A trajetória histórica do insucesso escolar

Consultando a literatura sobre a problemática estudada, constatamos que o fracasso escolar é, ainda nos dias atuais, considerado como um grande entrave social que continua perpetuando-se através dos altos índices de reprovação e evasão escolar. Para Bossa (2002, p. 12), o fracasso escolar é considerado como um sintoma escolar que significa “um entrave que faz sinal [...] que se refere a todo tipo de entrave que leva ao fracasso escolar, seja docente, seja decorrente de aspectos culturais, sociais, familiares, pedagógicos, orgânicos, intrapsíquicos”.

Sob o ponto de vista da teoria da psicopatologia da aprendizagem e a visão psicanalística das inúmeras obras de Freud, a autora supracitada destaca que o fracasso escolar é tido como um sintoma escolar por conta que a vida escolar é uma dimensão escolhida para a ocorrência do sofrimento do indivíduo que vem sofrendo por não-aprender, somando-se a outros fatores de sua vida pessoal ou social. Quanto a esse aspecto, Bossa( 2002, p. 59) menciona que o fracasso escolar é:

uma ideia de sintoma como um entrave que sinaliza para alguém que alguma coisa não vai bem. Um sinal que é preciso interpretar, decifrar [...]. Muitas crianças escolhem inconscientemente a área escolar para manifestar um sintoma. O apelo do não-aprender tem na angústia o seu motor. Mobiliza, comove, traz à tona uma verdade, a verdade do sujeito. Essa afirmação é fruto de uma prática de longos anos de atendimento a crianças que se queixam de dificuldades de aprendizagem escolar. O atendimento clínico revela-nos que, para além das queixas, há o peso das tensões e interferências da dinâmica emocional inconsciente dos adultos que vivem à volta das crianças.

Tratar a questão do fracasso escolar requer, a princípio, uma análise crítica sobre a historicidade desse fenômeno como forma de compreendermos as concepções teóricas sobre o tema abordado e sua íntima relação com os dilemas vividos pelos sujeitos. Desse modo, apresentamos a seguir uma abordagem histórica dessa problemática.

1.1 VISÕES DO FRACASSO ESCOLAR

Para falarmos em fracasso escolar, devemos necessariamente discutir os problemas de aprendizagem que, por sua vez, são um dos fatores que mais ocasionam o insucesso escolar dos alunos. A esse respeito, Mantovanini (2001, p. 25) relata que as explicações produzidas ao longo dos anos se agrupam entre três abordagens históricas: o enfoque orgânico, que enfatiza os aspectos genéticos do sujeito que aprende; a teoria interacionista, a qual, por outro lado, enfatiza o psicológico e a influência do ambiente como fator determinante para o sucesso/fracasso escolar e, por último, uma abordagem mais atualizada, que procura justificar as questões do problema de aprendizagem e do fracasso escolar numa perspectiva interdisciplinar e multidimensional.

No início do século XX, imperava a ideologia do dom, segundo a qual as causas do sucesso ou do fracasso na escola baseavam-se, apesar das desigualdades sociais, na igualdade de oportunidades. Essa abordagem explica que a escola oferece igualdade de oportunidade, mas dependerá exclusivamente do dom de cada indivíduo, ou seja, o aluno deverá ter aptidões para que possa lograr êxito a partir de suas aptidões.

Soares (1996, p. 53) explica que, segundo a ideologia do dom, a escola não seria responsável pelo fracasso do aluno, ou melhor, a causa estaria na ausência de condições básicas do próprio aluno para sua aprendizagem, as quais ocorreriam na presença de determinadas características indispensáveis ao bom aproveitamento daquilo que a escola oferece. Nesse período, Patto (1999, p. 25) nos informa que a utilização de testes psicométricos (ex: a escala de inteligência de Binet e Simon) “acabava por legitimar as deficiências ou diferenças individuais, como forma de atribuir a culpa do fracasso escolar ao próprio aluno ocasionando, portanto, a segregação dos indivíduos através da mensuração das capacidades cognitivas .

Após a visão organicista, na década de 30, surge uma abordagem interacionista que vê o aluno como um sujeito que interage com o ambiente em que se encontra inserido, ou seja, o sujeito interage com o objeto de conhecimento. Essa visão destaca que “o meio é determinante para o desenvolvimento de sua aprendizagem”. A partir dessas características, Scoz (1994, p.19) destaca que ”a criança considerada como ‘anormal’ é vista como uma ‘criança problema’ retratando, portanto, o insucesso do próprio aluno”. Mantovanini (2001, p. 25), também, esclarece que:

as causas para anormalidade, até então de natureza anatomo-fisiológica, passam a ser pesquisados na história e nas circunstâncias de vida do indivíduo. A maioria das crianças classificadas como anormais não era portadora de nenhuma anomalia mental, mas sofria a ação das causas externas. Vítimas da incompreensão do adulto, do seu meio, da sua família, da escola, as crianças foram anormalizadas pelo meio.

As duas abordagens mencionadas, apesar das características distintas têm, porém, o mesmo significado, porque enfatizam as condições bio-psicológicas como fator predominante para aprendizagem do aluno. Segundo a essas concepções, cabe ao educando a responsabilização de ter ou não sucesso na escola. A esse respeito, Bossa (2002, p.12) afirma que “a instituição objetiva responder a um ideal de educação e traz consigo a dimensão do impossível”. A colocação da autora nos mostra que o sucesso escolar do aluno depende, exclusivamente, do rendimento e desempenho dele frente às situações de aprendizagem. A escola nesse contexto, não era questionada já que a culpa do fracasso escolar é resultante do desempenho insatisfatório do aluno, à sua incapacidade de adaptar-se, de ajustar-se ao que lhe é oferecido, como explica Soares (1996, p.11):

esse conceito está presente na escola e internalizado nos indivíduos que o aluno sempre culpa a si mesmo pelo fracasso, raramente pondo em dúvida o direito da escola de reprová-lo ou rejeitá-lo [...] é este que se volta contra a escola, por incapacidade de responder adequadamente às oportunidades que lhes são oferecidas.

Dessa forma, o aluno é injustiçado quando se sabe que múltiplos fatores sempre comprometem a sua aprendizagem para manter inquestionável o papel da qualificação do sistema educacional brasileiro ao culpá-lo pelo seu desempenho. Cabe mencionar que o fracasso escolar é uma situação preocupante, pois se constitui como fator excludente que, cada vez mais, viola os princípios legais de uma escola aberta para todos. Ao falar de fracasso escolar devemos entender que quando o aluno fracassa na escola, um dos argumentos para justificar este fenômeno está embutido no imaginário dos professores e da própria escola ao atribuir as causas deste fenômeno as dificuldades de aprendizagem do aluno, como também a falta de estrutura familiar do sujeito (aluno). Para retratar a situação educacional de nosso país, Patto (1999, p. 21) esclarece que

é nas séries iniciais que o tráfego escolar fica congestionado: um grande contingente de crianças em idade escolar atualmente fora da escola, aí não está não somente porque nunca chegou a ter acesso aos bancos escolares, senão porque deles foi eliminado prematuramente. A maior prova disso é a precocidade e a severidade com que se revela o processo de seletividade escolar, na medida em que, já no primeiro degrau da escolaridade, isto é, na passagem da primeira para a segundo série, ainda são retidas cerca de metade das crianças.

Como podemos perceber o fracasso escolar é, historicamente, considerado como um dos mais graves problemas que vem atingindo o cenário educacional brasileiro. O termo “fracasso escolar” geralmente é visto como a principal consequência das dificuldades de aprendizagem e escolarização. Convém lembrar que o fracasso escolar, fenômeno identificado pelas altas taxas de repetência e evasão escolar, acaba inevitavelmente gerando outra problemática em nossa sociedade: a exclusão escolar ou, até mesmo, a exclusão social. Nesse sentido, Dornelles (2000, p. 26) afirma que:

É importante considerar o problema da exclusão da escola como parte do mesmo processo que se evidencia pelos conhecidos indicadores do chamado “fracasso escolar” das crianças em tempo de escolarização. Com efeito, tanto a exclusão como a repetência e os ‘maus’ resultados escolares, em geral, são faces de um mesmo e único fenômeno, ou seja, constituem evidência de que a escola que se diz não só como aberta a todos na realidade é extremamente seletiva, só conseguem completá-la uma minoria de crianças da classe trabalhadora.

Em consonância essa afirmação, Marchesi (2005, p. 61) pontua que “nenhum aluno está a priori a fracassar na escola, mais os riscos vão acumulando-se ao longo de sua história pessoal e escolar”. É importante mencionar que, segundo a teoria sócioconstrutivista, o aluno assume o papel de sujeito e construtor ativo de própria sua aprendizagem. Sendo assim, todo processo de ensinar e aprender é regida pela interação do sujeito (aluno) juntamente com o professor que será o mediador ou facilitador da aprendizagem na construção e sistematização do conhecimento, ou seja, o conhecimento será o objeto a ser apreendido pela relação professor-aluno no espaço escolar. Vale enfatizar ser de extrema importância que o educador possa intervir de forma positiva e construtiva no processo de ensino aprendizagem de seus alunos. Nesse sentido, Kullok (2002, p. 10) afirma que

o processo de ensinar implica em uma nova forma de conceber a sala de aula que deverá ser não apenas um local de transmissão, mas, principalmente, um espaço de construção em que é necessário que o professor reveja o seu modo de ensinar e de conceber o ensino.

É importante ressaltar que é responsabilidade da escola e, em especial, do professor intervir como mediador no processo de ensino-aprendizagem de seus alunos. Com esta finalidade, tanto os professores como a escola devem refletir sobre seus papéis, buscando ter como prioridade a promoção de alternativas eficazes para reduzir os altos índices de fracasso escolar durante o ano letivo.

É evidente que, ao se tentar promover uma prática pedagógica eficaz, é necessário que o professor esteja comprometido com sua prática educativa, principalmente, ao lidar com alunos que fracassaram na escola. Quanto a isso, Melchior (2004, p. 95) esclarece que “os educadores não podem esquecer que o envolvimento do aluno vai depender de muitos fatores, a confiança que o professor deposita no aluno, ou sua autoconfiança”.

Neste sentido, cabe mencionar que a vida escolar do aluno precisa tomar o lugar central do debate e das ações da escola como forma de evitar a desmotivação, autoconceito negativo sobre seu desempenho na escola, através de uma possível repetência ou evasão escolar. Sendo assim, espera-se que o professor e a escola não venham de encontro às desilusões do aluno pela escola.

REFERÊNCIAS

BOSSA, Nádia Aparecida. Fracasso escolar: um olhar psicopedagógico. Porto Alegre: Artmed, 2002.

CORDIÉ, Ana. Os atrasados não existem: psicanálise de crianças com fracasso escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

KULLOK, M.G.B. (org). Relação professor-aluno: contribuições à prática pedagógica. Maceió: EDUFAL, 2002.

MANTOVANINI, Maria Cristina. Professores e alunos problema: círculo vicioso. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001.

MARCHESI, Álvaro. Fracasso escolar e avaliação dos alunos. In: Pátio-Revista pedagógica. Ano IX, n. 34, maio/julho de 2005.

MELCHIOR, M. C. O Sucesso Escolar Através da Avaliação e da Recuperação. 2ª ed. – Porto Alegre: Premier, 2004.

PATTO, Maria Helena Souza. A produção do fracasso: histórias de submissão e rebeldia. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999.

SCOZ, B. Psicopedagogia e Realidade Escolar – O Problema Escolar e de Aprendizagem. Petrópolis (RJ): Vozes, 1994.

SOARES, M. Linguagem e escola – perspectiva social. São Paulo: Ática, 1996.

WEISZ, T.; SANCHEZ, A.. O Diálogo Entre o Ensino e a Aprendizagem. São Paulo: Ática, Coleção Palavra de Professores. 2001.

* Lucília Santos – Formação Internacional em Professional e Self Coaching, Leader Coach, Analista Comportamental e Analista em 360º pelo IBC. Graduada em Pedagogia e em Psicopedagogia aplicada à Educação. Especialista: Neuropsicologia, Psicopedagogia Clínica, Institucional e Hospitalar, MBA em Gestão de Recursos Humanos e em Neuropsicopedagogia Clínica. Professora na Educação Básica e Ensino Superior. Atua como coach, professora, palestrante e escritora.

Lucília Santos
Enviado por Lucília Santos em 22/04/2015
Reeditado em 04/07/2018
Código do texto: T5216738
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