Quem são os responsáveis pela existência do insucesso escolar?

Quando um aluno não obtém sucesso em seu desempenho escolar, ele é culpado ou vítima da escola? Quando um aprendiz não consegue avançar nas atividades escolares é por imaturidade ou incompetência para aprender ou é devido à ausência de uma prática pedagógica eficaz? Se um educando não solidifica sua aprendizagem é por não se interessar pelo conteúdo transmitido pelo professor ou, quem sabe, por apresentar um distúrbio comportamental ou de aprendizagem?

Como percebemos, são inúmeras dúvidas que surgem sobre como analisar o fracasso escolar de um aluno, isto é, nos indagamos: a quem atribuir a culpa pelo insucesso de um educando com dificuldades de aprendizagem? Buscar compreender a problemática dos altos índices de reprovação e evasão escolar é fundamental para que possamos analisar os fatores que contribuem para o fracasso escolar, pois segundo Melchior (2004, p. 22): “a criança ou jovem tem a obrigação de vencer na vida de dominar obstáculos, e é dever da sociedade oferecer um sistema escolar que assegure o êxito de sua clientela”.

Vale lembrar que as obras que compõem o presente estudo trazem como base comum os aspectos sociais em que nossa sociedade vem enfrentando ao longo da sua existência. Neste aspecto, podemos inferir que o fracasso escolar é oriundo dos problemas sociais cada vez mais diversificados e complexos e estes, inevitavelmente, vêm com os estudantes para a escola.

Sendo assim, o fracasso escolar é produto da evolução da estrutura social de nossa sociedade contemporânea porque, assim como a transformação de uma sociedade capitalista traz no seu bojo benefícios almejados pelos indivíduos, há também os malefícios como resultados negativos de uma evolução histórica. Diante dessas circunstâncias, a autora supracitada acima aponta que:

os educadores, muitas vezes, se sentem impotentes, na solução de problemas educacionais que são consequência do contexto do aluno. Não adianta apenas identificar as dificuldades, é necessário que se unam governo, a escola e a família para encontrar alternativas de solução para minimizar os fatores que estão dificultando a aprendizagem, sejam estes originados no contexto social ou na escola ( MELCHIOR, 2004, p. 29).

Ao assumir uma classe, o professor necessita estar consciente de todos os obstáculos que se apresentam ao longo de sua atuação docente, devendo estar preparado com certa dosagem de perseverança para vencer os obstáculos durante seu fazer pedagógico. Sabemos que esta responsabilidade não é uma tarefa de fácil execução, uma vez que as cobranças são muitas e, às vezes, a ajuda é quase inexistente. Sendo assim, compreender o fenômeno da aprendizagem e não-aprendizagem é uma tarefa difícil tanto para quem ensina como para quem aprende.

A esse respeito, Melchior (2004, p.14) alerta que “ao invés de procurar pelos culpados do fracasso escolar, é necessário procurar os fatores que geram o sucesso, ao invés de trabalhar em cima de aspectos negativos”. Historicamente, as classes de alfabetização juntamente com as séries iniciais do ensino fundamental geralmente são formadas por crianças que apresentam certo grau de dificuldades na leitura e na escrita, ou seja, com problemas de aprendizagem que vão, gradativamente, constituindo-se em grandes obstáculos na trajetória escolar desses alunos.

Cabe destacar que o fracasso escolar, por via de regra, traz em seu bojo outras problemáticas – exclusão escolar e social. Cabe mencionar que através desses mecanismos excludentes, a clientela estudantil acaba recebendo estereótipos como uma forma estigmatizar cada vez mais a sua vida escolar dos alunos através dos seguintes rótulos: “repetentes”, “ evadidos”, portanto, “fracassados”. Com base nisso, é necessário considerar a importância da atuação docente em relação aos obstáculos vivenciados no cotidiano escolar, pois segundo Mello ( apud Melchior, 2004, p. 22) destaca que:

os professores não sabendo encontrar as soluções para as dificuldades reais de aprendizagem, limitam-se a prever o fracasso, mas dificilmente assumem sua própria incapacidade e devolvem para o aluno, por meio de justificativas estereotipadas e preconceituosas, a culpa por este fracasso.

Diante deste quadro, o professor acaba se angustiando e tentando, de alguma forma, camuflar ou desculpar-se diante dos problemas enfrentados. Vale mencionar que o papel solicitado ao professor é, acima de tudo, de uma atuação constante de modo que possa atender a todos e, em especial, os alunos marcados por uma trajetória de insucesso escolar.

Por outro lado, parece bem evidente que a realidade escolar com salas superlotadas, insuficiência de recursos didáticos e outras inúmeras dificuldades acabam dificultando a execução de uma prática educativa eficaz. Assim, Mantovanini (2001, p. 136) frisa que “o professor frustra-se com suas condições de trabalho, que certamente são adversas, até porque quanto maior é a idealização, o sonho, maior será a irritação e o cansaço causados pela decepção de ter de lidar com as limitações impostas pela realidade”.

Quanto a esse aspecto, percebemos que o fato de aprender a ler e escrever tem como principal sustentação o exercício permanente de coragem e persistência tanto por parte do professor como do próprio aluno diante dos inúmeros obstáculos enfrentados na escola.É importante destacar que apesar das dificuldades encontradas é imprescindível uma prática reflexiva sobre como se desenvolve as funções do professor e da própria escola, pois sem detectar a possíveis falhas ou carências de suas atribuições obrigatórias, a escola brasileira continuará delegando a culpa do fracasso ao próprio aluno, sua família e sua condição socioeconômica.

Neste aspecto, percebemos que a escola não está ensinando o aluno a construir e, ao mesmo tempo, cultivar uma identidade de sucesso que necessita para ser estimulado a permanecer na escola com um desenvolvimento saudável para sua aprendizagem. Quanto a essa atitude da escola, Mantovanini ( 2001, p. 36) acrescenta que:

na maioria as vezes, quando o estudante, ou mesmo os professores comunicam resultados negativos aos pais, automaticamente, estes culpam os filhos pelo fracasso, vindo a confirmar o dito do professor. É como não é contestado e nem questionado em nada, o aluno passa a ser culpado pelo fracasso.

Quando o professor não tem condições mínimas para garantir um ambiente propício para a aprendizagem do aluno, sua prática docente fica comprometida, pois não se utilizam metodologias ou estratégias eficazes para conduzir o processo de ensinar e de aprender. Como se pode observar, o professor, quando não consegue garantir um ambiente favorável à aprendizagem do aluno, frustra-se, principalmente quando reconhece que é de extrema importância o seu desempenho para que os alunos obtenham êxito escolar.

É da competência do educador ter uma visão transformadora e construtiva de sua atuação profissional. Em outras palavras, o professor, juntamente com o psicopedagogo precisam detectar as dificuldades dos alunos, como também dos fatores que interferem na sua prática, sendo que esses profissionais devem assumir uma postura mediadora ao conduzir o processo de aprendizagem do aluno.

É importante mencionar que, geralmente no início do ano letivo, os professores já criam expectativas positivas ou negativas sobre os alunos, os quais acabam sendo influenciados no seu desempenho escolar e, em especial, os educandos com uma trajetória de insucesso escolar. Seguindo essa linha de raciocínio, uma pesquisa realizada no Estado do Paraná sobre o “Projeto Correção de Fluxo”, parte do Programa de Adequação Idade/Série, Rossato (2002, p. 93) evidenciou que os professores atribuem expressões e adjetivos aos alunos com um histórico de reprovação e evasão escolar com as seguintes denominações:

desinteressados, desligados, não gostam de estudar, brincam, não fazem nada, conversam demais, desrespeitam os professores e colegas, são inconscientes, desobedientes, não se esforçam, não querem nada com vida, não prestam atenção, têm preguiça.

Esta situação lamentável demonstra que, embora os docentes não tenham a intenção premeditada de discriminar ou rotular esses alunos, o pensamento é alimentado inconscientemente pelos preconceitos existentes no seu contexto social, cultural e histórico. Nesse sentido, o educador é impulsionado muitas vezes a concretizar em gestos e atitudes práticas que reforçam a autoimagem negativa do aluno na prática docente. Sobre esse aspecto, as concepções dos docentes quanto ao imaginário do mau aluno em sala de aula são alimentadas da seguinte forma:

o mau aluno é todo aquele que, de um modo ou de outro, provoca incômodo na sala de aula, incômodo que se manifesta pela apatia de uns e rebeldia de outros, por uma lição não feita, uma resposta incorreta numa avaliação, um ar de deboche diante de uma explicação proferida pelo professor, pois atitudes que explicitam de forma concreta o desinteresse do aluno em relação aos conteúdos desenvolvidos em classe ( MANTOVANINI, 2001, p. 124).

A esse respeito, Aquino (1996, p.22) explica que “a responsabilidade por tal estado, pois, não seria nem do professor nem do aluno, mas de algo que os antecede e ultrapassa: o contexto social na qual o trabalho escolar se insere”. Essa visão comprova que o comportamento docente é fruto do contexto social em que o profissional se encontra inserido, ou seja, o educador é influenciado por inúmeros fatores externos à formação de sua personalidade e da sua categoria profissional, o que evidencia claramente que não há neutralidade no trabalho pedagógico. Em relação a essa questão , vale ressaltar que a relação professor-aluno é:

uma relação que não é desvinculada de um contexto social e cultural e de um momento histórico. A prática educativa, viabilizada através da interação professor-aluno, transcende o espaço da sala de aula, constituindo-se, também, uma prática social. Por isto, é fundamental a todo professor ter uma clara visão de mundo, de sociedade e uma filosofia de educação explícita que lhe permitam reconhecer que seu compromisso com o educando não se restringe aos conteúdos escolares, mas que há também entre eles um compromisso político ( GRILLO apud AQUINO, 1996, p. 67).

Para que o professor possa refletir e avaliar as situações de dificuldades, é necessário que em sua atuação possa identificar os fatores responsáveis pelos conflitos, pois dessa forma o educador terá a oportunidade de conscientizar-se sobre suas competências e poderá assim aperfeiçoar sua prática pedagógica.

Para Ferreira ( apud Weiss, 2008, p. 35), o fracasso é um produto resultante da sociedade, da escola e do próprio aluno. A autora aborda o tema do fracasso numa visão social que, em suma, a sociedade priva os alunos (aprendentes) de oportunidades de desenvolvimento da linguagem e do acesso ao desenvolvimento da leitura e da escrita, o que evidencia assim que a escola contribui para a manutenção do fracasso escolar, pois quando há falta de profissionais capacitados, carência de estrutura física e pedagógica, materiais didáticos ultrapassados e desqualificação do ensino a culpa é de todos os sistemas que compõe nossa sociedade.

Quanto ao aluno que fracassa na escola, a origem desse fato, devemos entende que a culpa, as causas e consequências são resultados de um fenômeno multifatorial que somados aos aspectos orgânicos, cognitivos, emocionais, sociais e pedagógicos que acabam levando o aluno a não aprender na escola devido aos fatores internos e externos que envolvem esse fenômeno multifacetado que se configura de maneira destrutiva em nossa sociedade ao atrasar a realização de inúmeros sonhos de alunos e educadores que idealizam uma educação brasileira de qualidade e mais humazidora.

REFERÊNCIAS

AQUINO, J. G.: (org) Confronto na sala aula: uma leitura institucional da relação professor-aluno. São Paulo: Summus, 1996. (Novas buscas na educação; v. 42).

MANTOVANINI, Maria Cristina. Professores e alunos problema: círculo vicioso. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001.

MELCHIOR, M. C. O Sucesso Escolar Através da Avaliação e da Recuperação. Porto Alegre: Premier, 2004.

ROSSATO, M. Recuperando o tempo perdido na escola: Uma reflexão acerca das experiências de fracasso (sucesso) escolar. Analecta v.3, n.2 Guarapuava: UNICENTRO, jul /dez 2000.

WEISS, T.; SANCHEZ, A.. O Diálogo Entre o Ensino e a Aprendizagem. São Paulo: Ática, Coleção Palavra de Professores. 2001.

* Lucília Santos – Formação Internacional em Professional e Self Coaching, Leader Coach, Analista Comportamental e Analista em 360º pelo IBC. Graduada em Pedagogia e em Psicopedagogia aplicada à Educação. Especialista: Neuropsicologia, Psicopedagogia Clínica, Institucional e Hospitalar, MBA em Gestão de Recursos Humanos e em Neuropsicopedagogia Clínica. Professora na Educação Básica e Ensino Superior. Atua como coach, professora, palestrante e escritora.

Lucília Santos
Enviado por Lucília Santos em 27/07/2015
Reeditado em 04/07/2018
Código do texto: T5325359
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