Lula no SUS?

Wilson Correia

A doença é a ocorrência possível que sinaliza a fragilidade humana. Ser acometido por uma doença é a última coisa que poderia nos ocorrer, segundo os nossos desejos.

Ficar doente é uma possibilidade que aponta, também, para a nossa condição humana comum: somos, todos, existentes finitos, que, um dia, pereceremos em definitivo.

A doença e a morte talvez sejam os acontecimentos aos quais estamos mais sujeitos e mais propícios a que nossa humanidade pessoal seja profundamente reconhecida na humanidade alheia.

Na saúde é que vivemos nossas diferenças mais salientes. E, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em sua Carta Magna de 7 de abril de 1948, “Saúde é o estado do mais completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de enfermidade”.

Na doença nós deparamos com nossas desigualdades. Como nossa sociedade divide as pessoas em de primeira, segunda, terceira... classe, também há um tipo de saúde para um desses segmentos.

Agora que o ex-presidente Lula passa pelo tratamento de uma doença complicada, ele viu por bem recorrer ao que há de melhor (medicina de ponta) para receber os cuidados médicos.

Na internet, sobretudo nas redes sociais, há manifestações em um número considerável para que ele vá se tratar no Sistema Único de Saúde, o nosso velho e surrado SUS, destino de todo cidadão brasileiro que não tem como pagar os custos da tal medicina de ponta.

Se considerarmos, com o Senador Cristovam Buarque, que lugar de “filho estudante de político é na escola pública”, ideia sustentada em um projeto que já colheu carradas de apoio Brasil afora, então o clamor do internauta não é de todo descabido.

O raciocínio por detrás do protesto contra Lula, à primeira vista indelicado e até grosseiro para com o ex-presidente, é o de que as condições de acesso à saúde deveriam ser universalmente iguais, em um sistema altamente qualificado para cuidar da saúde de todos, posto que é o suor e o sangue de todos que mantêm esse direito social.

Nada tenho contra o Lula. Aliás, em determinados momentos da minha vida, trabalhei muito para ele ser eleito. Estou entre aqueles que, independentes, sempre viram na proposta política de Lula algo melhor em comparação ao que a velha elite brasileira sempre teve a oferecer ao Brasil. Até na Dilma eu votei por conta desse meu entendimento.

Sou contra, sim, a tese, forjada nas sociedades de mercado, que sustenta que cuidados em saúde podem ser tratados como coisas venais, como sou contra a ideia de que educação é mercadoria.

Por isso, a par de desejar saúde a Lula, já que, agora, nossas humanidades se reconhecem, registro que não sou contra o fato de ele ‘ter’ para poder contar com o que há de melhor na medicina. Mas sou veemente contra o fato de o povo não poder desfrutar o mesmo direito que agora ele desfruta.

Vale lembrar que, segundo recente relatório do Tribunal de Contas da União, no ano passado, o SUS não conseguiu atender a 60 (sessenta) mil pacientes necessitados de radioterapia. Nessa linha, outros 80 (oitenta) mil pacientes não tiveram seus tumores extraídos quando recorreram aos serviços do sistema -isso só para ficar no caso do câncer. Justou ou injusto?

Justiça social: como essa expressão tem o poder de jogar em nossa cara o quão desiguais nos tornamos. E isso, segundo a OMS, é doença. Merece combate contínuo –se é que apostamos na luta por uma outra sociedade, mais humana, solidária e fundada na dimensão coletiva da existência.