Reflexões Sobre o Nosso Sistema (Arcaico) de Ensino

O sistema atual de ensino tem, na prática, duas premissas. A primeira é a da generalização, baseado nas ideologias de igualdade social que pregam que todos devem ter as mesmas condições de ensino para que se desenvolvam igualmente. A isto eu acrescentaria o que chamo de determinismo do meio que diz que todos nós nascemos iguais e que o meio e apenas o meio vai nos modelar. Esta filosofia é a pura antítese do determinismo biológico e peca no extremo oposto, desconsidera o papel do indivíduo, que foi muito rebaixado ao de mero coadjuvante nos últimos séculos. O segundo viés se alimenta do primeiro e tem ganhado força nas últimas décadas que é a ideia da educação profissionalizante, nada contra a educação para a inserção do jovem no mercado de trabalho, afim de que ele produza retorno para si mesmo e para a sociedade, o que é, na verdade o intuito maior da educação. O problema é a subordinação do sistema de ensino às demandas voláteis do mercado. Neste aspecto, passa-se a considerar certos saberes mais importantes que outros, pois são mais necessitados pelo mercado, cabe citar a supervalorização do saber técnico-científico em detrimento de outros saberes que não geram um lucro financeiro tão evidente como o saber artístico e o saber político.

Não quero pregar nenhuma utopia que defenda a arte como meio maior de expressão em sociedade ou cair no lugar comum da desvalorização do artista, nem creio que o modelo de sistema de ensino deva formar filósofos e críticos sociais apenas. Acredito e aceito que o nosso sistema possa ter por objetivo a formação de valores mais “rentáveis”, por falta de palavra melhor.

O que acontece é que ao abraçar única e exclusivamente os interesses mercadológicos, o sistema perde seu viés democrático e humanístico. A escola deve também ser um local de autoconhecimento e de conhecimento do mundo à sua volta, para atuar nele politicamente. Como já havia citado, e retornarei ao ponto agora, para explicá-lo melhor, esta tese de que o sistema de ensino pode ser corrompido e prostituído pelo mercado à seu bel-prazer só se sustenta baseado na premissa de determinismo do meio. Pois se o meio, e única e exclusivamente o meio é capaz de determinar os caminhos que seguem nossas crianças, um meio uniforme geraria crianças uniformes e produtivas, na medida em que o mercado precisasse. Para provar que esta falácia não se sustenta, façamos um breve experimento mental. Imaginemos um grupo de crianças bem novas, de modo que ainda não tenham sido “moldadas pelo meio”, levemos elas, pois, a uma sala de aula ideal, onde, como na maioria das escolas contemporâneas, elas dedicarão cerca de 50% do seu tempo à matemática (números puramente fictícios) e ciências naturais, 30% ao estudo da língua portuguesa, isto é, a uma alfabetização (no sentido amplo, mesmo no ensino médio estamos sendo alfabetizados, pois nos ensinam a ler e escrever, ainda que textos mais profundos). Os outros 19% serão dedicados à história, geografia e os 1% restantes, às artes e filosofia, se houver.

Caso a teoria do determinismo do meio fosse correta, e o sistema de ensino ideal, com professores cativantes, qual seria o resultado? Todos sairiam profundamente bem formados em matemática e com ampla base em ciências naturais no que se refere ao saber técnico especialmente, além de dominar muito bem o uso da língua, e iriam saber uma coisa ou outra de história e de geografia, e praticamente nada de filosofia e artes. Entretanto, facilmente há de se perceber que uma certa quantidade dos alunos têm uma inclinação à matéria A, e outros à matéria B, e que certa quantidade tem uma dificuldade tremenda em matemática, e mesmo com aulas de didática perfeita e com uma carga horária elevada dedicada à ela não atingem os mesmos rendimentos de outros alunos da mesma classe, ou ainda, simplesmente não gostam (e como é admissível que uns não gostem da matéria e outros gostem, se, de fato, tiveram as mesmas aulas?) da matéria.

Os defensores do determinismo do meio poderiam argumentar, dizendo que estas crianças sofreram influências externas de seus pais ou amigos, e não estariam errados. Poderíamos contra-argumentar, pegando um caso de alguma criança ou outra que tenha tido um rendimento muito baixo em uma matéria apesar de seus pais serem profissionais do ramo e de ter sido bastante influenciado por eles. Os deterministas do meio, recuados, lançariam mão de seu argumento final dizendo que o meio é muito complexo e imprevisível e que qualquer coisa pode ter influenciado aquela criança. Este argumento se pareceria um pouco ao dos religiosos que, quando sem argumentos, se limitam a afirmar que Deus é algo tão complexo que não pode ser entendido, como se isto, por si só, justificasse sua crença. Mas não estou querendo ir contra a influência do meio, a influência existe e não é fraca, ela pode ser observada facilmente em inúmeros casos, o que tento enfrentar é o determinismo que se faz desse fato. Pois bem, aproveitemos o gancho que nos deu o nosso tão querido fictício defensor do determinismo do meio e usaremos sua premissa: “o meio é tão complexo, intricado e mutável que é impossível prever seu resultado”, algo como uma teoria do caos, o bater de asas de uma borboleta no Brasil podendo provocar um terremoto no Texas. É exatamente aí que o sistema de ensino determinista do meio cairá por terra, quando admitir que o meio é tão complexo e intrincado que não se pode homogeneizar o ensino de modo a tratar todos os indivíduos como iguais. E ainda que se trancassem as crianças desde o seu nascimento como cobaias em um sistema fechado em que recebessem todos os dias professores dando aulas sem nenhuma influência externa, se desenvolveriam de modos diferentes. A mente de cada um tem tendências que se desenvolverão ou não através do meio, cada qual nasce com certas aptidões que serão ao não aproveitadas pelo meio. O que dizer dos músicos mirins? Ou das crianças prodígios nas mais diversas áreas? A crença no determinismo do meio é insustentável.

Uma educação de qualidade deve reforçar o papel do indivíduo, entendendo suas aptidões, identificando talentos e dando suporte às suas dificuldades. Não dá para dar o mesmo conteúdo para um aluno que tem as aptidões e o interesse no tema muito bem desenvolvidos e para um aluno que sofre das mais terríveis dificuldades de entendê-lo e de acompanhar tal forma de raciocínio. O professor se vê, na maioria das vezes, obrigado a nivelar por baixo e a matéria acaba se tornando extremamente simples e entediante para o citado aluno gênio, até que a falta de estímulo e de desafio acabe por fazer com que este mesmo aluno cheio de potencial perca o interesse. O famoso “nivelar por cima”, lema de algumas escolas, tampouco é o caminho. Nivelar por cima significa deixar em apuros ainda maiores o aluno que tem uma dificuldade naquele tipo de raciocínio, e que demanda um tratamento especial.

Lembrando que o mesmo aluno que tem uma dificuldade numa matéria específica pode ser um gênio em outras, ou ainda o aluno que teve essa dificuldade, ao vencê-la, talvez possa ter um entendimento maior ainda dos conceitos que o aluno que não teve dificuldades.

Enfim, eis como se estrutura o sistema de ensino: o aluno têm que ter uma nota razoável em todas as matérias para que passe de nível em todas elas. Não adianta o aluno ser ótimo em história e péssimo em português e matemática, ele vai perder de ano!

Outra causa que contribui para esta visão embaçada é a união da ideia do aprendizado pela experiência, que não é errada, e a ideia, esta sim, totalmente equivocada, da idade como sinônimo de experiência, quase como uma unidade de grandeza desta. As matérias deveriam ser independentes, o aluno deveria poder repetir em matemática e avançar em português, e não digo para ser como nosso sistema medíocre de dependências em que o aluno refaz no máximo três matérias tendo que, ao mesmo tempo, acompanhar a matéria nova cumulativa que depende da anterior, e caso venha a perder novamente, repetir todos os módulos. O aluno deveria poder repetir quantas matérias fosse preciso, mas nunca perder de ano, a não ser que repetisse realmente todas as matérias. Raciocinem comigo, se um aluno foi incrivelmente bem em português, mas péssimo em outras três matérias, faz algum sentido que ele tenha que repetir o módulo de português? Isso é absurdo! Toma tempo do aluno e apaga os seus méritos. Ele é realmente bom em português, entretanto vai ter que repetir a matéria porque não é suficiente bom em outras três. Qual o objetivo desse sistema senão atrasá-lo? Na minha opinião um aluno deve avançar e repetir quantas vezes forem necessárias cada matéria.

E digo mais, as turmas devem ser divididas de acordo com o rendimento dos alunos. Uma turma para os alunos com maior facilidade, outra para a média dos alunos e uma terceira para os alunos com maior dificuldade, ao menos. Chamaremos a essas turmas de A, B e C, respectivamente. Imaginemos agora como isso facilitaria o papel do professor, desobrigando-o de nivelar por baixo ou por cima. Quando estivesse numa turma C, saberia que se tratam de alunos com maior dificuldade e então se demoraria mais nas explicações, daria mais exemplos, faria um acompanhamento mais pessoal, tentaria dar uma melhor dinâmica de aula e usar de recursos visuais. Ao estar numa turma B daria sua “aula padrão”, e ao adentrar na turma A não teria medo de avançar o conteúdo, desafiando os alunos que têm uma maior facilidade na matéria e muito provavelmente uma maior paixão por ela.

E como dito anteriormente, um aluno não precisa ser A em matemática e em português, pode ser A em matemática e C em português, e ainda ser B em ciências. A classificação das matérias deveria ser independente, tanto quanto ao nível de rendimento do aluno, tanto quanto no conteúdo a ser abordado, isto é, no módulo em que o aluno se encontra, o atualmente chamado ano de escolaridade.

Por exemplo, um mesmo aluno poderia estar na 5ª série em português, na 6ª em matemática, na 4ª em história e por aí vai. Sendo B nesta, C naquela e A na outra, por exemplo. Isso possibilita que desde pequeno haja uma maximização do potencial de cada aluno, se o aluno é bom numa matéria será constantemente desafiado nela e avançará os “anos” rapidamente, enquanto se é ruim em outra teria todo um acompanhamento especial de forma a maximizar seu potencial também nesta área. Ao final, os alunos teriam também uma visão clara e objetiva de seus potenciais e paixões o que poderia vir até mesmo a auxiliá-los na hora da escolha de um curso superior ou profissionalizante.

Gabriel Valeriolete
Enviado por Gabriel Valeriolete em 04/09/2013
Reeditado em 09/02/2017
Código do texto: T4467068
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