O PT libelê

Wilson Correia

“Se Hitler invadisse o inferno, eu faria um pacto com o demônio” (Winston Churchill). Essa pérola da “realpolitik” parece ter tomado conta das cabeças petistas quando, há dez anos, elas escreveram a famigerada “Carta aos brasileiros”, vinda à luz sob a assinatura de Lula e que José Dirceu foi correndo, e talvez sorridente, entregar aos mandatários estadunidenses. Sim! Era dia 22 de julho de 2002 quando essa guinada à direita colheu o Partido dos Trabalhadores e o viabilizou como real candidato a exercer o poder executivo em nosso país. Note a ironia: uma carta aos brasileiros sendo levada, em primeira mão, aos Estados Unidos da América do Norte (1).

À parte todo o contorcionismo ideológico para provar que “o país mudou” desde então, a verdade é que a tal carta não fez outra coisa senão pacificar os ânimos capitalistas do exterior, receosos com a proposta política do PT. Mais: aquela carta significou a adesão petista aos imperativos neoliberais, os quais, desde então, vem seguindo, à risca, uma vez que essa é a contrapartida a ser dada pela sigla encastelada no poder. Aqueles ideais de democratização do Estado, enfrentamento da sociedade de mercado, humanização do modo de produção capitalista e efetivação de políticas públicas voltadas para a justiça social foram todos sepultados nas linhas e nas entrelinhas daquela missiva.

Conhecemos, e bem, o receituário neoliberal, consagrado no famoso Consenso de Washington, o qual pode ser compreendido mediante a lembrança de apenas quatro de suas regras: abertura da economia por meio da liberalização financeira e comercial e da eliminação de barreiras aos investimentos estrangeiros; ampliação das privatizações; redução de subsídios e gastos sociais por parte dos governos; desregulamentação do mercado de trabalho, para permitir novas formas de contratação que reduzam os custos das empresas. Não foi essa cartilha que o PT no poder, “libelê” até a alma, levou à prática, e continua a defender, ferrenhamente, ao custo do emagrecimento criminoso de direitos sociais como segurança, saúde e educação?

Não fosse isso, o que justifica o Estado brasileiro a serviço do setor financeiro, gastando a quase metade de nosso Produto Interno Bruto (PIB) para remunerar a dívida fictícia e para bancar os barões da especulação do mercado financeiro mundial? Não fosse isso, o que pode justificar os polpudos incentivos oferecidos pelo Estado brasileiro a setores como dos aeroportos, agronegócios, automotivos, de energia, ferrovias, portos e rodovias, dentre outros? O que justifica o investimento, pelo Estado brasileiro, de quase nada do PIB em segurança, saúde e educação?

A tão celebrada “bolsificação da sociedade”, empreendida pelo PT (nenhuma delas como política de Estado), nada mais é do que “custo do sistema”. Com ela, matam-se muitos coelhos com um só cartão, à medida que ele compra votos, mitiga tensões sociais, alarga o mercado interno e produz paralisia na mobilidade social real, o que apenas robustas políticas públicas voltadas para a justiça social poderiam provocar. E não parece ser isso aquilo a que assistimos entre nós. Aqui o capital, justificado pelo neoliberalismo, em cujo colo o PT foi parar, é o deus que deita, rola e nada às braçadas, sempre à revelia de nossos anseios por equidade, liberdade e dignidade social.

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(1) Fonte: http://www.zedirceu.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=15809&Itemid=2