Pierre Bourdieu - o ethos e o êxito escolar

A inércia cultural no sistema escolar, que segundo a ideologia da escola libertadora trata-se de um fator de mobilidade social é, na verdade, um fator de conservação social, pois, as diferenças dos sujeitos que chegam à universidade são determinadas, também, pelas diferenças das classes das quais estes são oriundos. E o mecanismo objetivo que determina esta eliminação contínua do êxito escolar é explicado apenas pelas diferenças de dons.

Desta forma, a ação do privilégio cultural é percebida grosseiramente através das recomendações de ajuda no trabalho escolar ou suplementar, e não pela percepção que a transmissão direta ou indireta, pelas famílias, de certo capital cultural através de um ethos (sistema de valores implícitos e interiorizados) é que vai contribuir para as atitudes frente ao capital cultural e à escola.

A cultura global da família está permanentemente ligada ao êxito escolar da criança. Por exemplo: se um pai é diplomado ou bacharel, este vai exercer a ação no meio familiar, que por sua vez vai determinar o êxito escolar da criança. Havendo diferenças de ethos entre o pai e a mãe, também este êxito se desenvolverá de forma desigual. Isto também se estende aos ascendentes de um e de outro, o que forma a família extensa, que também vai influenciar nas desigualdades.

Segundo o autor, um jovem da camada social elevada possui 80 vezes mais chances de entrar na universidade do que um filho de operário, e duas vezes mais chances do que um jovem da classe média.

A nobreza cultural também apresenta graus de descendência. O nível cultural dos antepassados, da primeira e da segunda geração, permite explicar variações no êxito escolar, mesmo em um nível elevado do cursus. Os jovens das camadas superiores se distribuem de maneira “bimodal”, segundo a categoria socioprofissional de origem, tanto nas práticas culturais quanto no manejo da língua, dependendo do tipo de curso secundário passado: clássico, moderno, ou outro; se colégio ou liceu; se instituição pública ou privada, e também, por sua origem demográfica.

Deste modo, as aspirações das camadas cultas devem-se, primeiramente, aos objetivos das famílias, quando estas escolhem pelos liceus, com estudos longos e que objetivam o sucesso na vida profissional, em detrimento das que escolhem os colégios de ensino geral.

Para determinar a aptidão inicial, estes estudantes passam por uma super-seleção, para entrarem na universidade. Esta super-seleção vem, de certa forma, compensar a desvantagem que eles têm em relação aos estudos literários e ao manejo da língua, pois a língua falada no meio familiar é o maior obstáculo cultural, sobretudo nos primeiros anos. No entanto, a riqueza, a fineza e o estilo da expressão serão sempre considerados pelos alunos que entram na universidade, seja de forma implícita ou explícita, pois, na escola, houve a transmissão, mesmo que de forma “osmótica”, do manejo da língua, reforçando a ideia de que os dons e conhecimentos resultam de uma aprendizagem.

O ethos das classes médias resume-se à adesão mais fortemente dos valores escolares, por oferecerem chances razoáveis de satisfazer as expectativas, confundindo os valores do êxito social com os do prestígio cultural. Portanto, a classe média, diferente da popular, deve à família os encorajamentos e exortações ao esforço escolar, mas também ao ethos de ascensão social e de aspiração ao êxito na escola e pela escola, que lhes permite compensar a privação cultural com a aspiração pela aquisição da cultura.

A ascensão social através das oportunidades de ascensão pela escola e frente à escola é determinada por esperanças subjetivas de cada indivíduo, apreendidas de forma intuitiva e progressivamente dos grupos familiares e sociais de que fazem parte. Estas esperanças ou desesperanças subjetivas, traduzidas em sucessos ou derrotas vão determinar, intuitivamente, quais são as probabilidades de êxito.

Segundo Lewin, um moral baixo engendra um moral ainda mais baixo, influenciando inclusive quem está próximo do indivíduo, e um moral alto suscita alvos elevados, criando oportunidades de progresso capazes de conduzir a um moral ainda melhor. Portanto, a atitude da família a respeito da escola, em função de suas próprias esperanças, encontradas em cada categoria social, vai determinar, juntamente com os professores, o êxito escolar.

As pesquisas destinadas a medir a compreensão e a manipulação da língua acadêmica, entre os universitários de letras, eram determinadas pelo tipo de estabelecimento escolar frequentado durante os estudos secundários, e do conhecimento que eles tinham do grego e do latim.

Portanto, a ideia principal de Bourdieu é de que a transmutação da herança social em herança escolar nas diferentes situações de classes, a escolha da seção ou do estabelecimento e os resultados nos primeiros anos da escolaridade secundária, vão condicionar a utilização dos diferentes meios da herança, podendo esta figurar como negativa ou positiva. Ainda, segundo o autor, porque o êxito no nível mais alto do cursus permanece ligado fortemente ao passado escolar, mesmo o mais distante, e vai determinar a oportunidade ou não de atingir algum ramo do ensino superior, e o compara a um jogo em que as cartas são jogadas muito cedo.

Antonio Marques de O Santos
Enviado por Antonio Marques de O Santos em 21/02/2013
Reeditado em 28/11/2013
Código do texto: T4151500
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