Despreparados

Wilson Correia

Estudantes chegam a mim, professor, e lamentam indignados:

– Professor, estamos sendo injuriados (recebendo ofensas verbais contra nossa dignidade e nosso decoro, segundo o Código Penal Brasileiro, artigo 140) e xingados de verdadeiros “despreparados” em face dos nossos movimentos na universidade.

– O que um professor pode dizer a esses estudantes?, indaguei aos meus neurônios.

Após esse autoquestionamento, veio-me à memória um livro que foi importantíssimo durante o meu mestrado, na Universidade Federal de Uberlândia, intitulado “O valor de educar”, de autoria do filósofo espanhol Fernando Savater, traduzido para o português por Mônica Stahel e publicado, em 1998, pela Editora Martins Fontes, de São Paulo.

Nesse livro o autor diz: “nascemos humanos, mas isso não basta: temos também de chegar a sê-lo”. Nenhum humano nasce pronto, como o filho do equino, que vem à vida pulando. Humanos não nascem já sendo o que são. Os humanos necessitamos de um segundo nascimento (depois do biológico, o socioeducativo), sem o qual não chegamos a ser plenamente humanos. O nascimento humano é sempre prematuro, prematuridade na qual permanece até a morte. Sempre “imaturos, tateantes e falíveis, mas sempre, em certo sentido, juvenis, quer dizer, abertos a novos saberes” (SAVATER, F. “O valor de educar”. Trad. M. Stahel. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 32).

Os fatos de o humano nascer antes da hora e morrer imaturo mostram que ninguém neste mundo está preparado para qualquer coisa. Quem pode dizer que estava “preparado” para nascer, quando sequer sabia respirar e só o fez por conta do tapa na bunda? Quem estava “preparado” para o primeiro dia de aula? Para o primeiro beijo? Para o vestibular? Para casar? Ter filho?

Quem pode dizer que estava “preparado” para esses fatos da vida? Em sã consciência, todos sabem que só para uma coisa estamos realmente preparados: para a morte –exatamente porque para esse acontecimento existencial estar preparado é não ter preparo algum. Minha mãe dizia que “Para morrer basta estar vivo”.

Desse modo, essas coisas evidenciam que as pessoas se preparam para nascer nascendo, preparam-se para estudar estudando, para beijar beijando, para ingressar na universidade ingressando, para casar casando, para ter filho vivendo a paternidade ou a maternidade.

O trágico de tudo isso é o fato de, depois de ter nascido, por exemplo, pelo menos do ponto de vista biológico, não haver uma outra oportunidade, um segundo nascimento no qual possamos empregar nossa preparação para nascer uma segunda vez. A vida é esse mistério do “ato seco”, sem ensaio, e que, nem sempre, permite o “replay”, a repetição do acontecimento vivido.

De modo que, estar “despreparado” é a condição existencial básica da vida. E é bom que assim seja. Estar preparado, normalmente, é estar maduro. E quem está maduro sabe: o próximo passo é cair para, depois, apodrecer.

Vale, pois, o ditado popular que resume tudo isso: “Aprende-se a nadar nadando”. É na tentativa, no erro e no acerto, que nós nos fazemos aquilo que podemos ser, incluindo ser acadêmico, de um movimento ou o que o valha.

Que não sejamos números, nem “mais um, uma”, mas humanos que deixamos na história a nossa marca singular, nadando para aprender a nadar.