Morrer de estudar, literalmente

Wilson Correia*

Li hoje o seguinte: “Carlos Camacho Espíndula, 25 anos, residente em Francisco Beltrão, no Sudoeste do Paraná, entrou em convulsão e evoluiu para óbito após 12 horas intensivas de leitura de obras científicas da área de Direito, para a finalização de seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC)” (Jornal de Beltrão, 11/03/12, p. 38).

Que caso obscuro! Faltou "orientação" (rumo ao Oriente) ou norteamento (rumo ao Norte) ao orientando e ao orientador. Des-orientaram-se! Des-nortearam-se! (A matéria dá conta de altas exigências do orientador ao orientando).

Não canso de repetir que momentos prolongados de estudo, intensivões, não levam a lugar nenhum: após cinquenta minutos de estudo, o cérebro não mais processa informações.

Por isso, a cada cinquenta minutos, é preciso parar, respirar, dar uma volta ‘et coetera’ e tal. Se o estudante age de maneira planejada, sabendo que um pouco todos os dias vale mais que o muito em dia só, então ele pode equilibrar vida de estudos e vida social, de lazer, afeto e o que mais for necessário.

Normalmente, o estudante tem, no mínimo, um ano para planejar e executar o TCC, de modo a deixá-lo pronto para a avaliação. Mas, não! Como não somos previdentes e planejados, o afogadilho da última hora pode, sim, nos fazer surtar e nos colapsar de vez, como PARECE ser o caso da notícia que li hoje (o rapaz da notícia faleceu um dia antes da data prevista para a entrega do TCC, segundo a notícia, já questionada como uma farsa).

Em todo caso, tenho para mim que educação não é tudo: é somente um caminho por meio do qual cada pessoa pode elaborar o próprio estilo existencial. Claro!... conforme valores que julga correto seguir vida afora. Simplesmente isso!

Paralelo à educação, há outros caminhos que podemos palmilhar para fazer o que queremos de nós mesmos. Se educação não é tudo, TCC não é processo de tortura, nem de morte.

TCC é apenas o percurso de iniciação à pesquisa, que, na universidade, deve complementar outros dois: o do ensino e o da extensão -isso para quem elegeu a educação como caminho para fazer-se por conta própria e em uma comunidade na qual seus membros fizeram a mesma escolha.

Além disso, como a relação orientando-orientador é uma relação humana e social igual a qualquer outra, mediada pela finalidade comum entre orientador e orientando que é a elaboração de um trabalho acadêmico, quando o aluno se viu "maltratado" pelo docente, ele teria que ter mudado de orientador.

Porém, parece que ele (estudante) também tinha dificuldades com a auto-orientação. Exemplo: se estudava até 16h/dia, com relata a família na matéria, e não conseguia cumprir a contento as necessidades estudantis próprias (note a lástima de texto que ele ostenta, apresentado na matéria, com problemas graves de redação, digitação e formatação), isso demonstra pontos fracos, os quais, se sua escolha era a de elaborar o TCC, esses pontos fracos poderiam e deveriam ser combatidos mediante pedido de ajuda a quem entende desse assunto (ao psicopedagogo, por exemplo).

Adianta querer ser "Dôtô Adevogado" não por escolha própria, manter-se em um curso para o qual não se tem aptidão, paixão e tesão, mas apenas para atender, sei lá, a uma exigência externa (família ou sociedade)? Compensa lutar para adquirir um ‘status’ cujo custo é alto demais e pede aquilo que não se pode dar?

Por essas coisas, esse caso não deve motivar hostilidade contra professores e estudantes. O "efe-se" só é legítimo contra aquilo que não faz parte de nossas escolhas, de nosso projeto de vida, daquilo que não acrescenta e nem nos faz ser mais.

Ainda: esse caso não deve servir de exemplo para justificar a degradação da relação pedagógica, em particular da interação orientador-orientando, sobretudo quando esses papéis fazem parte do projeto de vida de ambos.

Se há compromissos livremente assumidos entre professor e aluno, esses acordos devem ser cumpridos, em nome do respeito próprio e do respeito ao outro.

Mas, como disse, isso tem a ver com escolha. E escolha tem realiza a liberdade, esse valor maior sem o qual ninguém pode se realizar como pessoa, gente, humano.

Quando fazemos o que nos dá tesão em termos de estudo, então temos mais chances de construir, e bem, as bases daquilo que nos faz mais plenos e felizes -ainda que, na maioria das vezes, o olho alheio não queira ver.

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*Wilson Correia é autor de "TCC não é um bicho-de-sete-cabeças". Rio de Janeiro: Ciência Moderna, 2009.

Para quem quiser ler a matéria, o link com a notícia e o questionamento dela é: http://www.e-farsas.com/excesso-de-leitura-leva-a-obito-estudante-no-parana-sera.html.