“Esses moços”


     Há vários aspectos negativos no envelhecimento, mas pelo menos um é positivo. O tempo dá-nos oportunidade de aprender, especialmente quando nos dispomos a pesquisar, estudar. Os muito jovens, quando alcançam um grau de conhecimento em uma dada área, cometem, muitas vezes, o equívoco de pensar que sabem tudo e saem falando bobagem.      
     Há algum tempo, assisti a uma palestra cujo palestrante era, além de um jovem de quase 30 anos, um brilhante economista. Embora mostrasse excelente conhecimento em economia, mostrou-se um perfeito equivocado no que diz respeito a educação. O garoto afirmou que a Carta Magna Brasileira está equivocada quando associa o ensino à pesquisa. Afirmou categoricamente que pesquisa é algo “totalmente dissociado de ensino” e justificou que ele mesmo teve excelentes professores que não eram pesquisadores e que teve professores que eram excelentes pesquisadores, mas que não sabiam dar aulas.           
     Estou de pleno acordo com ele. As universidades estão cheias de profissionais assim e quem teve a felicidade de chegar lá sabe disso. O que o moço não sabe é que o substantivo pesquisa e o verbo pesquisar têm diversas acepções e entre elas podemos encontrar algumas das quais o ensino não se pode dissociar e que se localiza, sem muito esforço, no Dicionário Aurélio XXI: “Pesquisa: Investigação e estudo, minudentes e sistemáticos, com o fim de descobrir ou estabelecer fatos ou princípios relativos a um campo qualquer do conhecimento....Pesquisar: Buscar com diligência; inquirir, perquirir; investigar. Informar-se a respeito de; indagar, esquadrinhar, devassar.”.
     Sem o entendimento claro desses significados não poderá haver ensino e muito menos aprendizagem. O ato de ensinar-aprender pressupõe pesquisa. Foi estarrecedor assistir àquelas afirmações. Mas o pior estava por vir. Mais adiante, tentando dizer que se faz necessário melhorar a formação dos professores, afirmou categoricamente que aprender os ensinamentos de Piaget, Vygotski, Valon e Paulo Freire é perda de tempo e tolice. Também falou muito mal de Marx, contudo eu tiro o chapéu para o jovem, pois não sou economista e nada sei para discutir a perspectiva marxista na economia. Calei-me e esperei que ele voltasse para o que ele fora fazer, que era falar sobre a “Educação e o futuro do Brasil”. Quanto às afirmações feitas contra os teóricos da educação eu reagi e criei, lamentavelmente, um clima desagradabilíssimo no auditório.
     Ressalto que ele apresentou números importantíssimos. Usando dados da Unesco/2005, mostrou que o Brasil estava, à época, na frente apenas da China e da Índia no que dizia respeito ao percentual de matrículas no ensino superior. Mostrou que a Correia do Sul estava em primeiro lugar, com 90%, e a Finlândia está em 2º, ganhando dos países desenvolvidos, como os EUA, a Alemanha, a França, a Inglaterra. Mas o mais importante que ele mostrou foi que a população brasileira tem em média 6 anos de estudo, enquanto que os argentinos têm em média 10 anos de estudo, e que cada ano de estudo representa de 7% a 9% do crescimento econômico dos países, além de aumentar consideravelmente a renda das famílias. Outro fato importante marcado pelo jovem palestrante é que, em países como Canadá e EUA, em torno de 80% das matrículas no ensino superior estão nos cursos de graduação tecnológica, de curta duração. Ressaltou que esses são os cursos que poderão tirar o Brasil do estado caótico em que se encontra. Frisou que o ensino básico brasileiro precisa fazer com que o povo saiba ler e interpretar o que lê, quando mostrou que o Brasil, entre 40 países analisados, está em 37º lugar na avaliação de leitura, pois 74% dos brasileiros não entendem o que lêem (INAF, 2005). Segundo dados da Unesco/2005, 32% das crianças repetem a 1ª série, contra 9% no México, 10% na Argentina e 4% na Índia. Buscou provar, com dados, que o ensino superior não prosperará se não houver significativa melhoria no ensino básico.
     Concordo com ele e levanto a bandeira, colocando-me à disposição de quem quiser formar grupos de trabalho para modificar a realidade brasileira, inclusive mostrando que não será abandonando os ensinamentos de pensadores como Piaget, Vygotiski, Valon e Paulo Freire que vamos melhorar a situação da educação básica brasileira, mas tomando esses ensinamentos para que, numa metodologia de ensino-aprendizagem que leve em conta a realidade de cada região e numa perspectiva pragmática, possamos, além de ensinar, educar o povo brasileiro; lembrando que os teóricos, quando analisaram e teorizaram sobre o processo de construção de conhecimento, tiveram, como bons cientistas que foram, a preocupação de dar subsídios para fundamentar o processo educacional, corroborando com quem quiser encontrar solução para problemas de ensino-aprendizagem. Eles não têm culpa se as escolas de formação de professores se limitam a teorizar a cerca de seus trabalhos sem a devida aplicação das teorias.
     Pergunto às instituições de ensino que formam professores: seus cursos oferecem laboratórios de ensino-aprendizagem? Ou os alunos vão tentar, sozinhos e desprotegidos, aplicar em salas de aula longínquas, sob a supervisão de um professor que sequer conhece o estagiário, as teorias desses mesmos pensadores? Onde está a falha? Nos pensadores ou nos cursos de formação de professores? Essas questões são dirigidas também ao ilustre economista que, se ler este meu desabafo vai entender, pois é muito inteligente e capaz.

Artigo publicado na Revista Brasília em Dia de 06.10.2007
Sena Siqueira
Enviado por Sena Siqueira em 07/11/2011
Código do texto: T3322428
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