Lápis, borracha, caneta, papel e... muita inspiração!

Desenvolver as competências leitoras e escritoras nos alunos é algo extremamente complexo, pelo fato dos alunos estarem acostumados a um esquema de leitura de textos previamente selecionados pelo professor e à resposta automática de um elenco de indagações previsíveis, literalmente ancoradas na ingenuidade daqueles que compreendem o ensino apenas como um jogo de signos móveis, que servem como facilitadores da transmissão de um conhecimento pronto, incapaz de se alternar no tempo e na história e de ganhar algum sentido no imaginário do educando.

Assim, a escola moderna precisa garantir ao aluno a possibilidade de se ler um texto e dele extrair significados variados, para que a partir destas leituras, ele seja capaz de moldar os próprios argumentos, tornando-os críticos e necessariamente responsáveis, como almeja a sociedade atual.

E antenado às mudanças que o novo milênio exige, o Colégio Espaço Verde Rousseau, no município de Cotia, na grande São Paulo, criou há quatro anos, com “Ladrões de Sonho”, o projeto “Livro coletivo”, cujo mote centra-se na criação e na manutenção de uma mesma trama pelos alunos do 9º ano do Ensino Fundamental, durante todo o ano letivo.

O projeto, inicialmente concebido como uma experiência literária por estimular os adolescentes a criarem a partir de suas próprias percepções, ganhou vida própria, tanto é que no mês de novembro deste ano, os estudantes lançarão “A vida em um minuto” , o quarto livro de uma série literária que recebeu, a partir de “Condenados pelo passado” – o terceiro título, o selo “Coleção EVR de Literatura”.

Coube ao professor da sala sortear o nome de cada aluno no início do ano, dando aos escolhidos a responsabilidade de continuar a trama iniciada pelo primeiro sorteado. A cada semana, um estudante lia o que o outro amigo escrevia e dava sequência à ideia original, expondo em seu capítulo o próprio ponto de vista das personagens concebidas pelos “autores” anteriores. O trabalho envolveu a habilidade da leitura, porque uma mesma personagem poderia ganhar significados e posicionamentos psicológicos flexíveis, uma vez que manuseada por mãos alheias, dançaria conforme o leitor e o lugar social por onde circularia. Foi o que aconteceu no livro de 2011, “Surpresas da Vida”, quando a personagem Laila, prevista na sinopse da aluna Raissa como pura, ingênua, ganhou status de antagonista a partir da leitura nada pueril do aluno Matheus (capítulo 6), que a ela conferiu as qualidades primordiais de seres de caráter dúbio; suas andanças pelas tramas secundárias garantiram ao enredo um quê da Capitu de Machado de Assis, afinal, em momentos previsíveis, ela era dissimulada, e quando dela se esperava uma rasteira capaz de aniquilar um arqui-inimigo, mostrava-se uma pobre vítima da sociedade. O livro teve 16 capítulos.

Apesar de ser um livro coletivo e a autoria perpassar por 16 mãos, a linearidade chegava a impressionar, como se a história fosse projeto apenas de um único estudante. Apenas parecia, porque de alguma forma todos se sentiam donos daquela “coisa”, aliás, ninguém abria a mão de opinar sobre o futuro das personagens, de encontrar um viés que fugisse ao clichê e garantisse a cada capítulo uma surpresa.

Esse poder de criar, de ser o mestre-mor do próprio destino, de poder alterar o que achava insignificante e de acrescer sentimentos e situações dúbias quanto aos rumos da própria história fazia com que cada estudante vivenciasse na prática a função-autor, aquele em que um leitor passa a construir o um universo a seu modo, moldado de acordo com o lugar em que vive, completamente conectado à realidade - pelo menos à sua realidade.

“Passei muitas noites sem dormir direito, pensando em como desvendaria os mistérios do livro...”– revela Bianca Bertozzi, escritora de "Reviravoltas", o último capítulo da saga.

Para Tathiana Nicastro Kruppa e Gislena Luiza Cardoso Oliveira, Diretora e Coordenadora do Ensino Fundamental respectivamente, “este é o papel do Colégio Espaço Verde Rousseau: permitir que toda criança vivencie o mundo mágico da literatura e, a partir dele, construa o próprio futuro, por sinal, sólido, promissor e permeado por valores fundamentais à consolidação de uma sociedade crítica e democrática”.