Deslizamentos de Sentidos

Walter Ap. Gonçalves1

wgoncalves67@gmail.com

Resumo: Pretendemos neste ensaio de leitura da composição da letra musical Roela do Eno, de autoria de Jovelino Lopes e Teodoro, composta no ano de 2006 e interpretada pela dupla sertaneja Teodoro e Sampaio, buscamos compreender o funcionamento dos sentidos e da posição sujeito conforme a teoria da Analise do Discurso e nos princípios que norteiam os teóricos aqui mencionados. Partimos de que o enunciado é suscetível de tornar-se outro, diferente de si mesmo, deslocando-se discursivamente de seu sentido para derivar para outro, desde que não haja oposição explícita de interpretação própria ao logicamente estável. Como a composição da letra musical, Roela do Eno produz sentidos? Para tanto iremos nos deter no refrão da composição da música referida.

Palavra - chave: Sintagmático, Paradigmático, Sujeito, Memória, Análise de Discurso

Abstract: We intend this essay to read the letter of the composition of the Eno Roela musical, written by Jovelino Lopes and Teodoro, composed in 2006 and interpreted by the double hinterland and Teodoro Sampaio, we seek to understand the functioning of the senses and subject position as Analysis of Discourse theory and principles that guide the theorists mentioned here. We start from the statement is likely to become another, other than yourself, moving discourse to derive its meaning to another, provided there is no explicit interpretation as opposed to logically stable. As the composition of musical lyrics, Eno produces Roela the senses? To do so we will stop the chorus of music composition that.

Key - words: Syntagmatic, Paradigmatic, Subject, Memory, Discourse analysis

Para melhor entendimento iremos fazer referencia a que Ferdinand Saussure, em seu Curso de Linguística Geral define o signo. Para ele o signo é a união do sentido e da imagem acústica, o que ele chama de sentido é a mesma coisa que conceito ou ideia, isto é, a representação mental de um objeto ou da realidade social em que nos situamos, essa representação esta condicionada pelo entendimento sociocultural que nos permeiam desde os nossos primeiros dizeres. Em outras palavras, para Saussure, conceito é sinônimo de

1 Acadêmico do 4º Semestre do Curso de Letras da Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT. Trabalho acadêmico apresentado a Professor Ms. Divino Alex Rocha de Deus como prática de componente curricular da disciplina da disciplina de Linguistica-II, ofertado pelo referida professor no Curso de Letras da UNEMAT.

significado plano das ideias, algo como o lado espiritual da palavra, sua contraparte aberta, em oposição ao significante plano da expressão, que é sua componente sensível, e por outro lado, a imagem acústica “não é o som material, coisa puramente física, mas a impressão psíquica desse som”. Melhor dizendo, a imagem acústica é o significante. Para isso, entendemos que o signo linguístico é uma instituição psíquica de duas expressões, semelhante a uma moeda. (Saussure, 2006, p. 80).

No enunciado Quem esta com a Roela do Eno iremos nos apoiar no caráter linear do significante que se constitui de uma por uma sequência de sons, e sendo de natureza acústica (auditiva), desenvolve-se no tempo, em oposição à escrita desenvolve-se espacialmente.

Do mesmo modo, tem o caráter linear por desenvolver-se no tempo e sua extensão medida em segmento linear: um som após o outro, de acordo com cada cultura. Entende-se por isso que, os elementos dos enunciados são distintos, desiguais entre si. Ao falarmos, emitimos um fonema de cada vez, linearmente, ou seja, em linha - por isso, diz-se caráter linear do significante. Quem esta com a Roela do Eno? , observemos aqui a preposição (do), nos remete ao que Saussure discutiu em (CLG, 2006):

Q/U/E/M/ E/S/T/A /A/ /R/O/E/L/A/ /D/O/ E/N/O/

Este princípio é evidente, mas parece que sempre se negligencio enuncia-lo, sem duvida porque foi considerado demasiadamente simples; todavia, ele é fundamental e suas consequências são incalculáveis; sua importância é igual à da primeira lei. Todo mecanismo da língua depende dele(...)os significantes acústicos dispõem apenas da linha do tempo; seus elementos se apresentam um após outro; formam uma cadeia. Esse caráter aparece imediatamente quando os representamos pela escrita e substituímos a sucessão do tempo pela linha espacial dos signos gráficos. (CLG, p.84)

QUEM ESTA COM A ROELA DOENO

Os grupos formados por associações mental não se limitam à aproximar os termos que apresentam algo em comum; o espírito capta a natureza das relações que as unem em cada caso e cria com isso tantas séries associativas quantas relações diversas existente. Assim, enseignement, enseigner, enseignons, etc. (ensino, ensinar, ensinemos), há uns elementos comuns a todos os termos, o radical, toda via a palavra enseignement, ou ensino, se pode achar implicada numa s´serie baseada em outros elementos comuns; o sufixo (enseignement, armenet, changement, etc; ensinamento, armamento, desfiguramento, etc.) a associação pode ser fundar apenas na analogia dos significados (ensino, intenção, aprendizagem e educação etc), ou pelo contrario, na simples comunidade da imagem acústica. (CLG, p.145)

O teórico compara as duas naturezas e as relações das unidades linguísticas como uma viga que sustenta uma determinada parte de um edifício ou casa por exemplo. Ele nos deu elementos analógicos para promover a abrangência de como estas analogias ocorrem num

determinado momento de fala ou como podemos perceber na música Roela do Eno em especial no refrão “Quem esta com a Roela do Eno”.

Ao referir-se a coluna ou viga, Saussure nos faz pensar em dois eixos; um vertical e outro horizontal, onde o primeiro eixo representa as relações associativas, ou paradigmáticas, e o segundo, as relações sintagmáticas. Quando afirma que esse arranjo das duas unidades que estão igualmente inseridas no espaço faz-nos pensar na relação sintagmática, Saussure mostra a natureza das relações no eixo sintagmático, uma vez que nos faz pensar que, para que ocorram tais relações, se faz necessária à intervenção de um eixo sobre o outro; o eixo sintagmático acontece, se realiza, em função linear do tempo e com base no eixo paradigmático que o sustém.

Por último, com a afirmativa de que se a coluna é de ordem dórica2, ela evoca a comparação mental com outras ordens (jônica, coríntia, etc.), o mestre revela o caráter associativo das relações paradigmáticas (...) no eixo associativo as unidades linguísticas são organizadas mnemonicamente a partir de um ou mais elementos comuns. Essas associações se verificam no nível de signo, significado e significante. Já no eixo sintagmático as unidades linguísticas se relacionam de forma opositiva após terem sido escolhidas do eixo das associações e mantêm umas com as outras, um compromisso integral com a semântica textual. (CLG, p.147-147). Segundo Orlandi, (p. 80) o circunstanciado sofre um deslizamento a partir da imagem acústica conforme ensina Saussure em (CLG2006, p. 15-23). Vejamos o que referência Orlandi:

O efeito metafórico, o deslize – próprio da ordem do simbólico – é lugar de interpretação, da ideologia, da historicidade. Essa é a relação entre a língua e o discurso: a língua é pensada “como sistema sintático intrinsicamente passível de jogo e a discursividade como inscrição de efeitos linguísticos materiais na historia”, como diz M. Pêcheux (1980). Efeitos materiais na historia, deslizes, paráfrases, metáfora. Eis um conjunto de noções que sustentam a possibilidade da analise (...) essa duplicidade faz referir um discurso outro para que ele faça sentido. ORLANDI, (p. 80).

No enunciado percebe-se que (Eno) é um colecionador de Roelas3 prateadas, e que acaba perdendo uma delas em um baile de forró. O autor jogando com os sentidos do sujeito pergunta; quem esta com a Roela do Eno? Vemos que o sentido da palavra “Roela” direciona-se ao substantivo masculino “anus” e o sujeito aqui denominado Eno, ao verbo indireto no

2 Rubrica: linguística. Referente à ou o grupo de dialetos do grego antigo, falados em todo o Sul e Leste do Peloponeso, na Acarnânia, em Creta e na Dórida, e tb. no Sudeste da atual Turquia, no Dodecaneso e em Rodes.

3 Substantivo feminino: plaqueta circular ou quadrada provida de um furo central, que serve de base à porca para distribuir a pressão resultante do aperto do parafuso em maior área de contato; nina. Etimologia: a- + ruela, do fr.ant. rüelle 'rodela', do lat.tar. Rotella, dim. de ròta, ae 'roda’.

infinitivo que passa a ser doendo. Ao se pensarmos na frase quem está com a Roela do Eno, buscaremos compreender, pela a Análise do Discurso como essa música, enquanto objeto produz sentido.

O sentido de uma palavra, expressão, proposição não existe em si mesmo, só pode ser constituído em referência às condições de produção de um determinado enunciado, uma vez que muda de acordo com a formação ideológica de quem o reproduz, bem como de quem o interpreta. O sentido nunca é dado, ele não existe como produto acabado, resultado de uma possível transparência da língua, mas está sempre em curso, é movente e se produz dentro de uma determinação histórico-social, daí a necessidade de se falar em efeitos de sentido.

Análise de Discurso visa fazer compreender como os objetos simbólicos produzem sentidos. Analisando assim os próprios gestos de interpretação, considera-se como atos no domínio simbólico, pois ele intervém no real do sentido, trabalha seus limites, seus mecanismos, como parte dos processos de significação. Neste enunciado, podemos observar que a memória discursiva se manifesta, não há veracidade escondida atrás do texto, há gestos de interpretação que o compõem.

A memoria por sua vez, tem suas características, quando pensada em relação ao discurso. E, nessa perspectiva ela é tratada como interdiscurso. Este é definido como aquilo que falantes, em outro lugar, independentemente. Ou seja, é o que chamamos memória discursiva: o saber discursivo que torna possível todo dizer e que retorna sob a forma do pré- construído, o já dito que esta na base do dizível, sustentando cada tomada da palavra. O interdiscurso disponibiliza dizeres que afetam como o sujeito significa em uma situação discursiva dada. Orlandi (p.31)

Deve-se acrescentar ainda que, as condições de produção, que instituem os discursos, funcionam em combinação com certos fatores, entre eles os sentidos. Nos discursos, sempre poderemos observar, que um sempre estará indicando o outo. E que deve haver uma base de apoio entre eles, todos esses mecanismos de funcionamento do discurso repousam no que chamamos formações imaginárias. Assim não são os sujeitos físicos nem os seus lugares empíricos como tal, isto é, como estão inscritos, na sociedade, e que poderiam ser sociologicamente descritos, que funcionam no discurso, mas suas imagens que resultam de projeções. São projeções que permitem passar das situações empíricas – os lugares dos sujeitos - para posições dos sujeitos no discurso.

Conclusão

Concluímos que diante dos estudos realizados e as discussões realizadas podemos observa-se que todo funcionamento da linguagem se ajusta na articulação em meio a processos parafrásticos e polissêmicos. Ou seja, em todo falar sempre há algo que sustenta, isto é, o falável, a memória. Diferentes formulações do mesmo articulado sedimentado. E no que se refere a polissemia existe um deslocamento, uma ruptura do processo de significação, existe então um jogo com o duvidoso, essas forças estão trabalhando continuamente o dizer, a maneira que o discurso se arranja na tensão em meio ao que é igual e ao que é diferente com podemos ver no enunciado “ Quem esta com a Roela do Eno” . Assim sendo a língua é sujeita a equívoco e a ideologia é um ritual com falhas Se o real da língua não fosse sujeito a falha e o real da historia não fosse passível de ruptura, não haveria transformação, nem movimento dos sujeitos e dos sentidos. Nem os sujeitos, nem os sentidos, logo, nem o discurso, já estão prontos e acabados, eles estão sempre se fazendo, há um movimento constante do simbólico e da história. Há uma tensão constante de paráfrase e polissemia. Os sentidos e os sujeitos sempre podem ser outros. Dependem de como são afetados pela língua e de como se inscrevem na história4.

4 <Arlete Deretti Fernandes, ESTUDO DO CAPÍTULO II DO LIVRO “ANÁLISE DE DISCURSO”, DE ENI P. ORLANDI. Disponível em: https://sites.google.com/site/raizonline/analisediscurso> Acesso: em 16 de junho de 2012.

REFERÊNCIAS BILBIOGRÁFICAS

HOUAISS, Antônio. Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Ed. Objetiva, 2009.

ORLANDI, Eni Pucinelli, Análise de discurso: princípios e procedimentos, Campinas, SP: Pontes, 2000.

PÊCHEUX. M. (1975). Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do Óbvio. Tradução de Eni P. Orlandi [et al.]. Campinas: Editora da UNICAMP, 1995. 317 p._____. (1982). Sur la (dé) construction des theories linguistiques.

SAUSSURE, Ferdinand. Curso de Linguística Geral. São Paulo: Cultrix, 2006.

Anexo

Roela do Eno

Composição: Jovelino Lopes e Teodoro

Ano: 2006

O Eno é meu amigo e companheiro O Eno é um cara especial Coleciona Roelas prateadas Tem uma coleção sensacional Uma noite o Eno foi no forró Dançou demais e acabou perdendo Uma Roela que pra ele vale ouro Tá procurando, tá chorando, tá sofrendo

Quem tá com a Roela do Eno Quem tá com a Roela do Eno Quem tá com a Roela do Eno Não adianta disfarçar Nem ficar escondendo Quem tá com a Roela do Eno Quem tá com a Roela do Eno Quem tá com a Roela do Eno Não adianta esconder Que eu vou ficar sabendo

Subi no palco e falei o acontecido Ninguém deu bola, ninguém quis me ajudar Mas quem tava com a Roela do Eno Dava pra ver quando ia dançar Procurei no forró a noite inteira Saí de lá tava quase amanhecendo O meu amigo vai dar uma recompensa Vamos pegar quem tá com a Roela do Eno

Na confusão então chamaram a polícia Que já chegou descendo o pau e batendo Eu só sei que apanhou Até quem não tava com a Roela do Eno Mas no tumulto eu estava de olho Saiu um cara que até hoje tá correndo E a polícia tá na cola, tá achando Que esse sujeito tá com a Roela do Eno

Walter Aparecido Gonçalves
Enviado por Walter Aparecido Gonçalves em 12/07/2012
Código do texto: T3773243
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