Gabriela é minha heroína


“Eu vejo na TV o que eles falam sobre o jovem, não é sério.”
(Charlie Brown Jr.)


Há algum tempo o apresentador de um reality show chamou os participantes de seu programa de “herois”. São alguns, dos vários outros que são idolatrados diante dos nossos olhos, com o poder de sedução da telinha e o beneplácito da Vênus Platinada: rapazes, no vigor da sua juventude, que se esmurram em um cercado, até respingarem o chão de sangue; compositores de músicas de gosto duvidoso, muitas delas depreciando a mulher; jovens atletas de cabelos exóticos e futuros incertos, como aquele goleiro que está agora defendendo o time do presídio; pilotos de corrida que se submetem a serem escudeiros de outros, em suas escuderias (desculpem o trocadilho), todos eles invejados, admirados, elevados ao pináculo da glória.

Não vou me deter no passado, citando quem eram os herois do “meu tempo”. Nosso tempo é agora. Minha experiência como educador em um pré-vestibular social, iniciada há dois anos, tem sido um aprendizado tão bom para meus alunos quanto para mim. Lá, eu tenho conhecido alguns dos verdadeiros jovens herois e heroínas do Brasil. Gabriela (nome fictício), minha ex-aluna, é uma delas. Mulher, negra, de origem humilde, telefonou para mim, no começo do ano, para saber em qual dos quatro cursos em que passou, através do vestibular, deveria se matricular.

Gabriela é baiana e bem poderia ser uma personagem de Jorge Amado. Não aquelas do ciclo cacaueiro, mas da sua fase de profunda crítica social soteropolitana. Na aula de Literatura Brasileira ela sempre me surpreendia. Foi a única a ler todos os livros indicados pela UFBA e UNEB. Antes que eu apresentasse determinada obra, ela já vinha com perguntas sobre cenas e personagens que eu nem lembrava. Eu levava sua dúvida para casa e respondia na semana seguinte, como fazemos todos nós, professores, quando não temos uma resposta imediata.

Depois, soube que ela estudou todas as matérias com igual afinco, inclusive aquelas da área de Exatas, apesar de estar interessada na área de Humanas. Gabriela superou as deficiências do ensino público de baixa qualidade e as dificuldades da sua condição social; as limitações que a nossa sociedade “falocêntrica” impõe às pessoas de sexo feminino e às pessoas “de cor”.

Assim como ela, chegam ao meu conhecimento, habitualmente, as histórias de muitos outros jovens que superaram inúmeras barreiras para atingir os seus objetivos, transformando a sua realidade pessoal e a de suas famílias. Esses, para mim, são os verdadeiros herois de nosso país. Afastados das drogas e dos apelos pelas facilidades de sucessos efêmeros ou ilegais, eles constroem os seus próprios destinos, superando-se.

É por jovens assim que eu sinto o maior prazer em lecionar. Se ler é a grande viagem (e estudar, por extensão), dispensadas estão todas as drogas: o crack, a maconha, a cocaína. Nós precisamos é de heroínas (e de herois), como Gabriela, que nos sirvam de modelos - estes, sim - a serem imitados. Fashion, mesmo, é o Saber.

Agora, ela iniciará o curso de Direito. Alguém tem dúvida que será uma ótima advogada?