Interdisciplinaridade: verdade ou fantasia?

Wilson Correia

Não faz muito tempo, um colega professor da instituição onde atuo, envolvido com o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), sujeito que até admiro por iniciativas outras correlatas à docência, em quem até depositei total confiança quando ela se fez necessária, estava às voltas com evento que exigia o debate sobre a tal interdisciplinaridade.

Aventando nomes para mediar o tal debate, alguém sugeriu: “Vamos chamar o Prof. Wilson Correia” –eu já havia participado de evento semelhante, argumentando que nós, alunos e professores, em face da interdisciplinaridade, precisamos relaxar nossas preocupações quanto às exigências oficiais, de cima para baixo, que nos exigem envolvimento em algo que, em verdade, não passa de simples ideia, sonho, utopia ou quimera.

Inusitada foi a resposta daquele “mui amigo” professor: “Wilson Correia, não! Ele afirmou que a interdisciplinaridade é um defunto. E nós queremos acreditar na interdisciplinaridade. Vamos chamar a professora ‘y’, que é mais moderada”. Como, atualmente, até credibilidade pode ser objeto de negociação, “chamo para ‘meus eventos’ aqueles que falarão exatamente aquilo que quero ouvir. O que me incomoda, não! Deixe prá lá”, parece ter sido o imperativo a guiar aquela escolha.

O diálogo, aparentemente trivial, mostra algo mais grave: a universidade é o lugar onde se perscruta a verdade ou é o espaço do sagrado, onde o que decide é o “querer acreditar nisso e naquilo?” Até onde sei, igreja é que é o lugar da crença; universidade, não; é o lugar da dúvida, a mola propulsora da busca da verdade.

À parte a falta de ética profissional e a opção “pelo que melhor me convém”, urge lembrar que, segundo Gusdorf, interdisciplinaridade é um termo confuso, o qual se presta ao emprego dos propósitos mais díspares, sempre lembrado nas reformas universitárias, todas advogando suas próprias naturezas de cunho interdisciplinar, mas que não vão além de um ajuntamento de diversas especialidades justapostas. Também Carneiro Leão coloca em xeque a tal interdisciplinaridade, acusando as "retóricas de persuasão" que ela implica, no mais claro servilismo ao caráter funcionalista da “ciência” que estamos a praticar.

Fora disso, foi Foucault quem melhor descreveu esse processo ao evidenciar como os discursos são produzidos e, uma vez legitimados, forjadores de realidades, identidades e subjetividades. Esse seria o caso da interdisciplinaridade, ilustrado como discurso pragmático de uma universidade que abre mão de pesquisar a verdade e se rende à ideologia que se quer prevalente, sem nenhum lastro na ciência séria e na filosofia que guarda algum pudor em face de nossa missão de pesquisar a verdade?

Ao que inicialmente nos parece, sim. E aqui, uma vez mais, me volta à memória o insigne Milton Santos: “O terrível é que, nesse mundo de hoje, aumenta o número de letrados e diminui o de intelectuais. Não é este um dos dramas atuais da sociedade brasileira? Tais letrados, equivocadamente assimilados aos intelectuais, ou não pensam para encontrar a verdade, ou, encontrando a verdade, não a dizem, renegando a função principal da intelectualidade, isto é, o casamento permanente com o porvir, por meio da busca incansada da verdade” (em “Por uma outra globalização”, p. 74).

Como é bom estar do lado dos “barrados no baile”. Como é libertário saber-se fiel à busca daquilo que realmente conta. Eu me sentiria extremamente infeliz se fosse listado entre aqueles que, acreditando no discurso fantasioso da interdisciplinaridade, nada mais tivessem a mostrar ao mundo do que aquilo que indica o quão fracos e covardes se fizeram em tudo isso, ao se renderem a uma miragem, a uma utopia interesseira, a uma mera ilusão.