Lumafismo: a fotometáfora

Wilson Correia

Diz o dicionário que “metáfora” consiste no emprego de uma palavra em sentido figurado, em que seu sentido original é substituído por outro, aplicável por comparação subentendida (Dicionário Priberam).

Pois bem! No meu modo de ler o quadro de Magritte, aquele em que ele desenha um cachimbo e escreve na mesma moldura “Isto não é um cachimbo”, fazendo os elementos lingüísticos conflitarem com os signos visuais, entendo que esse conceito de “metáfora” também está ali subjacente.

Trata-se de um simples quadro a retratar a complexidade de uma problemática que motivou Foucault a escrever o livro intitulado pela frase de Magritte e traduzido para o português por Jorge Coli para publicação pela editora Paz e Terra, em 2008.

Lendo essa importante contribuição de Foucault para os estudos da arte, notamos que ele tece um pensar sobre as relações entre similitude e representação, texto e desenho, signo verbal e signo visual, entre outras, mas com muitos supostos e subentendidos sendo extraídos e explorados dessa impressionante obra imagética do artista belga.

Em linha correlata, essas duas obras nos ajudam a entender o dito popular que afirma: “Uma imagem vale mais que mil palavras”, ainda que essa imagem não traga impressa nenhuma palavra e ainda que mil palavras nem sempre consigam dar conta do sentido dessa imagem. Estamos no campo complexo das metáforas entrecruzadas.

Então!... Agora que uma foto junta no mesmo quadro um Lula vermelho, um Haddad visivelmente constrangido e um Maluf que procede à imposição de mãos ao “neófito” prefeitável em meio ao jogo político paulistano, essas problemáticas voltam à baila.

Vi um articulista condenar Erundina, que abandou a candidatura a vice de Haddad ao ver tal aliança protagonizada por Lula e Maluf, dizendo que ela foi egoísta e se revoltou contra uma imagem. Será mesmo que foi só pela imagem?

Claro que a imagem, em si, não diz nada. O problema são as mil palavras e, mais que isso, a metáfora em que ela se constitui. Aqui, referir-se à imagem é tocar nesse conteúdo imagético-discursivo que envolve antropologia, política, economia, ideologia e ética, entre outras temáticas. Logo, uma imagem rende mil problemas.

Todo o enredo histórico que envolve os fotografados é rico demais e se prestam a uma análise que daria, digamos assim, dezenas de livros. Porém, fiquemos na sequência imediatamente próxima a essa já famigerada fotografia.

Não é um ex-presidente e o que de simbólico isso implica que recebem Maluf. Ao contrário: é um ex-presidente e sua simbologia que vai até o homem hoje listado pela Interpol como um dos grandes homens públicos mais corruptos do mundo.

Não é o ex-presidente que acolhe, institucionalmente, um partido político e com ele faz aliança. Longe disso: é o ex-presidente que vai ao domínio privado de um político que flertou, casou e não desgruda de um tipo repugnante de coronelismo partidário, tão ao gosto de senescentes caciques partidários brasileiros.

Não é o ex-presidente, tido acima de partidos, políticos, práticas e dos metiês político-partidários brasileiros, quem recebe outro político e a sigla à qual pertence, mas, sim, o ex-presidente e sua sigla que se jogam no colo de um sujeito formado nas hostes da ditadura que comandou nosso país de 1964 a 1985.

Além de apenas essas associações, que novo pode ser um candidato que é conduzido por um ancião a outro senescente, feito um fantoche prestidigitado por um e abençoado por outro?

Para não me estender... Como um cachimbo desenhado não é um cachimbo, uma foto não é uma simples imagem a reproduzir uma realidade nua: ela comporta mais conteúdos que a nossa vã ignorância cidadã pode abarcar. Para entendê-la é preciso fazer história –exato esse saber que, em nenhum de seus momento em nosso Brasil, autorizaria aquele clic.