A Gênese das estruturas psíquicas

Na seqüência evolutiva do desenvolvimento psíquico da criança, alguns momentos se destacam de acordo com a linha estruturalista, pela importância de suas conseqüências. A capacidade de representação, adquirida com a aquisição da linguagem e do pensamento, é um desses momentos principais de sua constituição como sujeito. A criança é marcada desde muito cedo pela linguagem, pelo discurso da mãe.

Para a psicanálise, um sujeito se constitui no mundo pelo processo edipiano ou função fálica. O inconsciente do sujeito se forma a partir da cultura, inserida no espaço/tempo, e é introduzido no discurso da mãe, - o "Grande outro" materno. A mãe vai ensinando à criança o que é "ser humano" e, ao mesmo tempo, vai determinando a estrutura psíquica do novo ser.

A partir do nascimento a criança está alienada e se relaciona com a mãe, que não é necessariamente, a mãe biológica. Essa mãe vai satisfazendo as necessidades básicas e desejos daquela criança. Por volta dos 2 anos, a criança percebe o pai, e, esse entra na vida daquela criança. O pai entra como o terceiro naquela relação; entra como "pai simbólico", - incia-se as identificações. Ele entra com a função de interditar a criança junto à mãe e a mãe junto à criança, estabelecendo limites nessa relação, para que ele possa entrar como "pai simbólico", aquele que também deixa "marcas" na criança.

A psicanálise postula como "pai simbólico" o que faz a instância mediadora do desejo entre mãe e filho. Mas, esse pai precisa ser autorizado a entrar nessa tríade. Dependendo de como se processa esse desenrolar (mãe x criança x pai) se estabelecerá a estruturação psíquica do sujeito.

Neste sentido, a criança vai recebendo do adulto as instruções de como funciona a cultura na qual foi inserido, - os limites, as interdições (o pode e o não pode) e, vai se humanizando.

A cultura é o que estrutura, é o que humaniza o sujeito. Antes disso, a criança é apenas "uma coisa" - "Das ding", segundo Lacan. O pai simbólico é o mediador, se autorizado, atuará como estruturador do sujeito. O pai é apresentado à criança pelo discurso da mãe, de tal forma, que a criança possa entender que o desejo da mãe se encontra, ele mesmo, referido a ele, e, ao mesmo tempo, ao pai. Ou seja, o pai é para o filho o que o discurso da mãe faz dele. Logo, o que a mãe diz a respeito do pai entra no imaginário da criança e, ali se estrutura. O que é estruturante para a criança é o que ela possa "fantasmar" - uma figura de um pai imaginário, a partir do qual ela dimensionará o "pai simbólico" (aquele que chega para organizar, pois, entra como a lei). A criança identifica-se com o pai imaginário e não com o pai físico (real),e, não precisa ser necessariamente, o pai biológico.

A mãe é para a criança quem tudo sabe e, tudo pode, porque a mãe fala com a criança através da nomeação dos afetos. É dessa forma também que a mãe cria o imaginário da criança, as simbolizações, pois, é ela que apresenta o mundo à criança. Quando o pai fala com a criança, ela já está simbolizada, marcada pela mãe, ou seja, "a lei" já foi internalizada por ela.

É importante que a mãe apresente o pai à criança através do seu discurso, como aquele que também "sabe". Se a mãe é autoritária, centralizadora, controladora, obsessiva, não permitirá que o pai entre na relação. Não haverá um "outro" entre eles, ou o "outro" está destituído de poder, não terá autoridade, e respeito perante o filho(a). Pois, é a mãe quem autoriza a criança a obedecer a outrem e, ela própria mostra a ele que ela também cede, quando necessário, obedecendo a outrem, não sendo a única a estabelecer "a lei", os limites.

Para a psicanálise, o lado homem é totalmente determinado e circunscrito pela “função fálica”, isto é, “assujeitado” à castração simbólica: "é pela "função fálica" que o homem como um todo toma inscrição. O homem é então tido como limitado - O limite, a lei da "proibição do incesto", como vimos, é a função do pai -, mostrar ao filho (a) que aquela mulher é dele; que há regras e limites na cultura. Mas, todo esse universo não é completo à constituição do todo, deixando fora a exceção, constitui um todo incompleto. O homem se depara com um limite estabelecido pela cultura e, não pode tudo. O lado feminino é afetivo, não há exceção, não há limite, não há forma de fazer tudo, o que permite escrever a inexistência do "significante mulher", no que tange a constituição de um sujeito, pois o homem tem o "falo" (a lei da interdição).

A função fálica no homem é circulante. Pode ser exercida por várias pessoas, em momentos diferentes. Assim, o pai ou outro "embaixador" da lei, da ordem, da cultura poderá estabelecer limites em momentos adequados à criança, favorecendo assim o que se chama "castração". Podemos dizer que castrar é o "pode" e o "não pode" bem simbolizado. Essa função pode ser circulante, ou seja, exercida por várias pessoas, em momentos diferentes. Em outras palavras, castrar é impedir a criança de ser o "único" desejo da mãe e, ao mesmo tempo, impedir que a mãe tenha o filho(a) como seu único desejo.

No enfoque psicanalítico, a castração é dupla e tem em seu cerne a "proibição do incesto". Castrar é introduzir a lei da cultura na criança. Quando a criança está alienada à mãe, essa sacia todos os desejos da criança indefesa, - a criança deseja essa mãe, e quer tê-la só para ela, - é no seio da mãe quando bebê que experimentou o primeiro prazer. E esse prazer de que Freud trata não tem nada a ver com "sexual", é pura libido.

A ausência da mãe, angustia a criança até os 3 anos,pois, ainda há essa alienação. A alienação existe, mas, há de haver a separação. As operações de alienação e separação são articuladas no "estádio do espelho". A criança se encontra alienada no desejo da mãe, isto é, submetida a um "significante mãe" que a condena a não ser nada sem ela, já que o sujeito do inconsciente fica petrificado no momento em que escolhe o sentido que lhe é dado pelo "Grande outro", mãe. Ao postular a separação, vai-se encontrar o outro tempo desta lógica -, o momento de fechamento do inconsciente -, incorre na identificação constitutiva; entra a "pulsão invocante", - uma voz que chama o sujeito-criança a ser ele mesmo, sujeito único desalienado. O desejo da mãe sempre convoca o sujeito a ser alienado. Com a separação, vislumbra-se o momento da abertura do inconsciente, onde se dá o corte nos significantes – o sujeito vê a si mesmo aparecer no campo do Outro -, vê que seu desejo é o desejo do Outro.

Esta descoberta, imagem antecipada marcará a criança ao processo de diferenciação entre ela e o "Outro mãe". Tal diferenciação advém do processo complexo, que Lacan (1949/1998) nomeou de "Estádio do Espelho". Este processo está correlacionado com o papel da separação na relação mãe-criança, no sentido de que, ao se apropriar do seu corpo, a criança delimita-o, separando-se do corpo e dos desejos maternos. Desta maneira, atravessa mais um processo constituinte da sua subjetivação.

Podemos dizer que com o passagem pelo "Estádio do espelho", há uma ascensão do sujeito, representada pela passagem de” infans” para criança, através da aquisição da linguagem, mesmo que de forma rudimentar. Durante o seu processo, o registro simbólico se torna presente através do Outro que, para antecipar a imagem unificada da criança, utiliza-se da linguagem, da fala. É a linguagem que poderá marcar a diferenciação entre o “eu” e o “não-eu” para a representação do corpo próprio, como estruturante para a subjetivação do “eu”.

A criança desde cedo é pura pulsão, pura libido. Ela deseja tudo de forma grosseira, rude, bruta. É preciso que seja impedida de satisfazer suas pulsões de forma selvagem. A cultura, através dos "Grandes Outros" (mãe, pai, parentes, professores, amigos...) diminui a grosseria das pulsões, adaptando-a ao mundo civilizado. A criança se designa ai, através da falta do seu objeto de desejo (mãe), como sujeito desejante e significará, na linguagem, o objeto primordial do seu desejo. Quando a pulsão é impedida de funcionar como ela surge, ela é "recalcada" e pode voltar sob forma de sintomas, fantasias, sonhos, etc. Por exemplo, quando da "castração" - retirada do seio; a ausência da mãe e, outros objetos de desejo foi exercida de modo frágil, sem consistência, inadequados ou quando é excessivamente exercido, com uma repressão exagerada, o que se percebe é a constituição de diferentes estruturas psíquicas.

Freud considera três estruturas de base da psique: Estrutura Neurótica, Estrutura Psicótica e, Estrutura Perversa. Usando a metáfora do “princípio de cristal”, Freud indica que ao descompensar-se (quebrar-se), a estrutura da "psique" seguirá as linhas pré­-estabelecidas pelos elementos psíquicos fundamentais que a constitui. Assim, um sujeito de estrutura neurótica não poderá desenvolver senão uma neurose obsessiva; o sujeito de estrutura psicótica senão uma psicose ou esquizofrenia; a estrutura perversa, uma doença patológica grave, como a psicopatia.

Se o sujeito se funda pela função paterna, ou seja, "função fálica", e se o pai é “Pai Simbólico” -, houve identificação; aquele que simbolizou, marcou a criança com seu desejo; tem-se ai a dimensão incontestável do simbólico como a ordem que permanece, no final, determinante na eleição da estrutura psíquica daquele sujeito.

Neste sentido, nós os neuróticos “tidos como normais”, somos movidos a pulsão e, estamos conectados ao simbólico. Já o autista, não é epistêmico (não analisa, não tem raciocínio lógico, não reflete e, não simboliza). Ele está conectado ao real, sempre no período sensório-motor -, é o período da vida do ser humano compreendido entre o nascimento e os dois anos de idade, segundo Jean Piaget. Por isso, no autista não há princípio seletivo de tempo. Se instala outra coisa no caso do “estádio do espelho”-, expressão criada por Jacques Lacan, 1936, para designar um momento psíquico da evolução humana, situado entre os 6 e aos 18 meses, durante o qual a criança antecipa o domínio sobre a sua unidade corporal através de uma identificação com a imagem do semelhante e da percepção da sua própria imagem num espelho. Esse estádio culmina com o momento em que ela se reconhece como sujeito e, o “eu” aparece quando se refere a si próprio. Antes da imagem especular, do reconhecimento de si, há mimetização, a criança imita as ações do outro. A agressividade na criança neurótica também nasce na passagem do estádio do espelho.

Para Lacan, a atividade da criança diante do espelho revela não apenas um certo “dinamismo libidinal” como também uma “estrutura ontológica do mundo humano”, é como uma "matriz simbólica” constitutiva do “eu”, e define o “eu” ideal como uma “forma”, espécie de estrutura a servir como decreto para a vida psíquica posterior do sujeito. Afirma ainda que o fenômeno possui dois tipos de valor: um valor histórico, por marcar um momento decisivo no desenvolvimento mental da criança, e o valor de representante de uma relação libidinal essencial com a imagem corporal.

A imagem unificada no humano não o retira da comparação com o animal. No lugar da “memize” vai entrar a identificação -, “eu faço como se eu fosse o outro -, diferente de achar que sou o outro. Se a criança não entrar na identificação, não vai para o estágio simbólico, como é o caso da estrutura autista.

A criança neurótica se reconhece como sujeito único no estádio do espelho e, ocupa um lugar ou outro. Se a criança entra na fase projetista, ou seja, tem a imagem do outro como referência, para Lacan houve "amalgamento", não desenvolvimento, e, isso entra na estrutura psíquica daquele sujejto.

Neste sentido, é no "Outro" que o sujeito se identifica, se projeta e, se experimenta desde a imagem especular, pois essa imagem tem efeito formador da função do “eu”.

Contudo, a quebra definitiva da alienação da criança com a mãe ocorre durante os três tempos do Édipo, postulados por Lacan. Durante o primeiro tempo, o predominante é a relação fusional entre a criança e a mãe , - a criança está sujeita ao desejo desta. Com o surgimento da dialética de ser ou não ser o “desejo” da mãe -, é anunciada a entrada no segundo tempo do Édipo, no qual a presença paterna se faz sentir presente, com a intrusão do genitor na relação "mãe x criança". Este tempo é fundamental para a entrada da dimensão simbólica na vida da criança, através da lei do pai (interdição), também denominado por Lacan de “recalque originário”, a qual eleva o pai à dignidade de pai simbólico. O genitor então se mostra como um suposto “objeto do desejo da mãe”, colocando a criança na dialética de ser ou não ser o único desejo da mãe. O terceiro e último tempo anuncia o declínio do Édipo. Aqui o pai precisa comprovar sua posse e, o seu lugar na tríade e, a sua lei é percebida de maneira simbólica pela criança, não é algo que pode ser imposto, acontece de forma subjetiva.

O tratamento dado à relação mãe-criança pela psicanálise pode ser enxergado pela forma como as diferentes correntes psicanalíticas abordam a relação criança-objeto. É nessa perspectiva que abordo a relação mãe-criança, da forma como é analisada por Lacan e, alguns psicanalistas pós-freudianos, de modo menos complexo, para esclarecer a teorização acerca da gênese das estruturações psíquicas.

É nessa abordagem que podemos entender como a transmissão de valores essenciais; a forma de amar; de acolher; de fazer escolhas; de dizer o que sente, tem muito da forma como cada sujeito foi estruturado na relação mãe-criança e, no desenrolar da tríade "mãe x criança- pai".

Entender que é por meio dos semelhantes com quem convivemos, primeiramente, a mãe, que é exercício de amor, afeto e compreensão, depois, o pai e, nossos mestres, que o desejo encontra as vias possíveis para sua circulação, que segue diferentes demandas dirigidas ao sujeito.

Todo ensinamento Freudiano, tal como Lacan esforçou-se para lembrar e elucidar leva-nos a entender a exata medida dessa função principal do simbólico no curso do destino psíquico de cada sujeito.

... Alinhavando os meus estudos e leituras em Freud e Lacan, desde 2007 -, Maria Teixeira.

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MariaTeixeira
Enviado por MariaTeixeira em 30/05/2014
Reeditado em 13/10/2014
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