cada dia.

Nesse contexto, que é amplamente tecido pelas instituições sociais e pelas as redes que essas instituições mantêm, família e escola são sempre atravessadas por fatores econômicos, políticos, ideológicos, culturais, entre outros, e, como tal, encontram-se, também elas, desprovidas de sentido. Deixando a família estiolada à parte, podemos indagar: qual é mesmo a tarefa da escola e assemelhados? O que devem fazer professores, alunos e demais sujeitos que atuam profissionalmente nos ambientes especializados em ensinar e aprender? Devem motivar a violência sutil dos discursos deturpados e das ações patentes de destruição? Professores e estudantes estão aí para serem mortos e para promoverem a morte? A vida e a morte podem ser tão banalizadas ao ponto de não merecer a dignidade de explicação e esclarecimento?

Nos Estados Unidos da América do Norte, ambientes educativos se tornaram lugares simbólicos da luta social do homem que se fez lobo para o semelhante. Recentemente, no Chile, um garoto foi assassinado pela ditadura do capital, manejada pelo governo de Piñera. Ontem, no Brasil, uma criança paulista, de apenas dez anos de idade, desferiu um tiro em uma professora e suicidou em seguida. Aqui na UFRB, a morte de um estudante em condições obscuras aguarda explicações.

Em uma cultura que deseja centralizar a vida, todos esses casos deveriam causar repulsa, contestação, repúdio e indignação. Mas, ao contrário, elas não são vistas como consequência de uma ordem social que, em verdade, prega a vida e cultua a morte, sustentada por um caldo cujos ingredientes econômicos, políticos, culturais, ideológicos e de interesses egóicos pautam sua interpretação. São vistas como “episódios isolados”, tal como certo positivismo ensinou.

Novamente, a fragmentação como método sutil do violentar. Para mim que entendo método como caminho nunca decidido “a priori’, mas realizado durante o caminhar, de pessoas ou de movimentos sociais, é nessa hora que o sininho desgruda do pescoço do tigre. Pensamos que vendo ‘a’ instituição nela mesma entenderemos a razão de ser de determinados acontecimentos. Creio que já não podemos mais nos deixar seduzir por esse tipo de reducionismo. Todo acontecimento (como a morte de um estudante) só poderá oferecer pistas à compreensão sobre suas motivações e concretização se atores, cenários, relações de forças estruturais e conjunturais forem articuladas com as estratégias e táticas de quem, na sociedade hobbesiana do todos contra todos, trabalha para defender interesses particulares ou de grupelhos que se arvoram em donos dos bens materiais, sociais e culturais produzidos pelo conjunto da sociedade.

Se atentarmos para isso, indo além das insinuações rasteiras sobre essas temáticas, poderemos avançar rumo ao entendimento mais responsável sobre o que se passa com a complexa relação a que assistimos entre sociedade, violência e educação. O que me parece em jogo são questionamentos mais dignos: em que sociedade vivemos? Em que modelo de sociedade queremos viver? Quem somos? Quem podemos educar? Quem podemos ser?

Que, em meio a esses questionamentos, cheguemos ao entendimento de que a vida deve prevalecer, mesmo com a violência sutil ou ostensiva nos cercando por todos os lados.