Reflexão sobre práticas de leitura e escrita no Brasil: uma proposta de mudança de paradigma.

Reflexão sobre práticas de leitura e escrita no Brasil: uma proposta de mudança de paradigma.

Para começar, é importante esclarecermos, que por práticas de leituras, não entendemos apenas aquelas práticas que levem à apreensão do conhecimento a partir da análise e interpretação de um determinado texto ou obra específica, mas principalmente aquelas que contribuam para o desenvolvimento da capacidade de ler, compreender, pensar e refletir sobre o mundo e sobre a própria realidade particular em conexão com esse mundo.

Quanto às práticas de escritas, salientamos que elas vão muito além da mera capacidade para escrever um texto sobre determinado tema, de acordo com determinadas regras gramaticais. Por práticas de escritas, entendemos também, e principalmente, a capacidade de escrever a própria história e de conseguir colocá-la não apenas no papel, mas de inseri-la num dado contexto sócio-histórico, político e cultural.

Nessa perspectiva ler e escrever está na base de qualquer educação, mas a forma como serão desenvolvidas às práticas de leitura e escrita nos coloca frente a dois projetos de educação: o projeto da “educação bancária”, amplamente discutido por Paulo Freire em suas obras, é o projeto dominante e hegemônico; o qual vê a escola como espaço de reprodução de valores sociais e o aluno como mero depositário desses valores.

O outro projeto, também amplamente discutido por Freire, seria a educação para conscientização e emancipação. Esta seria, portanto, uma educação cujo objetivo seria restituir ao aluno o papel de sujeito, não o tratando mais como mero objeto. Haveria, então, uma mudança de paradigma: a escola deixaria de ser um espaço de reprodução para se transformar num espaço de construção da cidadania.

No entanto, um grande desafio para caminharmos nessa direção é procurarmos desenvolver em nossas escolas, atividades as quais possam transformar a leitura em algo vinculado ao cotidiano do aluno e não apenas em algo restrito ao ambiente escolar. Isso poderia ser feito a partir da leitura de textos e obras que trouxessem temas ligados à problemática de vida dos discentes.

Outro desafio seria o de mudar o contexto das práticas de leituras, estas não seriam mais encaradas como atividades rígidas e formais, nem serviriam apenas como base para futuras avaliações. Como estratégia de construção de um novo paradigma, essas práticas seriam realizadas em um contexto de diversão, entretenimento, ou seja, seriam atividades didático-culturais, as quais buscariam por meio da identificação do aluno com o texto lido, tornar a prática de leitura parte constitutiva de seu cotidiano.

Quanto às praticas de escritas, as escolas deveriam procurar desenvolver nos alunos a capacidade para escrita, a partir de discussões sobre temas sócio-históricos, políticos e culturais importantes, levando sempre em consideração, a própria realidade social e cultural de seus alunos.

Transformar o viés educacional de reprodução para o viés educacional de conscientização perpassa ainda pela liberdade nas escolhas bibliográficas. O professor deve colocar a disposição do aluno um acernal bibliográfico relacionado ao tema, cabendo ao aluno escolher as obras que mais lhe interesse. E mais ainda, o aluno deve ter o direito de escolher outras obras bibliográficas que não constem do programa oferecido pelo docente, desde que estas se relacionem com o conteúdo programático.

Partimos agora para um âmbito mais crítico e polêmico desse artigo: para que haja a mudança de um modelo escolar reprodutor para um que vise à construção da cidadania, se faz necessário equalizar as relações de forças e de poder presente nas instituições de ensino, o que incluiria possibilitar ao discente a participação na elaboração dos conteúdos programáticos.

Isso porque para que o aluno deixe de ser mero objeto receptor de uma “educação bancária” se faz necessário possibilitar instrumentos para que ele possa se tornar sujeito de sua própria educação. E nesse sentido, a participação nos processos escolares seria um importante instrumento para que o discente deixe de ser um mero acessório da escola, para se tornar participante de toda conjuntura escolar.

Está na hora das escolas brasileiras reconhecerem o aluno como pessoa de direito, e buscar práticas de leituras e escritas que permitam a construção efetiva desse sujeito. Não se trata de construir “fantoches”, mas homens conscientes e livres, capazes de contribuir conscientemente e livremente para a construção da cidadania.

Para terminar, a mudança de paradigma de escola reprodutora para escola cidadã (ou emancipatória) deve passar pelo reconhecimento de que a educação deve servir como instrumento de libertação e não de opressão. Mas, para que essa mudança ocorra é necessário construir um novo projeto de escola, no qual se elimine o jogo de poder presente nesta instituição, o qual contrapõe professor a aluno em uma hierarquia em que o primeiro manda e o segundo obedece. Como tanto queria Paulo Freire, um projeto de educação cidadã envolve alunos e professores não como categorias opostas, mas como categorias unidas e dispostas a caminhar juntas em prol de uma sociedade justa e plena de direitos.

Marcos Welber
Enviado por Marcos Welber em 04/06/2014
Código do texto: T4832275
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