COMPREENSÃO DA DIFERENÇA PARA UMA ÉTICA DA COMPREENSÃO

1. INTRODUÇÃO

A educação é o caminho que pode contribuir para que o homem se compreenda a si mesmo e aprenda a conviver com o signo da diferença. Nenhum dedo de nossa mão é igual, os filhos dos mesmos pais são totalmente diferentes, a cada hora já não somos mais como éramos, as células realizam em nós uma constante transformação e torna-nos diferentes em todos os instantes. Então, porque o diferente causa tanto estranhamento a ponto de minar o outro psicologicamente e moralmente através de brincadeiras e “piadinhas” maldosas no intuito de afirmar a própria diferença particular e se impor como melhor e superior. O que temos é paradoxal, pois se por um lado afirma-se a diferença pessoal, porque negar a diferença do outro? Será que não se aceita o diferente porque se vê nele aquilo que se nega em si?

A incompreensão está em constante processo de crescimento alimentada em grande parte pelos meios de comunicação que mesmo atravessando o planeta no intuito de diminuir os espaços e aproximar as pessoas, é também usada para disseminar a intolerância

2. INCOMPREENSÃO

A incompreensão pode ser percebida nas escolas, praças, ruas, playgrounds, clubes e na internet, que traz em si a intolerância, que são a porta de entrada para a raiva, ódio, violência, preconceito e bullyng.

A incompreensão normalmente está acompanhada pelo fanatismo, dogmatismo, insegurança e medo, frutos das relações predatórias estimuladas pelas famílias e reforçada nas escolas que estão a serviço do sistema que têm na competição o método eficaz que separa os melhores para ocupar os empregos mais cobiçados no país e assim garantir seu futuro. Porém, as consequências deste modelo educacional que a princípio parece ser o mais indicado e que mais traz resultados, possui muitas falhas e nuances perigosas.

A educação do sujeito precisa ter comprometimento com a compreensibilidade e com a vida preparando-o para que possa ser um cidadão de bem que cumpra seus direitos e deveres em harmonia entre “seus iguais” na construção de um mundo melhor. Entretanto o que se percebe é que o outro ao invés de evocar a alteridade e respeito torna-se vítima pelo simples fato de ser diferente, para tal problemática, Edgar Morim evoca iminentimente a ética da compreensão.

3. BULLYNG E A ÉTICA DA COMPREENSÃO

A compreensão tornou-se um problema “crucial” para os humanos, afirma Morin ao iniciar a exposição sobre como ensinar a compreensão (2003a, p. 93). Para que um problema venha a ser resolvido a partir da complexidade precisa ser entendido esquematicamente e o autor estabelece, que há uma dupla polarização da compreensão, a primeira é objetiva e passa pela capacidade intelectual, ou seja, inteligibilidade na religação dos saberes e pela explicação. A segunda, passa pelo conhecimento de indivíduo a indivíduo como indivíduo, por exemplo, ao ver uma criança chorando, não vou compreendê-la por medir a quantidade de salinidade em suas lágrimas, mas porque se busca nas memórias infantis, identifico-a comigo e identifico-me com ela, então percebo o outro como sujeito que como num espelho revela em si a mim mesmo num processo empático de identificação e projeção. (MORIN, 2003a, p, 95).

O advento da modernidade, a ampliação das redes sociais por meio da wide web worl , trouxe no bojo da peculiar “civilização”, um paradoxo imprevisível. Os meios de comunicação que surgiram da necessidade de minimizar os espaços e tornar o planeta uma “aldeia global”, por meio da globalização das informações, que favoreceria a intermundialização do comércio e o desenvolvimento de toda a humanidade, entretanto ainda não atingiu o seu objetivo, pois convivemos com a violência e assistimos a vítimas fazer novas vítimas numa relação predatória de total incompreensão e a mídia que poderia ser usada para protagonizar campanhas preventivas e de conscientização, não faz, pois não há retorno financeiro.

As redes sociais tornam-se ferramentas que ao invés de diminuir as distâncias, às vezes separa os que estão juntos, inviabilizando a convivência social salutar e cheias de possibilidades de relacionamentos interpessoais e torna-se um espaço profícuo para a proliferação de guetos virtuais, grupos sociais reducionistas e fragmentários que agridem, ofendem o diferente. Por vezes provocam o deslocamento do individuo de seu meio social e o leva a construir suas relações no mundo virtual e não no mundo real.

O bullyng é um termo novo usado para falar de um problema antigo que fragiliza a auto estima e pode trazer consequências trágicas como homicídios, suicídios e bullycídio . As políticas educacionais precisam investir em pesquisa para minimizar o sofrimento de tantas crianças e adolescentes que são vítimas do desrespeito e agressão. A intolerância aos olhos de muitos parecem brincadeiras e provocações normais, frutos dos conflitos próprios do relacionamento interpessoal, porém o que se assiste é a progressão dessa violência covarde (bullyng) a agressões verbais, assédio emocional, torturas e agressões físicas.

A educação compreensiva se propõe a dialogar com a interdisciplinaridade, transdiciplinaridade e os inúmeros segmentos da educação para detectar quais são as reais causas da evolução da incompreensão que gera sofrimento a tantas crianças e adolescentes para propor um plano de ação eficiente, a fim de combater o bullyng que minimiza as possibilidades humanas neste século dos múltiplos saberes.

Bullyng é o comportamento agressivo intencional que pode se expressar de diversas maneiras (verbal, física, social e emocionalmente; em relacionamentos, pela internet ou uma combinação de vários desses). É gerado pelo desequilíbrio de poder e ocorrem repetidas vezes, durante um período de tempo. Surgem espontaneamente, não como reações a provocações, e possui modalidades diversas (uma criança passa a maltratar outras, um grupo de crianças se une para atacar uma terceira ou um grupo ataca o outro). (CARPENTER e FERGUSON, 2011, p. 9).

O bullyng, gerador de intolerância e incompreensão parece ser um mal metamórfico ao longo dos anos, que só muda de endereço e impede o desenvolvimento do homem em seu processo de “hominização”, tornar-se pessoa humana. A educação preventiva também procura preparar o sujeito para viver com qualidade e compreensibilidade e isso implica o cultivo do elogio que impulsiona e encoraja o indivíduo a realçar as características positivas, favorecendo assim seu desenvolvimento, emancipação e autonomia. “O elogio derrete a raiva como gelo ao sol do meio dia e o incentiva o individuo a ir adiante” (CURY, 2003 p. 143). Ser educador é ser promotor da vida e suas possibilidades estabelecendo pontes de compreensão nos desertos do individualismo egocêntrico.

Como se percebe nas gerações que se seguem os modos culturais de ser, estar e agir, são necessários à convivência e ao ajustamento de um membro no seu grupo ou sociedade. Enquanto processo de sociabilização, a educação é exercida nos diversos espaços de convívio social, seja para a adequação do indivíduo à sociedade, do indivíduo ao grupo ou dos grupos à sociedade, este é o nicho onde as relações se estabelecem e são promovidas a compreensão humana e subjetiva.

A partir das contribuições de Herder (1744-1803), pode-se compreender a história da educação como um processo evolutivo que influencia a vida e “suas circunstancias” e não existe um padrão universal da história que determina o agir humano, mas se faz necessária a compreensão para o seu desenvolvimento, cada indivíduo é importante e responsável por construir parte do meio em que se vive. O sujeito para compreender o outro precisa mergulhar nas reais situações e perspectivas que ele está inserido, para evitar o preconceito e a possibilidade de não compreensão objetiva e subjetiva do outro enquanto tal com sua riqueza complexa de alteridade e diferença.

Para Edgar Morin, os herdeiros do socialismo estabelecem uma maneira nova de compreensão da educação, parte da teoria da natureza social onde propõe um sistema social de escola humana, passando pela crítica e tem como objetivo a integração das correntes pedagógicos designada pedagogia da essência, comungam da ideia marxista que a educação do futuro deveria nascer do sistema fabril, associando-se o trabalho produtivo com a escolaridade e com a ginastica, preconizando assim a omnilateralidade a politecnia .

O educador George Snyders que levanta a bandeira de uma escola não autoritária, a escola precisa ser um espaço democrático estimulador do saber em suas perspectivas atuais e pensamento pedagógico socialista, assim se construirá numa escola mais humana que corroborará a construção de um mundo onde todos tenham lugar e haja espaço para o diálogo, reflexão, respeito, autonomia e de condições para que aflore a criatividade e estimule a fantasia, seja um espaço de efervescência de ideias e todos possam contribuir para que as mesmas sejam aperfeiçoadas e aproximem ainda mais da verdade e tenha sentido e ressonancia na realidade social.

O respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros. Precisamente porque éticos podemos a desrespeitar a rigorosidade da ética e resvalar para a sua negação, por isso é imprescindível deixar que a possibilidade do desvio ético não pode receber outra designação senão a de transgressão. (FREIRE, 1996, p. 59).

A educação possibilitou o desenvolvimento da autonomia, da dignidade e garantia dos direito elementares, porém ainda falta muito para que possamos avançar enquanto nação, precisamos evoluir, avaliar “compreender melhor o ambiente sob os seus diversos aspectos, que favorece o despertar da curiosidade intelectual, estimula o sentimento crítico e permite compreender o real, mediante a aquisição de autonomia na capacidade de discernir” (DELORS, 2003, p. 245), construir e significar nosso espaço social.

Em nossa realidade social, em seu ritmo acelerado, com uma grande competição pelos lugares de destaque em todos os níveis societários, causados pelas mudanças rápidas nas novas tecnologias obrigando que cada um se adapte aos novos contextos o mais rapidamente possível sob pena de ser ultrapassado tornou-se obrigatório pensar-se na educação ao longo da vida e para a vida.

Aprender a conhecer e a pensar é fundamental num mundo fortemente marcado por muitas informações e pouco conhecimento. Esta perspectiva deve, no futuro, inspirar e orientar as reformas educativas e métodos de aprendizagem, tanto em nível da elaboração de programas como da definição de novas políticas pedagógicas. Nesta linha de pensamento, a educação baseia-se em quatro pilares, aprender a conhecer, aprender a fazer aprender a viver juntos e aprender a ser.

Morin, afirma que construir uma expectativa educacional compreensiva e arrojada implica aprender a conhecer, combinando uma cultura geral, suficientemente vasta, com a possibilidade de trabalhar em profundidade um pequeno número de matérias. O que também significa, aprender a aprender, para beneficiar das oportunidades oferecidas pela educação ao longo de toda a vida.

Aprender a fazer, a fim de adquirir, não somente uma qualificação profissional, mas, de uma maneira mais ampla, competências que tornem a pessoa apta a enfrentar numerosas situações e a trabalhar em equipe. Mas também aprender a fazer no âmbito das diversas experiências sociais ou de trabalho que se oferecem aos jovens e adolescentes, quer espontaneamente, fruto do contexto local ou nacional, quer formalmente, graças ao desenvolvimento do ensino alternado com o trabalho.

Aprender a viver juntos, desenvolvendo a compreensão do outro e a percepção das interdependências a realizar projetos comuns e preparar-se para gerir conflitos no respeito pelos valores do pluralismo, da compreensão mútua e da paz. Aprender a ser, para melhor desenvolver a sua personalidade e estar à altura de agir com capacidade cada vez maior de autonomia, de discernimento e de responsabilidade pessoal, possibilitando que o indivíduo cresça, desenvolva-se vivendo em harmonia. Para isso, não devemos negligenciar na educação compreensiva e nenhuma das potencialidades do indivíduo: memória, raciocínio, sentido estético, capacidades físicas, aptidão para comunicar-se, etc.

Superando todos os obstáculos da compreensão Edgar Morin propõe a ética da compreensão que é a arte de viver que nos demanda, em primeiro lugar, compreender de modo desinteressado. A ética da compreensão não espera nenhuma reciprocidade e pede que se compreenda a incompreensão. Uma pessoa que compreende porque um bandido quer fazer-lhe mal, é capaz de compreender as raízes, as formas e as manifestações das maldades humanas, compreende-se porque e como se odeia ou se despreza.

A ética da compreensão se pauta pela racionalidade, caminho amplo do diálogo, da argumentação, que faz questão de evidenciar os erros, as ideologias e as cegueiras que conduzem a barbárie. A ética da compreensão está a favor da vida em suas múltiplas formas e circunstancias procurando compreender e trilhar o caminho da humanização das relações, onde, o outro, o diferente, tem lugar de destaque na proposta educacional compreensiva, pois o outro evoca a alteridade e revela por meio de sua identidade as particularidades que agrega e enriquece as relações.

CONCLUSÃO

O planeta está salpicado de aldeias globais, a informação envolve-nos com seu potencial de mutabilidade tecnológica que facilita a comunicação, interpretação e compreensão da realidade complexa, porém, assistimos pelos meios de comunicação como a compreensão ainda é frágil e a intolerância e a incompreensão prevalecem.

Para Morin, a informação é muito importante, mas não é o bastante para educar o sujeito na aprendizagem da compreensão, é preciso que haja interligação dos saberes e compromisso inter e transdisciplinar na formação compreensiva de hominização do homem e que a informação esteja alinhada a educação para que ela se torne atrativa, interessante.

Neste século dos saberes e informação tecnológica é possível intensivar o diálogo e as políticas publicas acerca do bullyng. Que nos espaços educacionais possa-se iniciar a compreensão e o respeito pela diferença e seja um laboratório onde se pratica e vivencia a tolerância e jamais o preconceito e bullyng. Que a abordagem intolerante e incompreensiva seja abominada e punida, afim de que outros não se sintam encorajados a praticar tal violência que mina a vida emocional do individuo. Que por meio de atividades didático-pedagógicas educativas os gestores escolares, educadores, familiares e sociedade civil possam discutir e elaborar planos de ação que aumente a viabilidade da compreensão do outro enquanto outro. Que o acompanhamento as vitimas sejam especializados e proporcione possibilidade de convivência social, aos que necessitarem com o intuito de minimizar os males causados pela violência conhecida pelo bullyng.

REFERENCIA

CARPENTER, Deborah; FERGUSON, Christopher J. PhD. Cuidado! Proteja seus filhos dos bullies. São Paulo: Butterfly, 2011.

CURY, Augusto. Pais brilhantes e professores fascinantes. Rio de Janeiro: Sextante. 14. ed. 2003.

DELORS, Jacques. Educação: Um tesouro a Descobrir: Relatório para a comissão internacional sobre educação para o século XXI. 8.ed São Paulo. Cortez; Brasilia, DF: MEC: UNESCO, 2003.

FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. 2ª Ed. São Paulo: Paz e terra, 1979.

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessário a educação do futuro. Trad. Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya. 8ª ed. São Paulo: Cortez. Brasília, DF. UNESCO, 2003a.