MONSTROS EMBAIXO DA CAMA: OS BENEFÍCIOS DAS HISTÓRIAS DE ASSOMBRAÇÃO NO IMAGINÁRIO INFANTIL

Resumo

Este artigo proporciona o leitor relacionar-se com o mundo imaginário cercado de assombrações que algumas crianças convivem geralmente durante o período noturno e a forma de lidar com os medos mais comuns da infância. Destaca o papel fundamental dos pais na compreensão deste universo cercado de medo, monstros, fantasmas e outros seres, para que possam auxiliar seus filhos a superar esta fase. Com o auxílio das histórias de assombração, cria-se um ambiente característico que leva a criança a incorporar o personagem da trama e descobrir a melhor maneira de lidar com os seus próprios medos.

Palavras-chave: Psicologia. Educação. Infância. Medo. Assombração.

Abstract

This article provides the reader relate to the imaginary world surrounded by ghosts that some children often coexists during the night and how to deal with the most common childhood fears. Highlights the role of parents in understanding this universe surrounded by fear, monsters, ghosts and other beings, so they can help their children overcome this phase. With the help of ghost stories, it creates an environment characteristic that leads the child to incorporate the character of the plot and find out the best way to deal with their own fears.

Keywords: Psychology. Education. Childhood. Fear. Haunt.

INTRODUÇÃO

Quem nunca se apaixonou por uma história em quadrinhos onde o personagem principal está dormindo, janela do quarto aberta e de repente seu sono é interrompido por um barulho estranho vindo de fora da casa? Quem sabe aquele conto ou fábula onde o objetivo é descobrir o que há na floresta no meio da noite iluminada pela lua cheia?

Os benefícios trazidos pelos enredos que contemplam assombrações, fantasmas, monstros e tudo que se relaciona ao medo das crianças é significativo e merece destaque. A criança quando se interessa pelo desenrolar e desfecho da história “mergulha” no ambiente de tal maneira que quando percebe está na pele do personagem, buscando alternativas e caminhos para se livrar da situação. Desta maneira, este artigo trabalhará a forma como as histórias de assombração podem auxiliar as crianças a vencerem os medos mais comuns vividos por elas nesta fase e como a família pode – e deve – intervir neste aspecto. Para isso, compreende-se tal universo a partir do conhecimento das ferramentas que o desestabiliza, que o enfraquece e o torna vulnerável e maleável, para que então a criança acredite que “não existe um monstro embaixo da cama querendo agarrá-la”.

OS MONSTROS E A FAMÍLIA

A definição da palavra “medo” no universo da psicologia ou psicopedagogia, encontra-se com relações próximas à angústia e perturbação frente às situações de ameaça real ou imaginária. Para a ciência, tais relações se fazem presentes durante toda a vida tanto nos animais como em seres humanos e são indispensáveis para a sobrevivência.

O universo da criança, que segundo do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) compreende a fase inferior aos doze anos de idade, está repleto de situações voláteis onde tudo é novo, mágico e muitas vezes ameaçador. Leva-se em consideração o caráter socializador da formação humana, sugere-se que as situações hostis vividas pela criança devem ser superadas em conjunto com todos os elementos que compõem o ambiente, para que desta forma, a criança aprenda a não ter medo. Ou seja, a família não pode eximir-se da responsabilidade de passar pela fase junto dos filhos, uma vez que o processo de aprendizagem da criança está em constante crescimento e é indispensável que se tenha um norteador, uma luz que ilumine o caminho a ser seguido.

Um forte aliado dos pais quando o assunto é driblar o medo dos filhos pode estar dentro de casa: uma pelúcia, uma boneca, um super-herói do desenho animado ou até mesmo uma revista em quadrinhos. Tudo isso pode compor uma atmosfera agradável, aconchegante e segura, afastando o perigo e a sensação de abandono que o medo proporciona.

Lidar com os medos dos filhos pode ser algo difícil e que requer um aprendizado não só por parte dos pequenos, mas também por parte dos pais. É natural que um pai ou uma mãe não saiba o que fazer ao se deparar com seu filho chorando no quarto afirmando veemente ter visto um fantasma passar rapidamente pela janela. Acalmá-lo pode ser uma tarefa que requer acima de tudo conhecimento. Para que a criança consiga ultrapassar a barreira que impede seu retorno ao mundo real e a aprisiona em seu mundo imaginário sombrio é necessário que os pais “mergulhem” neste universo cercado de mistério, medo e por vezes descontrole para que consigam compreender como este mundo funciona e o que fazer para desestabilizá-lo, para então desprender a imaginação. Não é fácil. A família necessita entender que o medo de assombração, fantasmas e bruxas estão inseridos em um universo que somente a criança se encontra naquele momento e que se queremos ajudá-la, precisamos “entrar” com elas e juntos descobrirmos o caminho de saída. Como sugere Martins, 2008:

[...] Torna-se importante a consciencialização que, só através do enfrentar dos desafios, é que conseguimos ultrapassá-los. Recorrendo à aceitação e validação dos sentimentos dos filhos, cabe aos pais ajudarem a criança na procura da forma mais eficaz de resolução do problema, ao invés da fuga [...]. Os medos, sendo marcadores do desenvolvimento da criança, funcionam como tarefas desenvolvimentais, às quais cabe à criança ultrapassar, resultando na promoção da autonomia da criança, no seu desenvolvimento emocional, que consequentemente se repercute ao nível do seu auto-conceito. O enfrentar dos medos evita que, a longo prazo, estes possam possuir uma dimensão patológica resultante em fobias [...].

Para o educador e filósofo Mario Sergio Cortella, “o medo na infância deve ter um tratamento inteligente pelos adultos. É preciso ajudar a criança a identificá-lo, examiná-lo e enfrentá-lo, sem fingir que é algo pequeno, porque, para ela, tem uma dimensão maior”. Assim como em uma praia onde algumas crianças necessitam acostumar-se com a areia para então entrar na água, o medo de assombrações e monstros da noite deve ser vencido vagarosamente. Minimiza-se a ideia de tentar acabar com as aflições a qualquer custo, de maneira forçada, pois isso pode não só agravar a situação como também tornar a criança tímida, introspectiva e um adulto dependente no futuro.

[...] uma regra de ouro para vencer os medos é enfrentá-los gradualmente, por aproximações sucessivas. Não há dúvida de que é essencial procurar perceber qual é a intensidade do medo, como ele é percebido pela criança e qual é a sua implicação na adaptação da criança ao seu contexto de vida [...]. (ALVES, 2010).

Destaca-se então o papel das histórias de assombração, contos misteriosos e personagens fictícios que compõem a atmosfera sombria dos medos na infância. O enredo presente em um conto de assombração faz com que a criança se sinta parte e por vezes na pele do personagem. A curiosidade é despertada e mantida a cada entrelinha do desenrolar da história, prendendo a atenção e despertando no leitor ou orador o interesse pelo desfecho da trama.

O folclore brasileiro e seus personagens é um forte exemplo da existência de estórias tradicionais e mitológicas que atravessam gerações carregando quase sempre um contexto de assombração e mistério. Lendas como a do Boitatá, Saci-Pererê, Negrinho do Pastoreio, Mula-sem-cabeça, Curupira e Iara estão cercadas de elementos que incentivam a criança a encontrar a melhor forma de se livrar de uma situação de risco ou vencer o vilão. Os pais podem criar situações onde o medo dos filhos se insira nas estórias de modo tão natural que quando a criança menos espera, já consegue trabalhar seu medo de maneira independente, superando esta fase complexa com a ajuda dos próprios personagens. Para Anéis (2012), “há muitos bons livros infantis que falam do medo e de como a personagem principal venceu o seu medo. As histórias permitem às crianças identificar-se com os heróis e projetar os seus medos nas histórias”.

NO CAIR DA NOITE, NO BALANÇAR DAS ÁRVORES

Para que tal universo possa ser compreendido, analisa-se um dos principais fatores que se faz presente na maioria das histórias de assombração: a noite. É neste momento em que o sol se põe, a maioria dos animais se recolhe, a lua é vista no céu e o mais importante: forma-se o cenário perfeito que amedronta os pequenos. Os pais vão para o quarto dormir, lá fora somente o som do vento batendo na janela ou a lâmpada balançando em frente à casa. Neste momento, todos os fatores que dão vida aos seres imaginários que, durante o dia, não representam mal nenhum como os vampiros, mas que ao entardecer e no cair da noite são relativamente invasivos e hostis no imaginário se fazem presentes.

O ambiente urbano se difere do rural também no aspecto medonho. Enquanto na cidade barulhos e sons provocados por elementos típicos da vida urbana, (buzinas, carros, lojas e máquinas) se sobressaem, no ambiente rural, a quantidade de possibilidades que podem ser criadas e recriadas pelo imaginário infantil relacionando com as assombrações da noite é talvez triplicada: a goteira do filtro pode simbolizar passos de um estranho pela casa, o cachorro que late lá fora, os cavalos que ficam inquietos e os grilos que silenciam quando alguém passa por perto somam elementos que afirmam: “tem algo errado por aqui”. Duas possibilidades podem ser consideradas: a criança que fica quieta na cama e somente observa, ouvindo tudo ao seu redor ou aquela que imediatamente chama pelos pais pedindo ajuda.

Sendo assim, extrai-se que a noite traz consigo um ar de mistério. Histórias com este tema sempre estão presentes quando se trabalha com o imaginário das assombrações. Se o enredo está na cidade, as explicações para os acontecimentos podem ser facilmente expostas, devido à pequena quantidade de possibilidades existentes. No rural, o leque de opções é maior e a dificuldade também. O ambiente rural por si só já é complexo, devido às origens das histórias relacionadas ao medo serem passadas de pai para filho ao redor da fogueira, criando e recriando mitos e lendas que rodam o país. Diante disso, conclui-se que os contos de assombração podem antecipar – mesmo que de maneira reduzida – os acontecimentos que possivelmente o imaginário infantil irá produzir na hora do sono. Com isso, a capacidade das crianças em lidar com essas situações – já vivenciadas – torna-se mais satisfatória e o medo tende a diminuir gradativamente com o tempo, juntamente com o apoio dos pais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A hora de dormir pode ser também um momento prazeroso. Para aquelas crianças que estão iniciando a alfabetização, livros ilustrados e desenhos podem contar-lhes histórias que facilitarão seu relaxamento. Aqueles que já leem, o ideal é sempre uma leitura antes do sono para acalmar. Outro fator importante é a rotina. Crianças que não possuem horário fixo para realizar tarefas tendem a apresentar dificuldades significativas no sono. Deixar a porta aberta ou o abajur ligado traz sensação de segurança. Lembre-se: assombração se vence com conhecimento. Ler uma história que aborde o tema, fazendo com que a criança incorpore o personagem e mande embora o monstro que mora embaixo da cama enquanto ela dorme é mais simples do que parece.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ALVES, Sandra. Os Medos das Crianças. Disponível em: <http://sandrraalves.bloguepessoal.com/284357/Os-Medos-das-Criancas/>. Acesso em: 19/07/2013.

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GOMES, Bruno Pereira. Os medos da criança. Disponível em: <http://aconversacompais.blogspot.com.br/2008/06/os-medos-da-criana.html>.

Acesso em: 27/07/2013.

LAJOLO, Marisa & ZILBERMAN, Regina. Literatura infantil brasileira: história e histórias. SP, Ed. Ática, 1985.

MARTINS, Aracy Alves. A escolarização da leitura literária. BH, Ed. Autêntica, 2001.

MARTINS, Raquel. O Medo na Criança. Disponível em: <http://educacaodeinfancia.com/o-medo-na-crianca/>. Acesso em: 27/07/2013.

Revista Crescer (online). Que medo todo é esse? – Março de 2009. Págs. 60-63. Disponível em: <http://www.cosacnaify.com.br/noticias/materia-crescer.pdf>. Acesso em: 19/07/2013.