A recusa da recusa

Wilson Correia

O “complexo do colonizado” campeia o Brasil. Ele não se limita a realizar “transplantes culturais” ou a “reproduções teóricas” de origens européias ou estadunidenses. Programáticas e pragmáticas políticas, econômicas, ideológicas e educacionais forâneas quase sempre são acolhidas, acriticamente, como a salvação de nossa lavoura tupiniquim. E essa nossa greve nas universidades federais, já contando mais de dois meses, torna-se caso típico e ilustrativo dessa nossa “tendência” e “mania”, largamente rechaçada pelos professores federais. E aí está um dos muitos dados positivos desse movimento, conduzido majoritariamente por docentes, discentes e técnico-administrativos.

Sim, esses três corpos de nossas instituições de ensino recusam a recusa do governo federal em priorizar a educação, o salário e a carreira docente em nível superior. Não aceitam que a educação seja relegada a lugar de somenos, como querem o capital internacional e seus tentáculos institucionais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, entre outros. De quebra, resistem às diretrizes do Processo de Bolonha e da Universidade Nova, fazendo a defesa determinada da autonomia universitária e da educação superior de qualidade.

Para relembrar, essa greve surgiu com reivindicações relativas a três aspectos básicos da educação superior: reajuste salarial, plano de carreira e melhora das condições infraestruturais de ensino, pesquisa e extensão. A “proposta” que o governo federal apresentou em 13 de julho de 2012 não atende satisfatoriamente às necessidades ligadas a nenhum desses tópicos.

Sobre a qualidade da infraestrutura das universidades federais, imprescindível ao bom desenvolvimento do magistério superior, o documento do governo sequer faz menção.

No que diz respeito a salário, a proposta se demonstrou um engodo. Por ela, apenas dois níveis da atual carreira docente seriam beneficiados e apenas ao final do ano de 2015: professores adjuntos 4, com 1% (um por cento) de ganho real, e os professores titulares, com aproximados 5% (cinco por cento) de aumento daqui a quatro anos. Os demais níveis teriam perdas salariais.

No que respeita ao plano de carreira, as proposições de que todos acessem a carreira começando pelo nível mais baixo (auxiliares) e de que o topo dessa carreira seja reservada a apenas 20% (vinte por cento) dos docentes causaram estranheza e repulsa pelo fato de estilhaçarem direitos da categoria historicamente conquistados. Também pesou, aí, a falta de critérios claros e precisos para a mobilidade e desenvolvimento no magistério superior.

Quando os professores, desde 2010, pedem aumento real de salário, carreira docente estruturada em 13 níveis, com variação remuneratória de uma para outra de 5% (cinco por cento), além de medidas que salvaguardem a qualidade do ensino, da pesquisa e da extensão universitária, o governo veio a público com arremedos conceituais de uma proposta que, segundo o sindicato nacional dos professores federais (Andes), “reforçam a hierarquização verticalizada, a lógica do produtivismo medidos pelo atendimento de metas de curto prazo e da competição predatória, as quais têm sido veementemente rejeitadas pela categoria”.

Por conta de todas essas coisas, que sinalizam para o fato de que a educação, no Brasil, não está sendo vista como prioridade, os docentes rejeitaram a proposta do governo. Rejeitaram a rejeição do governo em não valorizar, como se deve, a educação superior. Como afirma Márcia Aparecida Jacomini, professora da Unifesp "todos decidiram pela continuidade da greve e pela rejeição da proposta". E ela arremata: "Nós gostaríamos que essa fosse a última greve que nós precisamos fazer pelo plano de carreira."

Desta vez, o tal “complexo de colonizado" não pegou entre professores, estudantes e servidores das universidades federais. E não seria hora de toda a nação brasileira se unir a nós, em defesa de nossa soberania e autodeterminação nacional?