Trovoada Sinestésica

Diante da discussão deste tópico, é importante ressaltar que interatividade nada tem a ver com invasão de privacidade ou algo do gênero, como pensa parte do senso comum. Interatividade relaciona-se com os verbos participar, dialogar, firmar conceitos a partir de outras concepções e, baseadas nas ideias elencadas, criar novos valores, que, de uma forma ou de outra, permitirão aos educandos construir as bases da própria criticidade.

Aliás, como afirma o pesquisador André Lemos, “interatividade é a relação dialógica entre o homem e a técnica”, o que, em outras palavras, quer dizer que não ocorre apenas pela Internet. A Internet é apenas um meio para que haja a tal interação - nome que se dá à troca de conhecimento, de ideias e experiências. É inegável que pela NET um simples mortal pode desenvolver um ponto de vista e compartilhá-lo com outros milhares de internautas em questão de segundos, podendo, inclusive, esta interação culminar numa transação recíproca e cordial de ideias ou num bate-boca rasteiro. Como definiu Marcos Silva no artigo “O que é interatividade”, de 1998, “interatividade é a troca constante de turno pelo emissor, de modo que ele integre um grupo maior, cujo princípio esteja fundamentado no duelo de argumentos e na defesa de um ponto de vista”.

Para um professor, as ferramentas tecnológicas são como leques, pois permitem o acesso a diversos conhecimentos distintos num simples clique. É como se a introdução das novas tecnologias tivesse derrubado as últimas barreiras do mundo real, dando a impressão de que ele é do tamanho de uma aldeia, quando, na verdade, essa aldeia não tem fronteiras e se torna ilimitável a cada novo clique. Um exemplo disso é o trabalho que esse missivista vem desenvolvendo nas aulas de Redação com alunos do Ensino Médio. O recurso escolhido para o trabalho foi o Facebook, o maior site de relacionamento da atualidade. Semanalmente, um vídeo é postado na página principal deste professor, que o compartilha com todos os alunos do 2º ano. Após assisti-lo, cada estudante tem de expressar o sentimento que o mesmo lhe despertara. Para isso, o professor escolhe cuidadosamente cada produção, objetivando despertar nos educandos uma trovoada sinestésica.

Na primeira semana, o vídeo postado foi “Só dois minutos”1. De origem francesa, o vídeo é uma propaganda institucional que mostra o que dois minutos podem fazer na vida de uma pessoa. No filme, um casal adentra ao estacionamento de um supermercado e estaciona o veículo numa vaga reservada a deficientes e passa a discutir se aquilo é certo ou errado. Frases do tipo “… pô, o deficiente que usa essa vaga deve dirigir um caminhão, veja o tamanho do espaço, por isso não há vagas pra nós… Que culpa temos se somos normais (sic)?” provocaram a ira de parte da sala, que escreveu “que cretino esse cara”, “imbecil”. Quase que ao mesmo tempo, um deficiente entra no estacionamento e se dirige à sua vaga. Como está ocupada, anda em círculos à procura de outro lugar. O casal, já dentro do supermercado, mantém o diálogo quente com frases bombásticas enquanto o deficiente permanece em sua busca inglória.

Por fim, alguns minutos depois ele consegue uma vaga do outro lado do estacionamento; todavia, como contraste ao comentário do casal, a vaga é menor e o rapaz tem dificuldades para se mover e se retirar do carro. Com muita dificuldade, consegue sair e segue pela via principal, numa cadeira de rodas. Enquanto imprime força contra as rodas, o condutor de um veículo (uma Picape), impossibilitado de vê-lo pelo retrovisor – sentado, o rapaz tinha a estatura de uma criança de cinco anos – afasta-se em alta velocidade, acertando-o. O cadeirante morre na hora. Neste instante, o telespectador visualiza o casal se retirando, afirmando que “o que são dois minutos? Ninguém se feriu, ninguém morreu durante esse tempo...”, sem perceber o que fizeram e o quanto dois minutos são importantes à vida de um ser humano, ao ponto de poder mudá-la para sempre.

A partir do primeiro estímulo, os alunos tiveram um choque e foram conduzidos à reflexão. Há que se registrar que o vídeo fora assistido fora da escola, no lugar que o aluno quisesse; todavia, o fechamento do trabalho ocorrera em sala de aula, num debate acalorado, quando algumas verdades perderam a própria máscara. Acredita que há alunos que não sabiam que as tais vagas eram destinadas a deficientes? Outros não tinham a dimensão do quanto elas eram importantes. Nesta interação em vias de confissão, houve até quem revelasse que os próprios pais desrespeitam a lei e estacionam nestas vagas... E não é só, houve até quem presenciou a briga dos pais com estas vítimas, tudo porque eles queriam usar uma vaga que não lhes é assegurada pela legislação.

Confrontada em seu testemunho, a garota que relatou a briga dos pais com um cadeirante confessou que à época os apoiou, pois pensou ser o certo; após assistir ao vídeo, sentiu-se envergonhada. Neste momento, além da interação, houve o que se chama de APRENDIZADO, ou seja, aquilo que se espera de uma aula.

Independentemente do instrumento, o que garante a interatividade juvenil é a forma como o trabalho é elaborado e qual objetivo pretende se alcançar. No caso do vídeo, a discussão era parte da proposta, porque naquele momento, eles poderiam expressar os pensamentos livres de qualquer amarra social; naquele espaço, primeiro o virtual (Facebook), o cerceamento inexistia. Já na sala de aula, após ouvirem uns aos outros e trocarem experiências – algumas surpreendentes –, partiram para a atividade dissertativa, quando tiveram de redigir sobre o tema “Nesta sociedade marcada pelo egocentrismo, ainda há espaço para a solidariedade e para o respeito com o próximo”?

“Tem professor, desde que o homem aprenda a ser Homem...” respondeu um dos alunos, numa interação direta, carregada de indignação. Talvez ele tenha razão!

REFERÊNCIA :

Fonte1: GIROUX, Yan. Só dois minutos, NET, França. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=2hXszgD5n_0. Acesso em: 21 maio. 2012.