Greve nas IFES de 2012: fatos e razões

Wilson Correia

Professores e professoras críticos e independentes de mais de 50 Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) brasileiras, de norte a sul de nosso país, reconhecendo que sem educação altamente qualificada não se pode falar em um projeto republicano de nação, encontram-se em greve há mais de 20 dias. Lutamos, entre outras coisas:

1. Em defesa da universidade pública, republicana, socialmente referenciada, autônoma, autodeterminada, sem mensalidades, de qualidade humana e social, livre de interferências político-partidárias, sindicais ou de quaisquer outras agremiações que digladiam apenas por cargos individuais e pelo poder;

2. Em defesa de uma carreira docente digna, que concretize condições de atuação profissional respeitadoras da nobreza do magistério da educação terciária, visando a fazer frente às necessidades docentes para que esses profissionais possam oferecer instrumentos eficazes às urgências de autodeterminação de que brasileiros e brasileiras são merecedores;

3. Em favor da indissociação entre ensino, pesquisa e extensão preconizada em nossa Constituição Federal, e contra as diretrizes de flexibilização política, administrativa, pedagógica e curricular as quais, em nome de uma hipotética interdisciplinaridade, fragmentam o percurso formativo em nível universitário e o desvincula, ainda mais, da educação básica nacional;

4. Em favor de uma política de Estado para a democratização, acesso ao e permanência no ensino universitário e que garanta aos estudantes o direito de fazerem o seus percursos formativos livres das vicissitudes e adversidades provenientes do setor econômico e que redundam em injustiça social, exclusão e condenação à menoridade humana, cultural, científica, filosófica, profissional e cidadã de nossa população;

5. Em favor da autonomia universitária, liberta das injunções econômicas, políticas, sindicais e ideológicas que, nos últimos anos, estão lançado a universidade brasileira em flagrante heteronomia, a serviço do capital e do mercado, o que aniquila a condição de instituição social que deveria desfrutar e a transforma em uma universidade operacional prestadora de serviços ao mercado e ao capital;

6. Contra o uso da educação para a locupletação grupal, sindical, político-partidária ou de qualquer outra natureza, o que desvirtua pela raiz o sentido político da educação superior por transformá-la em mera estratégia de luta pelo poder político partidário e propicia a agentes inescrupulosos em cargos decisórios o exercício de práticas persecutórias diuturnas contra profissionais da educação nos níveis pessoal, profissional, político e ideológico em nossas universidades;

7 Em favor de uma mundividência universitária que se baseie nos rigores da filosofia e da ciência e contra a massificação de suposições meramente hipotéticas forjadoras de consensos indiferentes aos procedimentos investigativos, comprobatórios e de validação requeridos pela ciência e pela filosofia;

8. Contra os usos ideológicos indiscriminados de expressões carentes de respaldo científico e filosófico, tais como “sociedade do conhecimento”, “sustentabilidade”, “aquecimento global”, “fator CO2”, “capitalismo verde” e tantas outras hipóteses carentes de comprovação, mas que, a despeito disso, são transformadas em verdades nos discursos dos vestais do neoliberalismo, da mundialização econômica e de gestores educacionais;

9 Contra o ativismo acadêmico e de metas meramente estatísticas, que ensejam o emprego dos imperativos do capitalismo de mercado financeiro hodierno, os quais podem ser ilustrados pelos termos “atratividade”, “cidadania”, “competência”, “competitividade”, “eficácia”, “eficiência”, “empreendedorismo”, “fator de impacto”, “flexibilidade”, “habilidades”, “mercado”, “mobilidade”, “resultados” e seus sinônimos, transformados em dispositivos de gestão e administração, tanto quanto educativos e de formação, e que se voltam para o controle e disciplinamento de nossas comunidades acadêmicas, as quais o capital quer a seu serviço, desreferenciadas do sentido humano e social e formativo;

10 Em favor da destinação de 10% do Produto Interno Brasileiro para a educação, os quais, sendo recursos produzidos pela sociedade ativa, ao povo deve retornar também na forma de oferta de educação, de tal modo qualificada que possa ser vista à altura de nossas necessidades pessoais, profissionais, sociais e nacionais de maneira autônoma, autodeterminada e soberana.

É por essas bandeiras e por tudo o que elas implicam que estamos em greve. Se a nação brasileira estivesse a par da gravidade dessas causas, imediatamente ela se juntaria aos professores, visando a fazer com que o Brasil deixe de ser o país do transplante cultural, da submissão ao europeísmo ou à cosmovisão estadunidense, concepções de europeus e estadunidenses que deveriam ser tratadas em pé de igualdade por brasileiros e brasileiras de todos os rincões de nosso país.

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P.S.1: Exoneração obscura em meio à greve

Não havia nem terminado esse escrito aí acima quando me chegou a notícia, no início da noite de ontem, assinada por Jeovana Nunes Ribeiro, Assistente Social - CRESS 8634 6ª Região, e vazada nos seguintes termos:

“Atenção colegas professores - URGENTE!!! Na UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora, Minas Gerais) ontem: ALGUNS coordenadores de cursos de graduação e pós-graduação foram exonerados sumariamente, inclusive sem serem comunicados antecipadamente. Pergunto: Reitoria da UFJF, a que se deve essa ação autoritária e absurda? Como explicar que alguns coordenadores (apenas alguns, atentem a esse fato!) eleitos pela comunidade acadêmica e legitimados por seus cursos, foram exonerados, na surdina, no meio de uma greve docente forte? Toda força e solidariedade aos colegas da UFJF. Queremos respostas! Exigimos explicações e a recondução dos professores aos seus cargos!”

E a notícia continua:

O Diário Oficial acaba de publicar a dispensa de dezenas de coordenadores de curso da UFJF, como pode ser conferidas mediante acesso aos links: http://www.in.gov.br/imprensa/visualiza/index.jsp?jornal=2&pagina=32&data=06%2F06%2F2012. Imprensa Nacional - Visualização dos Jornais Oficiais: www.in.gov.br.

E indaga:

“Qual a explicação da administração superior da UFJF e dos diretores de unidade para esta ação?”

P.S.2: Relato de Experiência

“Uma carta à academia: o frustrante papel do docente/pesquisador na Universidade Federal

Caro leitor, gostaria de esclarecer primeiramente que o texto a seguir trata, sobretudo, de impressões acumuladas ao longo de dez anos junto ao meio acadêmico da Universidade pública brasileira. Esclareço, que, de fato, desses dez anos, apenas um refere-se à minha atuação como servidor junto a uma Universidade Federal. No entanto, antes que o leitor julgue precipitadas minhas observações e conclusões, peço que ao menos leia o texto até o fim, e então, absorva-o sem o pré-conceito da experiência pertencente a quem vos escreve.

Pois bem, a título de situá-lo dentro do meu atual contexto: sou formado Bacharel em Ciências Biológicas, com mestrado e doutorado em Biologia Vegetal, ou seja, sou Botânico. Quando decidi que seguiria a carreira acadêmica dentro da Biologia (provavelmente no segundo semestre da graduação), me imaginava como muitas pessoas talvez imaginem os botânicos: desbravando matas, debruçados sobre bancadas de laboratório, realizando experimentos em estufas repletas de plantas (algumas delas carnívoras), enfim, as memórias que geralmente suscitam a imagem do profissional botânico. Ao iniciar o mestrado, obviamente essa imagem de futuro se esvaiu (ao menos a imagem romântica das matas, laboratórios e estufas), já que percebi que fazer parte da academia requeria, na maioria das vezes, um papel muito mais sedentário do que aventureiro. Por essa época, minha visão de futuro (ainda romântica) era: dividida entre atividades de docência e pesquisa, onde haveria matas, laboratórios, estufas, e claro as plantas! Durante o doutorado percebi que boa parte do meu tempo deveria ser gasto com papéis! Isso mesmo, papéis. Não me refiro a papers, afinal esses são uma parte boa da academia (estressante às vezes, no que diz respeito a Fator de Impacto e outras questões nem sempre bem resolvidas, mas isso não vem ao caso agora). Refiro-me a todos os papéis que precisam ser feitos, assinados, carimbados, protocolados e enviados para se obter recursos para projetos, bolsas para alunos, solicitações à universidade, permissões de coleta, e por aí vai. Quando fiz meu primeiro concurso para professor adjunto em Universidade Federal, logo vi quantos papéis são necessários e como o sistema parece travar em tantos momentos. Mas, afinal “todos os documentos são necessários” (tenho lá minhas dúvidas no que se refere à necessidade ou formalismo estúpido). Mais uma vez, minha visão romântica de um futuro acadêmico cai por terra, e me deparo com o edital, onde diz: 1 – São atribuições do Professor da Carreira do Magistério Superior: 1.1 – Atividades pertinentes à pesquisa, ensino e extensão que, indissociáveis, visem à aprendizagem, à produção do conhecimento, à ampliação e transmissão do saber e da cultura; 1.2 – Atividades inerentes ao exercício de direção, assessoramento, chefia, coordenação e assistência na própria instituição, além de outras previstas na legislação vigente. Eu confesso que fui muito ingênuo em pensar que essa parte 1.2. não comporia um espaço grande em meus sonhos de futuro acadêmico. Agora, eu me imaginava da seguinte forma: sentado em frente à minha mesa, trabalhando em meu gabinete, quem sabe com uma janela e uma vista para um jardim com muitas plantas, muitos papéis e obrigações sobre a mesa, aulas, pesquisa, extensão, alguns assuntos administrativos, saídas para as matas, idas ao laboratório e estufa. Haveria alunos para orientar, artigos para publicar, projetos para escrever e enviar, e certa burocracia para apimentar a rotina acadêmica.

Provavelmente, caro leitor, você já deve estar se perguntando o quão ingênuo e romântico eu fui. Eu sei. E agora, gostaria de convidá-lo para fazer o seguinte exercício: Tente retornar ao início de sua carreira e lembrar-se de suas expectativas, planos e sonhos. Caso ainda não tenha começado de fato sua carreira, imagine como ela será daqui para frente. Agora se imagine como professor recém-contratado em uma Universidade Federal de reconhecido prestígio. Agora se imagine nessa mesma universidade, sem gabinete, sem laboratório, sem mesmo uma mesa ou cadeira, quem dirá computador. O espaço onde você trabalha (ou tenta trabalhar) se restringe a um pequeno laboratório praticamente abandonado que se transformou em sala compartilhada por cinco professores, um técnico e todos os alunos que frequentam o espaço. Eu sei, eu sei, você pode dizer que há lugares piores, que quando você começou não era muito diferente, que com esforço e anos de luta (isto é, papéis, reuniões, papéis, reuniões e mais papéis) a situação pode ser melhorada. No entanto, tente fazer esse exercício, sem quaisquer pré-conceitos ou críticas. Olhe para os lados (se estiver no trabalho) e se pergunte honestamente: 1) Recebemos da instituição as condições básicas para realização do nosso trabalho? 2) As salas de aula são dignamente equipadas (em número e qualidade) para ministrar boas aulas? 3) Temos as condições básicas e necessárias (perceba que não disse condições ótimas, afinal sempre soube que “o ótimo” dependia muito mais do meu esforço como profissional) para fazer nossas pesquisas? 4) Somos capacitados para fazer e publicar ciência básica de alta qualidade (seja honesto)? 5) Você tem a sensação de que há papel, discussão e tempo perdido em demasia? Caso todas suas respostas sejam positivas, com exceção da última, certamente sua realidade é uma exceção! Uma pergunta básica: você é mesmo professor em Universidade Federal?

A essa altura, caro leitor, você deve se perguntar quem é o condenado ou insano que escreveu o presente texto, ou você está tão ou mais indignado do que o redator (afinal, eu sei que há universidades federais onde as condições são ainda piores do que a minha; não me iludo). Pode estar se perguntando por que eu não estou fazendo algo mais produtivo, ou mesmo me pré-julgando como jovem e inexperiente cheio de sonhos e deslumbres. Minhas críticas são ao sistema, mas não pense que não me incluo na posição de criticado também! Afinal, de fato, eu poderia parar de reclamar e escrever outros projetos (além dos quais já tenho) para conseguir dinheiro suficiente para custear os projetos que já estão em andamento (Por que será que ciência básica no Brasil tende a ser ignorada ou mal financiada? Essa questão é delicada, mas, sem querer polemizar ainda mais, não tocarei nela.). Escrevo, caro leitor, pois precisava expor em palavras tudo isso, todo meu sentimento em relação a um sistema que parece oco. Isso mesmo, assim como as paredes do prédio onde trabalho, tenho a sensação de que tudo isso pode e vai desmoronar a qualquer momento. Não vou discutir aqui todas as questões relacionadas aos problemas envoltos no ensino superior das universidades federais brasileiras, até porque há muito mais gente capacitada para fazê-lo. A presente carta, pode sim parecer uma carta bastante egoísta, e sem sombra de dúvidas deve ser, pois é baseada em observações pessoais e de terceiros de um único ponto de vista. Mas também é uma carta romântica, que visa resgatar um sentimento perdido ou que ainda existe no âmago de todo jovem e futuro acadêmico interessado em tornar-se professor e pesquisador em uma Universidade Federal. Sei que pouco adianta, mas se não o fizer agora, corro o risco de amanhã me acomodar ao absurdo, que já se tornou comum e tão habitual em nosso meio acadêmico, guardando todas essas sensações em uma gaveta empoeirada junto com tantos outros sonhos.

E quando olho para o futuro, o que enxergo? Enxergo alguém que não reconheço: habituado ao descaso, frustrado com o sistema, ocupado com a burocracia e repleto de intransigência para com o novo e sonhador. O que isso significa? A morte de um botânico, de um acadêmico, que para realizar seu grande sonho precisou mergulhar fundo no mar e buscar as pérolas, deixando para trás a mata rica e verdejante encravada no alto da colina.

Mário R. Sozzay

Rio de Janeiro, 05 de junho de 2012”

Fonte: http://www.recantodasletras.com.br/artigos/3707904. Acesso em: 08/06/2012.