Ler por prazer: sempre?

Wilson Correia

Há um mantra que é (como de praxe no uso de mantras) a repetição exaustiva de uma ideia em nosso meio educacional que é a seguinte: a leitura precisa dar prazer. Será mesmo?

Ler é um ato complexo e ninguém nega os problemas que o debate sobre ele implica. As famílias não desenvolvem o hábito de adquirir, conservar e ensinar o apego ao livro e a outros tipos de texto. Raros professores são vistos com livros nas mãos ou em suas bolsas. Alunos dizem de peito estufado que não gostam de ler. Quando o fazem, preferem ler por entretenimento, distração, deleite, prazer. Por isso preferem gibis e assemelhados.

Normalmente, quando se diz que a leitura tem de ser prazerosa, o que se ignora ou rechaça é a ideia e a proposição da leitura como trabalho, por necessidade ou para atender a uma finalidade utilitária.

Estamos mais ou menos acordados que, em nosso Ocidente letrado, ler é uma prática social de importante significado para a formação humana, cidadã, social e profissional. Entretanto, isso é teoria. Pesquisas estão demonstrando que, na prática, a teoria sobre a leitura é outra.

Dados de uma pesquisa do Instituto Pró-Livro, de 2007 (que durou quinze dias e entrevistou 5.012 “leitores” e “leitoras”), mostram que o brasileiro lê, em média, 1,3 livro por ano (não incluídos materiais didáticos e pedagógicos, os quais, quando considerados, elevam essa média para 4,7 livros por ano). Os não-leitores são adultos e estão na faixa etária que vai dos 30 anos aos 69 anos de idade.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, os brasileiros gastaram mais com alimentação (30%); habitação (16,09%) e transporte (16,5%), o que soma 62,43% da renda pessoal. Sobram escassos 37,56% para educação (3,16%), vestuário (8,07%), artigos de residência (5,14%), saúde e cuidados pessoais (9,13%), comunicação (4,91%) e despesas pessoais (7,15%).

Notemos que os livros se encaixam em despesas pessoais, que somam 10,31% dos gastos. Talvez, aí, esteja uma das chaves para entendermos a razão pela qual não existem livros na casa do brasileiro, ninguém anda com o livro na mão e se propaga como fogo no rastilho de pólvora a ideia de que ler tem de dar prazer.

Entre todos os incentivos para que a criança e o adolescente adquiram o hábito da leitura, o econômico pesa muito. Se continuarmos a repetir acriticamente o mantra de que a leitura tem de ser prazerosa, então estaremos agravando essa situação.

Por que? Porque, de modo geral, lemos por diversão e por necessidade. O primeiro tipo de leitura, normalmente decidida com base no gosto pessoal, é o que está aí para divertir, distrair e dar prazer. A segunda modalidade de leitura, feita por necessidade e para alcançar um objetivo ligado à utilidade, é uma prática social que requer concentração, dispêndio de energia, dedicação, aplicação cognitiva e muito, muito trabalho.

Na ânsia de atrair para a leitura pela via do “agradar”, estamos condenando gerações inteiras à exclusão da cultura letrada ocidental. Estamos aceitando como natural a existência de pessoas que não sabem ler (analfabetos funcionais); de pessoas que não enxergam o sentido pessoal e o significado social da prática da leitura.

E, assim, o ciclo do emburrecimento e do embrutecimento se fecha: quem não lê bem encontra maior dificuldade para se expressar, sobretudo nos meios da educação formal; depara com maiores empecilhos para escrever; perde em qualidade relacional com os semelhantes, com a sociedade e com o mundo.

Em outras palavras, isso é condenar as pessoas à menoridade. Até quando, para falar em termos kantianos, vamos aceitar esse crime contra a emancipação humana, essa que depende da autonomia cognitiva, do pensar por conta própria, do julgar por si mesmo para que cada um possa bem encaminhar-se na vida, em meio à cidadania e no mundo do trabalho e que tanto depende do saber ler, trabalhadamente falando?

Fontes:

<http://www.folhetimonline.com.br/2011/03/28/informativo-por-que-o-brasileiro-le-pouco/>;<http://www.nead.uncnet.br/2009/revistas/letras/2/3.pdf>.