OS CLICHÊS NECESSÁRIOS (parte 01)

OS CLICHÊS NECESSÁRIOS (PARTE O1)

Dita a regra da moderna redação que tudo aquilo que se é dito e debatido à exaustão deve ser deixado de lado, para que a linguagem se adapte aos novos tempos (vide as reformas?? Ortográficas).

Termos como: “nos dias de hoje”, “atualmente”, “em nosso país”, “diante do que foi mencionado anteriormente (ou acima)” foram abolidos do vocabulário do bom redator para chegarmos aos concisos e gramaticalmente corretos “sabe-se” (na terra que adotei como sendo minha o “se” deixa de ser oxítono para ser uma sílaba átona, e a palavra passou a ser pronunciada como se fosse paroxítona – delicioso não? Pronuncia-se segundo as instruções e comecará a se tornar um verdadeiro tanquenovense).

Em nome dos novos tempos, hoje deve-se falar diretamente a partir do argumento questionado em atividade anterior de planejamento do texto; essa reflexão nos remete a outra não menos preocupante: as entrelinhas. Todo o conhecimento humano hoje está concentrado nelas; o que está implícito no texto, além da letra que denota segurança, ansiedade ou desleixo (segundo a psicologia moderna) demonstra quanto estamos aquém do que os corretores do vestibular exigem: o domínio dos argumentos citados e sua defesa ardorosa. O que está implícito é muito mais importante, já que ele demonstra domínio do conteúdo abordado, o conhecimento adquirido nos bancos escolares (cada vez menos ocupados, já que os bancos dos refeitórios, cantinas comerciais e pátios das escolas se encontram lotados (seres estranhos visitam meu Orkut)). Engraçado que nós professores queremos que tais seres dominem o conteúdo, mas se esquece de que o aluno mediano não vivenciou a década de 60, não tem uma ideologia pré-definida, (muitos nem sabem o que significa, e nem têm curiosidade de buscar sua definição nos dicionários caso surja alguma discussão em alguma conversa – a menos que seja pra nota- já que o “pai-dos-burros” nem tem figuras), não viveu os anos de chumbo, muito menos era nascido quando os caras-pintadas saíram às ruas em uma tardia manifestação de rebeldia e como ato de repúdio popular... Nos bancos das escolas atuais, o debate citado de improviso, sobre temas que realmente interessem aos jovens, suscitam aulas cada vez mais prazerosas, entremeada de argumentos coerentes, na defesa ou discordância daquilo em que mais acreditam. (fica aqui a sugestão)

Voltando ao tema dos clichês percebe-se (paroxítono amado de minha terra adotiva!!) Que alguns deles foram ideológica, sociológica e politicamente suprimidos, em nome dos novos tempos, em que o consumismo, a apatia, o descaso, a indiferença e o domínio cultural se impõe; falar que “lugar de mulher é na cozinha, que você sai da favela mas a favela não sai de você, que lugar de padre é rezando missa, que “meus heróis morreram de overdose” que” o jovem é o futuro do Brasil” se tornou condenável aos olhos da nova sociedade onde oportunidades iguais (maldito way of life americano) são dadas a todos (perdoem o paradoxo), mas quando falam que “não tem preconceito no país”, não nos dão um parâmetro onde nos basearmos para que acreditemos nisso; o racismo cordial é tão explícito que apenas os textos publicados em publicações ditas “negras” denunciam atos diários de racismo perpetrados no nosso país.

Já nos estados unidos, onde os negros eram confinados em guetos piores que os da África, o apartheid social foi combatido desde a década de 60 por ícones como o pastor Martin Luther king... Seu discurso “i have a dream” comoveu multidões e abriu o debate acerca dos direitos civis dos negros americanos, e a abertura política a sua inclusão nas decisões nacionais culminou com a votação para Obama como presidente. Agora me diga caro leitor: o que tem sido feito pelos movimentos negros no nosso país? Contaminados pela lei do politicamente correto, nossos irmãos de cor e de nação lutam pela inclusão dos negros, porém o debate engatinha por terrenos perigosos que podem incorrer na redundância do seu discurso; discussões acerca da inclusão de negros na faculdade ou no mercado de trabalho, da cor da pele de quem é realmente negro, do cabelo “afro” genuíno ou do “vendido” ao sistema alisado (branqueamento/europeização forçada pela indústria da beleza e dos cosméticos), enveredam a discussão para certas vertentes desejadas pelos que lhe são contrárias: os donos do poder e do conhecimento, da cultura inútil que grassa pelo nosso país; sou negro, descendente de escravos (chocado leitor? Repare nas minhas feições explícitas na foto de meu perfil; tenho ascendências de todos os povos brasileiros; indígenas, negros, brancos...) E deixam de lado o verdadeiro foco da discussão: que oportunidades queremos ou exigimos das autoridades para o povo negro?

• O investimento na qualidade da educação básica para que todos possam competir em par de igualdade aos alunos de escolas particulares?

• O sucateamento dos cursos tradicionais nas universidades (ocasionado pela imensa enxurrada de novos profissionais nos mesmos cursos, jogando ao mercado de trabalho profissionais de mais e clientes de menos?)

• A criação de novas universidades e a falta de investimento em pesquisa e extensão nas já existentes (os novos elefantes brancos)?

• A inclusão de alunos em seus bancos (estigmatizados por serem bolsistas), o modismo dos cabelos, músicas, frases de pensadores negros (ah, o eterno politicamente correto), a inclusão de cotas em empresas e programas de televisão (restringindo o acesso da imensa maioria, já que não são somente os negros os excluídos, mas as mulheres, os pobres, os gordos – digo, obesos [vai que tem alguém politicamente correto lendo essas mal traçadas linhas]- homossexuais e demais “minorias”) além do inevitável mercado de trabalho?

• A quantidade prevalecendo sobre a qualidade em todo esse processo?

Precisamos sim debater à exaustão clichês mesmo que condenados pelos teóricos e pensadores, ou só cafajestes, aproveitadores e adeptos do jeitinho brasileiro, orgulhosos de verem seus nomes ostentarem os murais de suspensão das escolas (futuramente nos jornais de ocorrências policiais) serão os heróis de nossos filhos, pois mesmo que o teclado do computador teime em dizer que é cacofonia ou paradoxo insistir em bater na mesma tecla, chegamos final e inevitavelmente ao maior clichê de todos, condenado pela unanimemente pelos autores de compêndios escolares destinados a redação: “a juventude é o futuro do Brasil”. Que jovens estamos formando, informando ou deformando para esse almejado futuro que hoje (finalmente) vislumbramos no horizonte? Que profissional estamos formando, com chicletes e aparelhos na boca, fone no ouvido (para se isolar do mundo chato das reflexões escolares – não se preocupe, eles não estão ouvindo nem esse texto mais, já que pararam de ler na segunda página) baladas na mente e blusas e uniformes de suas tribos e trilhas na mochila e falta de esperança e perspectivas em um futuro próximo, só se preocupando com o “amanhã” (no sentido de depois de hoje mesmo)? Que batalhas eles anteveem? Num mundo em que se revolve na lama que (nós?) mesmos criamos, não mais nos preocupamos com que tipo de mundo deixaremos para nossos filhos, mas que tipo de filhos deixaremos para esse mundo (usemos a citação antes que vire clichê).

Adilton Gomes Silveira

05h29min

04/10/2011

Adilton
Enviado por Adilton em 04/10/2011
Reeditado em 09/03/2016
Código do texto: T3257882
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