Como aproximar, no ensino de LP, a cultura patrimonial da escola (culturas valorizadas) das culturas da juventude?

A escola deve deixar de lado todos os seus receios, medos e preconceitos advindos dos anos de chumbo e dos tempos em que a cultura de elite era o único norte social, para poder compreender a cultura da juventude atual, uma vez que a escola de hoje ainda permanece alicerçada ao pensamento dominante, o mesmo que ainda impõe o que deve ou não ser ensinado em sala de aula, e o que merece ou não o selo de “arte”. A escola contemporânea tem de ler e interagir com o mundo daqueles que agora frequentam os seus bancos, para garantir-lhes o papel de protagonistas no processo ensino-aprendizagem, não o de meros coadjuvantes. Assim, não basta universalizar o ensino, é preciso construir uma sociedade crítica, capaz de se posicionar sobre todos os assuntos e de promover ações/intervenções sociais que lhe garantam um futuro promissor.

Mas a impressão que se tem é a de que a escola de hoje permanece num eterno processo de transição. Abriram-se as portas para os novos alunos, mas o método de ensino continua arcaico, defasado, destituído de sentido no imaginário coletivo, mesmo após a introdução das novas tecnologias de informação e comunicação. Com elas, os professores perceberam quão valiosas são as ferramentas da modernidade que impulsionam o acesso a todo tipo de informação e alicerçam o debate e a construção de novos valores; todavia, na prática, foram incapazes de usar esse arsenal do conhecimento para mudar suas aulas e torná-las mais interessantes ao novo público discente. Assim, aquela imagem com alunos sentados de frente para o quadro negro, inertes, enquanto o professor fala, ainda existe em grande parte das escolas da Rede Oficial de Ensino de São Paulo.

O mesmo pode-se dizer do ensino de Língua Portuguesa, que ensaiou uma mudança. Apenas isso! Dizer o que é certo ou errado numa era em que o professor passou a dividir o centro do conhecimento com outras fontes de informação mais interessantes e/ ou mais confiáveis (será?) soa como a uma piada de mau gosto de Rafinha Bastos. E ensinar gramática a quem usa o Internetês? Sem comentário! O aluno de hoje reivindica voz, espaço para mostrar a que veio, justamente por isso, ele quer ver na escola aquilo que considera pertinente à sua época; não apenas o que dizem que deve aprender para ser “alguém” na vida.

E este mesmo aluno trouxe para a escola novas expressões de arte e demonstrou que é capaz de construir novas releituras do mundo a partir do desenho (grafite), das palavras pichadas em muros e prédios e das danças típicas (hip-hop, rap…) da rua, da esquina onde se encontra com a turma. A partir daí, a escola se viu num dilema: continuar rejeitando o novo, aquilo que Bolle (2000:43) “tratou por cultura do cotidiano” ou se manter em copas, como se apenas ela detivesse o controle e a capacidade de apontar o que deve ou não ser considerado objeto de estudo?

Disciplinas como a de Língua Portuguesa tentam compreender essa “vontade legítima” do aluno e buscam relacionar a arte de ontem com a de hoje, como se desejassem encontrar um sentido para os movimentos, que em forma de tsunami, vêm de fora para dentro da escola. Entretanto, não há um consenso quanto a esta prática, pelo fato de que para certos professores, todas as expressões oriundas das camadas menos abastadas carecem de “valor conceitual/teórico”, devendo, portanto, ser ignoradas ou relegadas ao segundo plano. É o preconceito dando mostras de que ainda sobrevive!

Independentemente disso, acredita-se que o professor de Língua Portuguesa pode mediar mais este conflito escolar ao propor o estudo das culturas juvenis em sala de aula, não como arte sem conceito, mas como parte da expressão de um público que frequenta a escola, mas que não se sente parte dela. Assim, ao estudar o leque de artes populares, não há como negar o avanço do grafite, do stickers e das pichações, muito menos tratá-las como produção de um bando de jovens malfeitores; pelo contrário, elas expressam a visão de mundo e as expectativas mais íntimas de uma classe ensandecida por liberdade de expressão. Como define Gitahy (1999:1), “essas manifestações gráficas juvenis tentam retirar o espectador da posição passiva de mero consumidor; são, antes de tudo, convite ao encontro e ao diálogo…”

E como tratar pichação como arte?Aliás, como fazer um professor entender isso, quando se há até uma lei1 em vigor que a trata como crime? Um dilema sem resposta, mas que encontra algum alicerce nas palavras do grafiteiro Eduardo Saretta, quando ele diz que “a sociedade tem de entender que a pichação é um índice de desequilíbrio social”. Realmente, se vista de um ângulo menos conservador, esta forma de expressão denuncia problemas sociais, contesta os desmandos políticos e instiga a consciência coletiva à reflexão com frases de efeito ou mesmo nonsenses, quando estas não alcançam a compreensão social. Além de que, por ser assinada (primeiro nome ou iniciais), firma seu criador – aquele mesmo jovem contraventor que teve a coragem de escalar muros e pendurar-se nas janelas dos edifícios para expressar pensamentos críticos à casta dominante de uma sociedade injusta- como seu legítimo autor.

Assim como a arte da escrita, ritmos de dança oriundos das classes sociais menos abastadas devem ser estudados e compreendidos como fenômenos de uma sociedade juvenil instantânea, mutável, que se inquieta como as amarras sociais e luta para ganhar espaço e o devido respeito.

A língua portuguesa pode entrelaçar todas estas formas de ver e vivenciar o novo mundo, permitindo o seu debate em sala de aula enquanto obra de arte juvenil ou simplesmente manifestação inquietante de um grupo de jovens subversivos.

REFERÊNCIA

Fonte1: No Brasil, a pichação é considerada vandalismo e crime ambiental, nos termos do artigo 65 da Lei 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais), que estipula pena de detenção de 3 meses a 1 ano, e multa, para quem pichar, grafitar ou por qualquer meio conspurcar edificação ou monumento urbano, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9605.htm.