Bioética

Para Leo Pessini, podemos analisar objetivamente 10 modelos de análise teórica entre os mais utilizados na Bioética. Todos os modelos são válidos e possuem relevância, contudo um destes paradigmas é fortemente criticado. Aponte quais os modelos de análise que realizam esta critica (critica direta e indireta), caracterizando-as.

O paradigma principalista está entre os modelos de análise bioética mais divulgados e tem como protagonistas Tom Beauchamp e James Childress. Esses autores propõem quatro princípios como orientadores da ação, beneficência, não-maleficência, justiça e autonomia. Na visão desses autores, os princípios não têm nenhuma hierarquia entre si. Em caso de conflito entre si, a situação em causa e suas circunstâncias é que indicarão o que deve ter precedência. Esse modelo tem ampla aplicação na prática clínica, em todos os âmbitos que a bioética se desenvolveu, com resultados bastante positivos em relação ao respeito pela dignidade da pessoa humana. Warren Reich aponta algumas vantagens desse paradigma na perspectiva da bioética norte-americana, “fornece um sistema metódico para os problemas que são, por sua natureza, complexos; aclara o pensamento nos debates sobre assuntos muito difusos, oferece uma precisão de linguagem em um mundo científico que considera a objetividade e a precisão como grandes valores e, sobretudo, os princípios ofereceram uma língua comum em um país pluralista que se tornou uma Torre de Babel ética."

O paradigma libertário, tendo como maior autor Tristam Engelhardt e tem como valores centrais a autonomia e o indivíduo. Inspirado na tradição político-filosófica do liberalismo norte-americano, baseada na defesa dos direitos e da propriedade dos indivíduos, justifica não só as ações decorrentes da expressão da vontade livre dos pacientes, mas até outras mais polêmicas, como as que assumem o corpo como propriedade do paciente, a saber: venda de sangue ou de órgãos. A noção de pessoa, da qual se excluem os embriões e os fetos por não possuírem consciência de si, é no mínimo controversa, mas, ao colocar a ética num plano secular para uma análise "mais neutra", Engelhardt recebeu boa apreciação.

O paradigma das virtudes reage à perspectiva individualista dos precedentes e apresenta o modelo da "virtude", defendido por Edmund Pellegrino e David Thomasma. Embasam-se na tradição grega aristotélica da ética das virtudes. Colocam a tônica no agente, particularmente nos profissionais da saúde, integrando o paciente no seu processo de decisão. Sendo a virtude uma disposição que se aperfeiçoa pelo hábito, enfatiza-se a ação pela educação dos profissionais da saúde e na prática clínica, o que conduziria à prática do bem. A grande dificuldade está em motivar os profissionais para o valor da virtude.

O paradigma casuístico incentiva a análise de caso por caso, num plano analógico. Não se assenta em quaisquer princípios orientadores para a ação. Cada caso deve ser analisado nas suas características paradigmáticas, estabelecendo-se comparações e analogias com outros casos. Defendido por Albert Jonsen e Stephen Toulmin e situa-se no extremo oposto da análise principalista.

O paradigma fenomenológico e hermenêutico enfatiza a necessidade de reconhecer que toda experiência está sujeita à interpretação. Existem sempre duas dimensões em cada situação, uma subjetiva e outra objetiva. A fenomenologia coloca a subjetividade entre parênteses numa tentativa de penetrar na situação em si mesma. Esse processo de clareamento permite a emergência de significados que podem ser analisados e partilhados. De forma similar, o modelo hermenêutico não valoriza tanto o caráter bipolar ou circular da experiência humana ao sublinhar a necessidade de aceitar a "alteridade", que, em cada situação, deve ser engajada como parceira num diálogo respeitoso. Essas abordagens apontam para a superficialidade relativa do modelo principalista. A experiência humana não pode ser facilmente capturada e dirigida para uma escolha moral informada por meio de simples imposição de regras e princípios abstratos.

Paradigma narrativo fornece o caminho de abordagem ao contar e seguir suas histórias, assim como culturas inteiras define seus valores e seu sentido de pertença por meio do mito e do épico. A narrativa é uma parte inseparável da vida, pois ao contar a riqueza da história surge o sentido, que vai além dos fatos tornando o modo narrativo um complemento poderoso do abstracionismo dos princípios formais.

Paradigma do cuidado defendido por Carol Gilligan que parte mais da psicologia do que da filosofia. O cuidado é uma virtude mais feminina e a justiça mais masculina. A moralidade feminina é percebida como responsabilidade para com os outros e os homens são opositores em relação ao outro que preza pelos direito e deveres – as mulheres colocam ênfase no tomar cuidado, em contexto de relação de alteridade. A intencionalidade personalista deste modelo tem sido muito valorizada para a superação de uma perspectiva exclusivamente técnica da medicina.

Paradigma do direito natural, apresentado por John Finnis, estabelece a existência de alguns bens fundamentais em si mesmos, o conhecimento, a vida, a vida estética, a vida lúdica, a racionalidade prática, a religiosidade e a amizade que são bens em si mesmos, fins e não meios, que não supõe nenhuma organização hierárquica entre si. É bom notar que este modelo de análise leva em conta o ser humano em sua integralidade numa perspectiva global da integração do homem na sociedade.

O paradigma contratualista, apresentado por Robert Veatch, precisa obedecer a princípios fundamentais como o da beneficência, o da proibido matar, o de dizer a verdade e o de manter as promessas, criticado pelo desconhecimento da prática clinica.

Por fim, dentre os mais importantes paradigmas bioéticos, temos o antropológico personalista, modelo defendido por vários autores como, Perico, E. Sgreccia, D. Tettamanzi, S. Leone, J.F. Malherbe, C. Viafora, S. Spinsanti. É o mais abrangente no cenário europeu. Trata-se de uma antropologia, filosófica, como conhecimento do homem enquanto sujeito na sua globalidade, e de uma filosofia humanista atenta em compreender o homem em todas as suas dimensões e, por isso, um humanismo mais integral possível. Não assume uma natureza descritiva, nem procura estabelecer normas de ação.

Antes, desenvolve um raciocínio deontológico, de fundamentação teleológica, que considera o ser humano, na sua dignidade universal, como valor supremo do agir. Procura enunciar as características essenciais da pessoa enquanto tal, inspirada nos trabalhos de Paul Schotsmans: unicidade da subjetividade caráter singular e irrepetível da pessoa como ser único e original, o caráter relacional da intersubjetividade, a pessoa é, por natureza e condição, um ser aberto aos outros e ao mundo e a comunicação e solidariedade em sociedade, responsabilidade social de cada pessoa na construção do verdadeiro humanismo numa perspectiva de justiça eqüitativa.

Esses modelos, como já colocado anteriormente, existem em diversas partes do mundo, ocorrendo muitas vezes uma interconexão entre eles, pela dificuldade de se explicar toda a riqueza ética, recorrendo-se a apenas um modelo básico.

A bioética desenvolveu-se, no seu início, a partir do paradigma do principialismo proposto pela obra de Beauchamp e Childress. Mais aos poucos foram surgindo críticas à tirania dos princípios. A crítica mais contundente foi levantada por Jonsen e Toulmin com o livro The Abuse of Casuistry em que contrapõem ao principialismo o paradigma da casuística.

Para eles, a metodologia adequada para a Bioética é a análise de casos e não a aplicação de princípios. Por isso tentam recuperar a importante e florescente casuística do início dos tempos modernos, libertando-a dos seus abusos e é de suma importância uma metodologia adequada para análise de casos e a solução de problemas ao nível da ética clínica e oferecer ferramentas para as críticas ao paradigma da casuística, apontando para a necessidade da hermenêutica como corretivo dos seus possíveis excessos e desvios. Para não cair num puro convencionalismo moral é importante interpretar os pressupostos que fundamentam as soluções concretas.

Por isso é conveniente que a bioética tenha duas faces complementares, uma casuística, para chegar a decisões práticas e eficientes e outra hermenêutica, que traz à luz as pré-compreensões teóricas que sustentam essas decisões.

Edvaldo Lourenço
Enviado por Edvaldo Lourenço em 02/05/2014
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