O neoliberalismo, o REUNI e nós

Wilson Correia

A literatura sobre o neoliberalismo mostra que as ideias de Estado mínimo para os direitos sociais e de Estado máximo para os interesses do capital nasceram no Pós-II Guerra Mundial, quando capitalistas europeus e estadunidenses investiram forças brutais contra o Estado de Bem-Estar Social. Segundo essas ideias, o Estado não deveria intervir no livre curso do mercado, regido por uma racionalidade natural. Por isso, possibilitar maior participação na produção de bens materiais, sociais e culturais seria algo que colocaria em perigo a livre concorrência das sociedades liberais, essa que só viceja em meio à desigualdade econômica, cultural e social.

Inicialmente, essas ideias ficaram na gaveta. Porém, na década de 1970 elas renasceram fortalecidas e levaram Inglaterra e Estados Unidos da América do Norte ao emprego da mão truculenta do Estado para esmagar trabalhadores, sindicatos e esvaziar quaisquer investimentos estatais em saúde, segurança e educação, entre outros direitos. Desde então, a dimensão social da vida passou a ser seriamente negada. O desemprego virou dispositivo de controle do mercado de trabalho. Os sindicatos, organizações não governamentais e movimentos sociais passaram a ser cooptados ou aniquilados. Impostos para ricos foram minimizados; para os pobres, maximizados. A desigualdade como dispositivo regulador do capital surgiu vertiginosa, alastrou-se mundo afora, estende-se aos dias atuais na forma de capitalismo financeiro, parasita do setor produtivo e comercial, no qual "o estilo da acumulação é dado pelas novas formas de centralização de gigantescos capitais financeiros” (CHESNAIS, F. “A mundialização do capital”. Trad. de S. F. Foá. São Paulo: Xamã, 1996, p.14).

Esse capital financeiro esperneia por liberdade ilimitada e sobrevoa o mundo na pena do mais terrível dos abutres predadores (ver, a propósito, o documentário “Inside Job”, algo como “Trabalho Interno”, ou, mais apropriadamente, “Trabalho Promíscuo”, disponível na internet após ganhar o Oscar em 2011). O capitalismo de mercado financeiro parece até ter mudado o sentido do antagonismo interno ao capitalismo. Hoje, a luta parece não ser mais entre capitalistas e proletários, como Karl Marx e Friedrich Engels afirmaram. A luta parece ser travada entre excluídos e incluídos. O camaleônico capitalismo parece esquecido como o verdadeiro inimigo daqueles que com ele não alcançam inclusão social, material, cultural e política, sendo esse o “nó górdio” dos movimentos que lutam por direito, que contestam e resistem onde a onda financista ceifa riquezas materiais e perpetra pobreza, miséria, fome e morte.

Ideologicamente, talvez o caminho mais interessante para os movimentos de afirmação da dimensão social da vida seja o de exigir o controle dos mercados (produtivo, comercial e financeiro). Se os homens inventamos isso, então podemos colocar limites a esse capitalismo desarrazoado. De outra parte, sendo os mercados uma força entre outras existentes na sociedade, a potência do mercado não poderia se agigantar a ponto de subjugar Estados, sociedades, práticas mais justas, nem aniquilar nossa potencial liberdade antropológica e política. Mas, não! O inimigo tem a dimensão do planeta. É difuso. Como negociar com ele?

Por isso, faz o bem aqueles movimentos sociais que identificam instituições sociais gestoras de coisas públicas estatais e tentam dialogar e negociar diretamente com elas as pautas que minoram os estragos do Estado Mínimo, salvaguardando direitos sociais necessários contra a barbárie generalizada. Os estudantes chilenos, em luta para que o Estado enfrente o monstro, e, em menor grau, os estudantes da UFRB, cravando a pauta da qualidade contra a opressão da quantidade, dão exemplos de como os movimentos atuais, descrentes das representações político-partidárias viciadas, podem alcançar conquistas de relevo social.

Esses exemplos podem ser algo pequeno, mas demonstram que melhor do que ser representado é representar-se a si próprio. Sobretudo diante das instituições atualmente cooptadas pelo econômico e politicamente esvaziadas de responsabilidade social. Para nós, da UFRB, “filhos” do REUNI, esse arremedo de expansão do ensino superior brasileiro, isso não é pouco. O REUNI aguarda injeção qualitativa à altura do dispêndio de energia coletiva para produzir riquezas. Espera ações contundentes contra a privatização do social pelos muitos egos que se locupletam em meio a essa nova onda financista do capital. Por isso, não é o momento, creio, de descrer das iniciativas dos movimentos sociais. Ao contrário! O momento histórico por que passamos é grave demais para deixarmos nossos direitos ao fácil alcance do capital, do Estado mínimo e dos glutões que não se importam em aniquilar a vida para manterem cheias as próprias barrigas.