Licenciatura “versus” bacharelado = confusão e má-fé

Wilson Correia

A Lei Maior do Brasil, Constituição Federal de 1988, em seu Artigo 207, preceitua que “As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”. Por conta dessa autonomia que gozam as universidades brasileiras, cada uma delas oferece cursos de graduação nas modalidades: bacharelado (bacharelado em filosofia, por exemplo), licenciatura (licenciatura em filosofia, outra possibilidade).

Bacharelado não é melhor que licenciatura: aquele visa à formação profissional que não inclua a docência, ao passo que a licenciatura prevê, para além de formação profissionalizante estreita, o preparo para o magistério, como assegura esta citação:

“O bacharel pode trabalhar em áreas mais diversas e ser, por exemplo, médico, administrador, engenheiro... Só não pode dar aula, a não ser que tenha cursado durante a graduação, além das matérias do bacharelado, as disciplinas voltadas à área de educação. Se optar por ser professor depois de terminar o bacharelado, o estudante pode reingressar na faculdade e pedir dispensa das matérias já vistas e fazer apenas as disciplinas ligadas à formação de docente” (Guia do Estudante de 2012).

No entanto, mesmo que isso esteja o mais claramente explícito, ainda pairam dilemas inúteis na cabeça dos estudantes, no mais das vezes disseminadas pelos próprios professores desses estudantes, todas confluindo para a seguinte opinião: a licenciatura, confrontada com o bacharelado, é “menos nobre”, “menos valorizada”, “algo inferior”.

Para piorar a situação, o Estado legislador e seus braços controladores, os quais nem sempre respeitam a autonomia constitucional das universidades, emitem uma normativa atrás da outra sobre essa matéria, aumentando ainda mais a confusão em vez de esclarecer estudantes, professores e a sociedade (ver, por exemplo, o caso dos marcos legais para os cursos de Educação Física brasileiros, o qual estudei a fundo recentemente para atender a uma solicitação de Parecer feita por um organismo estatal sobre assunto correlato: Resolução CFE n° 03/87, Lei n° 9.696/98, Resolução CNE/CP n° 1/2002, Resolução CNE/CP n° 2/2002, Resolução CNE/CES n° 7/2004, Resolução CNE/CP n° 2/2004, Resolução CNE/CP n° 1/2005, Resolução CNE/CES n° 4/2009).

Cursos de graduação plena que oferecem titulação na modalidade de licenciatura não são inferiores a nenhum outro tipo de curso. O que é desvalorizado, aí, sim, é a profissão docente ou a de profissionais outros do campo da educação –o que são coisas bastante diferentes. Tomar a desvalorização do pessoal do magistério e estendê-la ou antecipá-la à formação inicial para a docência é uma operação discursiva que só é possível mediante a mais deslavada atitude de má-fé. Essas distorção e perversidade perpetradas contra os alunos das licenciaturas têm de ser, não apenas causa de indignação, mas, sobretudo, denunciadas.

Quem faz licenciatura, é preciso pontuar, é candidato a fazer um percurso curricular que pode oferecer a formação mais completa até, sendo, nesse sentido, preferível a uma formação profissionalizante curta na concepção e nas finalidades.

“Ah! Mas o bacharelado dá ênfase à pesquisa”. E a licenciatura, ela não dá essa ênfase também?

No meu caso, que fiz graduação plena na modalidade “licenciatura” em ambiente universitário onde picuinhas desprezíveis dessa monta não tinham lugar, nunca fui questionado sobre meu plano de cursar mestrado e doutorado, cujos projetos de pesquisa eu os iniciei e os concluí sem sequer me atentar para essa inútil discussão, a qual, um dia, espero, deve ser plenamente superada (em Filosofia, essa minha afirmação é plenamente sustentável).

“Ah! Mas o bacharel que leciona em meu curso superior vive depreciando a licenciatura”. Vive? Vive a mais ridícula das contradições: se os cursos de licenciatura são desprezíveis, porque ele está lecionando justamente em um curso de licenciatura?

E mais: se a licenciatura é “inferior” por também preparar para a docência; e se o que é o “filé mignon” de nossas ocupações possíveis é a pesquisa; se o “nobre” e “mais valorizado” é o mercado de trabalho, porque cargas d’água esse sujeito ganha a vida desenvolvendo exatamente as atividades reservadas ao magistério, aos docentes, aos professores?

Entre os “humanos”, vivemos as coisas mais incompreensíveis e “non senses” inimagináveis. Algumas delas, contudo, bem que poderiam nos poupar a paciência! Mas esse é um desejo descabido: o que é “non sense” há de permanecer, mostrando a miserabilidade de seus portadores.