A universidade que queremos

Wilson Correia

Claudinha Santanna, de São Paulo, me pergunta: “Seus textos representam uma profusão riquíssima de ideias e eu pergunto: qual é aquela que você nos apresenta sobre como agir para que a universidade que fazemos se torne mais humana?”.

Claudinha, a universidade que temos hoje não foge daquilo que Mauricio Tragtenberg afirmou sobre as instituições de ensino. Segundo ele, essas instituições implicam “a) Submissão do trabalho intelectual às leis de reprodução do capital; b) Submissão à hierarquização social e do trabalho; c) Aquisição do hábito compulsivo de consumir títulos; d) Subordinação do individual e específico ao abstrato e genérico da razão burocrática; e) Divisão do conhecimento em compartimentos estanques (em que pese a tão falada interdisciplinaridade)” (conf. SILVA, 2004).

Trata-se de uma instituição sado-masoquista: "Qualquer escola se estrutura em função de uma quantidade de saber, medido em doses, administrado homeopaticamente. Os exames sancionam uma apropriação do conhecimento, um mau desempenho ocasional, um certo retardo que prova a incapacidade do aluno em apropriar-se do saber. Em face de um saber imobilizado, como nas Tábuas da Lei, só há espaço para humildade e mortificação. Na penitência religiosa só o trabalho salva, é redentor; portanto, o trabalho pedagógico só pode ser sado-masoquista" (TRAGTENBERG, 1985, 43-44).

Fugir desse figurino exige algumas tomadas de decisão, defendidas, aliás, pelo próprio Tragtenberg, para quem, faz-se necessário: “a) Devolver a educação à sociedade; b) Desenvolver a autogestão; c) Combater todo tipo de autoritarismo e produzir uma prática pedagógica onde todos são iguais em direitos e deveres; d) Fundir o trabalho intelectual com o trabalho manual; e) Superar o dualismo professor-aluno” (conf. SILVA, 2004).

Claro que essa empreitada não se faz sem liberdade e responsabilidade, pilares da autogestão. Longe, pois, dos vícios da tal representatividade político-partidária, essa quimera que ainda vige e ilude o povo. Partido político no Brasil é sinônimo de problema: “O problema mais sério do partido..., após escalar o poder, [é o de saber] quem o tira de lá... As diferenças entre os partidos brasileiros são de rótulo. Eles se constituem nos viveiros de uma nova burocracia tecnocrática que, legitimada pelo voto popular, melhor poderá explorá-lo e dominá-lo” (TRAGTENBERG, 1981a).

A universidade, partidariamente aparelhada e emparelhada, sem autonomia nenhuma, gerida pelo capital, dada a maciça promiscuidade e o incesto institucional entre coisas estatais e coisas privadas, entre organismos do Estado e corporações, tem em seus agentes verdadeiros déspotas –e, o que é pior, déspotas nem sempre esclarecidos. É nessa condição que eles lançam mão de todo artifício repressor. “Regimes, pessoas e instituições repressivas precisam de bodes expiatórios, necessitam de vítimas para expiar os crimes dos verdugos. Assim como o nazismo tem seu judeu, como estruturas familiares rígidas necessitam do ‘louco’ da família...” (TRAGTENBERG, 1981b) todo algoz de plantão em nossas universidades precisa inventar um crucificado a cada dia.

Uma universidade realmente livre, responsável, solidária e humana pede que “À ditadura da cátedra ou do departamento” esforcemo-nos por contrapor “a participação comunitária (estudantes e professores) na instituição, com iguais direitos de influir nas decisões em todos os níveis. Isso só se torna possível quando, na sociedade global, a maioria dos assalariados tem liberdade para se auto-organizar em seus locais de trabalho ou em órgãos associativos de todo tipo; em suma, quando aqueles que não têm voz conquistam o direito de tomar a palavra” (TRAGTENBERG, 1979).

Claudinha, a tarefa é hercúlea. Temos que nos auto-organizar rumo à conquista da voz, do voto e do poder de decidir. Afinal, a universidade pública é do povo e é por esse povo que ela deve ser gerida. Fora dessa perspectiva, não vejo como podemos humanizar a universidade que estamos a fazer e a sofrer, dia e noite, por todo esse nosso Brasil.

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SILVA, A. O. da. “Maurício Tragtenberg e a Pedagogia Libertária”. Revista Espaço Acadêmico, n. 32, jan. 2004.

TRAGTENBERG, M. “São Paulo pergunta”. Folha de S. Paulo, São Paulo, 11.11.1981a.

TRAGTENBERG, M. “Ciências sociais na mira da CAPES”. Folha de S. Paulo, São Paulo, 08.06.1981b.

TRAGTENBERG, M. “O paraíso da burocracia: entrevista de Mauricio Tragtenberg a Maria Carneiro da Cunha”. Folha de S. Paulo, Folhetim, São Paulo, 21.10.1979.

TRAGTENBERG. M. “Administração, poder e ideologia”. São Paulo: Moraes, 1985.