Do pathos ao ethos: a alteridade

Wilson Correia

Quando entrei no mundo da filosofia, foi como se eu estivesse adentrando o campo da racionalidade árida, seca e cruel; no reino daquela crueldade rossetiana implicada nas “asperidades do real” (ROSSET, 2002); naquele universo da disposição sabatiana que afirma: “Desejo ser seco e não enfeitar nada” (SÁBATO, 1981).

E eu me perguntei: “Como serão as relações humanas, essas que informam os processos de alteridade, em um campo árido, em um reino cruel, em um universo seco e desprovido de enfeites?”. Mas essa não pode ser vista como uma indagação perplexa de iniciante na academia filosófica: ela me acompanhou da graduação ao doutoramento, tem estado comigo no percurso formativo que fiz, tenho feito e que se estende da condição discente à experiência docente.

Hoje, com aquela pergunta ainda em minha sala de visita, volto à vivência do espanto, da admiração e da perplexidade em face das manhas e artimanhas da alteridade:

a) como é desafiadora a tarefa de saborear o langoniano “’dia-pathos’”, essa “’comoção’ que está na origem da atitude filosófica” e que é a substância da “’solidariedade’” ou o “saber-se ‘um só’ com todos os outros”? (LANGÓIN, 2003);

b) como é crucial a empreitada de degustar o também langoniano “’dia-ethos’”, que é “o desenvolvimento da consciência do ‘ethos’ em comum”, o “’ethos’ mínimo comum” que evoca o sentimento de “pertença” humana? (LANGÓIN, 2003).

Crucial e desafiador esse trabalho de “saber-ser-comum” pela via do sentir, pensar, julgar, decidir e agir com base em princípios e valores que nos façam enveredar rumo ao planeta da “boa vida”, fundada na “vida boa” humanamente conquistada e compartilhada.

Aí, nessa missão quase impossível, a comunicação se configura como o gargalo dos gargalos: as pessoas preferem “ouvir sobre os outros” a “ouvir os outros”; preterem o “olho-no-olho” e o “ouvido à voz alheia” em nome da estima pelo “ouvi dizer de” ou “ouvi dizer que fulano é...”.

Assim, preferindo o mais baixo dos conhecimentos possíveis desde os gregos, uma vez que isso não passa de “dóxa” (opinião), se “A” tem algum incômodo com “B”, ele prefere ir tratar do assunto com “Z”. Isso é racional? É nutritivo? É educativo? Areja o caminho da alteridade?

Infelizmente, não. Pior: faz minha pergunta lá do início ser respondida pela via niilista do “é impossível” –o que só faz reafirmar, cada vez mais, que todo esse “anti-dia-pathos”, todo esse “anti-dia-ethos” nada mais sejam do que o empoderamento daquilo que em nós, humanos, é aridez, secura e crueldade inglórias e vãs.

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Referências

LANGÓN, Mauricio. ‘Filosofia do ensino de filosofia’. In: GALLO, Sílvio; CORNELLI, Gabriele & DANELON, Márcio (Orgs.). “Filosofia do ensino de filosofia”. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 90-100.

ROSSET, Clément. “O princípio de crueldade”. 2. ed. rev. Trad. J. T. Brum. Rio de Janeiro: Rocco, 2002.

SABATO, Ernesto. "Abaddón, o exterminador". Trad. J. Cristaldo. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1981.