Dilema moral

“Imagine que a única maneira de salvar dois milhões de pessoas de uma morte certa era cozer um bebê vivo.

Porquê? Porque um terrorista psicopata ameaçava explodir uma bomba muito potente numa grande cidade, a menos que fizéssemos tal ato em público no prazo máximo de duas horas. Imagine também que, segundo as informações da polícia, esse terrorista costumava sempre cumprir a sua palavra e que era tão hábil que não existia qualquer esperança de o capturar. Imagine, portanto, que não há uma terceira alternativa.

O que seria correto fazer nessas circunstâncias: deixar que dois milhões de pessoas morressem ou cozer vivo um bebê? Porque?”

A situação aqui descrita inspira-se numa ideia da filósofa Elizabeth Anscombe (RACHELS, James, Elementos de Filosofia MoralLisboa: Gradiva, 2004, p. 174).

"1 – Esse é um típico dilema moral.

2 – Dilemas morais são situações-limites imaginadas pelo ser humano.

3 – Situações-limites configuradas em dilemas se prestam a ser apenas um dispositivo metodológico.

4 – Em verdade, nossa vida costumeira, do cotidiano, não é decidida com base em situações-limites, excepcionais e exóticas (fora de ótica).

6 – Isso, normalmente, tem colocado em xeque o emprego de dilemas morais no trabalho do pensamento. Porém, ele, na condição de um método de pensamento, não vai além disto: ser um recurso ao clareamento de nossos valores ético-morais.

7 – No caso, no dilema acima exposto, não devemos optar por nenhuma das alternativas (decisão à qual quem formulou o dilema quer nos induzir): não devemos deixar dois milhões de pessoas irem a óbito, como não devemos usar a morte de um inocente para que isso não aconteça.

8 – Justificativa: as coisas humanas não são “fatos feitos”, prontos e acabados, como uma pedra, por exemplo. A pedra é intocável em seu estatuto ôntico e existencial: não muda. O humano pode mudar em fração de segundos. Isso tem de ser considerado porque, dependendo da decisão, o tempo decisório do senso ético humano pode revelar errônea nossa decisão.

9 – Imagine que você acabou de matar a criança, exatamente no instante em que o psicopata (condição que não nos oferece nenhuma segurança decisória) voltou atrás?

10 – A prudência ética pede para contar até dez: ou seja, decidir com base segura. Essa condição, no caso, não se faz presente: pelo simples fato de ser um doente (psicopata) a estar nos pedindo isso, todo o dilema está “contaminado”. Ou nossa vida é decidida por injunções de psicopatas?

11 – No caso, não se trata de matar o bebê ou deixar dois milhões de pessoas morrerem, mas, sim, de usar os recursos humanos para se deter o psicopata, lembrando que, como foi dito, coisas humanas não são exatas e podem mudar a qualquer instante.

12 – O dilema distorce nossa “visão” da coisa: o verdadeiro dilema é o fato, trágico, de termos um psicopata entre nós, e não a possibilidade de alguém sair prejudicado pelas suas exigências.

Outros aspectos poderiam ser analisados, mas, creio que, do meu ponto de vista, essas ponderações nos ajudam a pensar sobre o problema" (Wilson Correia).