Dificuldade de Aprendizagem ou outra forma de aprender?

Dificuldade de aprendizagem é um termo que tem sido utilizado para se referir a um aluno que possui uma maneira diferente de aprender.

Porém, se convencionou tratar como “Dificuldade de Aprendizagem” – Qualquer manifestação do aluno que não responda de forma satisfatória aos processos de aprendizagem.

O termo é usado de forma indiscriminada, - seja por questões de ordem do desenvolvimento cognitivo, cultural, emocional, afetivo ou psicológico.

A minha experiência tem demonstrado que as crianças que permanecem por longo período sem conseguir acompanhar o processo de ensino ficam pelo caminho e impedidas de continuar a travessia. Elas acabam desistindo e assumindo um lugar de - “quem não sabe” “, “de quem não aprende”, “de quem não pode”. A criança pode ficar aprisionada no lugar de desacreditada; marcada como “aquele que não aprende”, que é “preguiçosa”, o que pode ser um descuido por parte de quem acompanha o seu desenvolvimento. Muitas vezes, o rótulo pode desencadear um comportamento na criança de apatia ou rebeldia.

A criança que responde aos estímulos com um comportamento de rebeldia faz mais barulho e é mais escutada do que a criança que se reserva por meio de um comportamento de apatia. A criança apática se esconde para não passar pelo vexame psicológico de se mostrar como alguém que não é motivo de orgulho para aqueles que têm representatividade na vida delas. A questão que mais importa muitas vezes, não é enxergada -, o desenvolvimento afetivo-emocional tanto da criança que se apresenta como rebelde ou apática, pois há um sofrimento emocional latente.

Muitas vezes, a criança que desenvolveu os sintomas de apatia ou rebeldia ou outra manifestação na sua aprendizagem é encaminhada para uma avaliação psicopedagógica ou psicológica, e isso causa angústia e sofrimento para ela e para a família. Nesse momento a criança já se encontra com baixa auto-estima, isolada ou agressiva; os pais se apresentam impacientes, angustiados, como alguém que suplica para livrar-se daquela tristeza que também é um sofrimento emocional para eles. A estrutura familiar muitas vezes fica abalada por essas questões educacionais, e que muitas vezes é apenas da ordem da linguagem.

Por outro lado, as manifestações ou sintomas na aprendizagem escolar só denunciam que a criança exige um olhar mais atento do professor- observador e dos pais, pois esses devem acompanhar os processos mentais da criança. Esse olhar atento vai possibilitá-los saberem em que momento a criança parou de se interessar por construir os seus esquemas e acompanhar os processos de ensino.

É certo de que a criança que não acompanha o processo escolar não está feliz nesse lugar “de quem não sabe”, porque tudo o que o sujeito-homem deseja é ser escutado, acolhido, elogiado, aplaudido, e mostrar sempre a melhor imagem de si para o outro. Talvez por isso que a criança apática tenta ficar invisível.

O homem precisa de um olhar de aprovação do outro, da emoção, do desejo do outro, da energia psíquica que é o que impulsiona o ser humano ser melhor, realizar e se destacar de forma positiva para causar aquela inveja consentida no outro.

Dessa forma, o aluno que se destaca de forma negativa no grupo está no pior lugar que alguém pode desejar estar. Isso exige um olhar mais atento e comprometido e uma escuta mais apurada daqueles que exercem uma influência sobre ela. Nesse caso, os pais e professores que são aquelas figuras representativas da criança, serão os que podem observar os sintomas, as manifestações, as mudanças de comportamento da criança. Nesse momento há duas ferramentas indispensáveis que esses têm a seu favor -, a “palavra” e a “escuta”, e isso possibilita favorecer primeiro a conquista da elevação da autoestima e da confiança da criança para ela saber que, se ela precisar, esses estarão lá, e que sempre terão tempo para a escuta, compreensão e ajuda. Isso é se antecipar para que a criança que se vê impedida de prosseguir desenvolva sintomas na sua aprendizagem. Na escola isso é possível por meio de sondagens regulares. No caso de o professor perceber alguma manifestação no comportamento da criança que está afetando a sua aprendizagem, poderá recorrer a uma avaliação psicopedagógica, pois outro olhar sempre agrega nos casos que requerem estudos mais especializados ou específicos.

O fato é que algumas crianças na fase de alfabetização demoram um pouco mais do que outras para construírem o seu processo de aprendizagem. Isso, às vezes, intriga alguns pais e professores. Porém, quando a criança para de produzir ou responder ao processo ela tem um motivo para isso. Mas, muitas vezes, o professor demora em perceber e o que poderia ser simples, já virou sintoma com mudança de comportamento.

Outra questão é que a busca por entender os sintomas apresentados por alguns alunos segue na contramão do que é recomendado e o que há é uma busca incessante por achar - o que há de fora do normal naqueles alunos. A busca pelo “fora do normal” ou “um problema” quando se trata de questões do processo de alfabetização da criança em formação pode afetar o seu desenvolvimento afetivo-emocional, desencadeando “problemas” na sua dinâmica familiar e na imagem que ela vai construir da escola -, a escola passa a ser um lugar de sofrimento para ela.

Quando a escola passa a ser um lugar de sofrimento para a criança, - a razão de sua infelicidade, tudo o que ela deseja é estar fora dela, pois Piaget já se antecipou sobre isso quando concluiu que “a função da inteligência é auxiliar a adaptação ao ambiente” . Inclusive, esse pode ser um dos fatores da grande evasão escolar que tem sido objeto de muitos estudos.

É certo de que hoje em dia há uma exigência cada vez mais cedo de que a criança esteja alfabetizada. Parece que essa exigência se ampliou, principalmente, após a mudança da Base Curricular nacional de 2009 que antecipou a idade para que todas as crianças iniciem o seu processo de alfabetização a partir de 5 anos e 11 meses.

Podemos afirmar embasados nas teorias que tratam do desenvolvimento infantil de Jean Piaget, Erik Erikson, a própria Psicanálise que o desenvolvimento cognitivo, psicológico e psicossocial, importantes para a alfabetização, se dão por volta dos 7 anos, ou seja, quando a personalidade vai se estruturando e se reformulando de acordo com as experiências vividas, enquanto o ego vai se adaptando a seus sucessos e fracassos.

Pode-se pensar que essa antecipação da alfabetização pode ter desencadeado essa demanda cada vez maior de crianças encaminhadas para avaliação com queixas de - Dificuldades de aprendizagem.

A questão é que o desenvolvimento cognitivo interessa para a escola. E a cognição da criança é o fator mais observado no contexto escolar -, Que significa a capacidade da criança processar, integrar, compreender e responder adequadamente aos estímulos do outro e do ambiente.

Piaget, na sua Teoria do Desenvolvimento cognitivo, que é considerada como a mais compreensível -, Trata de como a criança constrói os seus processos mentais ou a inteligência.

Piaget aprendeu muito sobre como as crianças pensam, observando várias delas, e prestando muita atenção ao que parecia erro para a maioria dos professores ou quem queria ensinar algo a elas.

Podemos pensar que Piaget trouxe para a escola essa técnica de olhar, de escuta que o professor-observador deve se instrumentalizar para observar o desempenho da criança no seu percurso escolar para considerar os tipos de pensamentos subjacentes às suas ações. Para Piaget, a criança evolui por estágios, apesar de ter classificado esses estágios por idades, é apenas uma referência ou um parâmetro de estudo sobre a evolução da criança.

Para Piaget a criança explora os objetos; procura um equilíbrio entre o que encontra no ambiente, e por meio de seus processos cognitivos já adquiridos e do ela já superou, se adapta e aceita os desafios do ambiente. Há um equilíbrio para a compreensão dos objetos, mas pode acontecer de a criança não ter adquirido ainda os processos cognitivos para compreender a informação, é quando a criança pode retroceder, e entrar em desequilíbrio, ou apresentar manifestações no seu processo de aprendizagem escolar.

Para Piaget, a criança tenta restaurar o equilíbrio para adquirir a assimilação, buscando incorporar a informação. Essa busca de equilíbrio é nomeado por ele como “Assimilação”. Ao assimilar a criança “acomoda a informação”. Isso significa uma mudança dos seus esquemas de pensamentos existentes para a adaptação da nova informação.

Para Piaget, essa compreensão do conjunto dos processos de assimilação, acomodação e adaptação resultam em um nível mais sofisticado de pensamento que é o que vai permitir à criança os níveis superiores de adaptabilidade para habilidades específicas.

No momento da alfabetização é certo de que a cognição da criança precisa já ter alcançado certo nível de adaptação, e sabe-se que isso acontece por conta do envolvimento de várias regiões cerebrais responsáveis pela construção da inteligência.

Nessa perspectiva, a escola deve considerar os fatores fisiológico e psicológico que estão implicados na construção da inteligência. É certo de que o desenvolvimento da criança pode e deve ser acompanhado, medido normalmente até os 7 anos de idade como uma das estratégias de prevenção de saúde. É nessa avaliação que os desenvolvimentos motor, da linguagem, social, afetivo-emocional, bem como os seus avanços cognitivos são observados, e tudo isso é necessário para a identificação precoce de sinais que podem sugerir problemas nesses desenvolvimentos.

Esses avanços do desenvolvimento integral da criança interessam para a escola, bem como o desenvolvimento cognitivo para as aprendizagens escolares por estar relacionado com as funções que alicerçam a linguagem -, a boa coordenação motora e o desenvolvimento afetivo-emocional tão necessários para as exigências escolares.

Outra questão é que parece que a escola tem dificuldade para explicar ou justificar o por que de algumas crianças entre 6/7 anos não respondem a alfabetização dentro do esperado, e muitas vezes, a escola perde a oportunidade de investir na questão de uma observação criteriosa que agrega conhecimento para a escola e para o professor-alfabetizador na medida em que se propõe a fazer um estudo de cada caso, considerando a verdade de cada criança -, a sua história de vida, o seu contexto social, se a criança já adquiriu o “equilíbrio” necessário para acomodar todas as informações e os conhecimentos básicos necessários para a aprendizagem escolar.

Mas, a escola muitas vezes têm delegado essa rica experiência de estudo aos profissionais de outras áreas, e é esse querer saber mais sobre o assunto que fortalece o saber escolar, que dá subsídios para a escola saber responder as questões quando indagados, como por exemplo: Por que alguns alunos acompanham o processo dentro do tempo que a escola convencionou e outras não? .

Esse pensar mais sobre o assunto pode sugerir uma releitura dos discursos, das suposições, dos rótulos que em nada ajudam a criança em formação para a construção do seu processo de aprendizagem, pois saber como a criança constrói os seus esquemas de linguagem, e vivenciar a sua evolução é uma experiência intransferível, e a escola tem todos os subsídios e ferramentas para isso -, o aluno, como objeto de estudo; as principais ferramentas - , a “palavra” e a escuta.

Talvez o lugar da escola também exija o repensar o ensino, pois essa tem ocupado também um lugar de desacreditada na medida em que a demanda de alunos com queixas de “Dificuldades de aprendizagem” tem aumentado, o que pode ser também a resposta para a hipótese levantada por alguns estudiosos sobre a grande demanda de evasão escolar.

A verdade é que algumas crianças vão mais devagar, e outras são mais rápidas, mas é certo de que todas vão alcançar o resultado dentro do seu tempo, e essa busca desenfreada por encontrar o que há de fora do normal nelas pode afetar o seu interesse e desejo de aprender. Afinal, a escola deve ser esse lugar dinâmico que observa atenta cada forma de aprender para conduzir cada sujeito do jeito que ele melhor se adapte as propostas e a busca do conhecimento.

Nesse sentido, a escola é aquela que acolhe, que inclui, na medida em que os professores aprendem no dia a dia com as crianças as diversas formas de se adaptar as diferenças e ao jeito próprio de aprender de cada sujeito.

Nesse processo dinâmico, a criança pode estar hoje “pré-silábica” e amanhã “silábica”. Então, na busca por encontrar um “problema”, há a dificuldade de ampliar o conhecimento da escola sobre os diversos processos de ensino ou caminhos existentes.

O olhar investido de acolhimento pode instrumentalizar a escola, e levar ao abandono de suposições, e encaminhamentos às vezes desnecessários, que causam desgastes emocionais na criança e na família. Talvez, o melhor caminho seja a escola aprender a resolver as questões que são da ordem da linguagem com sabedoria e dentro da escola, se não, a escola deixa brecha para as especulações que já existem sobre a qualidade do ensino e sobre o seu papel na construção do saber.

Hoje em dia, a escola tem sido objeto de estudos de muitos pesquisadores que se interessam muito por saber -, O que são essas “Dificuldades de aprendizagem” que têm aumentado inclusive -, a demanda de evasão escolar e o número de analfabetos funcionais?. Então, a busca é por responder e sustentar as hipóteses de que pode ser casos de “Fracassos da escola”.

Quando a escola abre mão desse lugar de “saber”, assume que “não pode”, que “não é capaz de resolver as questões relacionadas ao processo de ensino e aprendizagem”, e delega à outros profissionais o seu papel e oportunidade de conhecer mais sobre os aspectos que estão implicados nesse ensinar e aprender.

As escolas têm recebido os mais variados diagnósticos e laudos -, “Distúrbios ou transtornos de aprendizagem”, “Déficit de atenção”, “hiperatividade”, que são termos usados pela área da saúde, como resposta aos encaminhamentos para uma avaliação psicológica do alcance intelectual da criança.

Sabe-se que há casos que requerem a entrada da área da saúde. Mas, se considerarmos na observação na escola o histórico de saúde da criança nas avaliações regulares feitas pela área de saúde sobre o seu desenvolvimento até os 7 anos, entrevistas com a família, podemos desconsiderar o “Déficit de Atenção” que já foi observado previamente. Sabe-se que a criança com déficit de atenção não consegue ficar presa a nenhum objeto ou imagem. Ela não relaxa nunca. Essa é uma característica definitiva.

Sobre a Avaliação psicológica relacionada às questões intelectuais, ela segue uma tendência de avaliar as questões que lhes são encaminhadas pela escola seguindo os princípios da psicologia geral, psicologia genética e psicometria, onde a criança é submetida a uma sequência de testes psicométricos.

Os encaminhamentos desnecessários podem ser evitados se as questões que são da ordem da linguagem forem bem exploradas antes de qualquer outra iniciativa. Essas avaliações sugerem que os estudos com o aluno, objeto de estudo empírico aconteçam seguindo o que exige qualquer outra investigação -, embasadas nos fatos, nas teorias, com todo rigor que uma pesquisa científica exige, tendo em vista como a criança constrói os seus esquemas de linguagem.

A pesquisa escolar, ou estudo de caso faz parte do processo de ensino -, é uma atividade regular que deve fazer parte do processo de ensino, - ela se define como um conjunto de atividades orientadas à criança e planejadas pelo professor na busca pelo conhecimento do caso, com o objetivo de traçar novas metas de investidas na criança.

O professor-alfabetizador nessa posição de pesquisador pode se instrumentalizar para os novos casos que forem surgindo, pois ele tem todos os recursos disponíveis -, as produções do aluno, o espaço apropriado para a o ensino, inclusive, pode recorrer ao lúdico com o propósito de entender como a criança constrói os seus processos metais para outras atividades. E ainda, o professor tem a vantagem de esse processo de avaliação poder acontecer de forma sutil, no contexto escolar, espaço já conhecido e explorado pela criança. Esse processo pode acontecer de forma desinteressada para que o aluno não se sinta observado, avaliado, pressionado a responder e realizar o que ele não queira, pois além da possibilidade de afetar o resultado da avaliação, - há o medo da reprovação do que ele faz que já tem sido seu aliado. Nessa proposta, os elogios entram como incentivo para a conquista do aumento da autoestima da criança. Se necessário, o psicopedagogo pode ser consultado, porque, as vezes, é mais um olhar com trocas de experiências, e esse deve ser visto como um aliado ao processo.

Nessa perspectiva, não devemos na escola remeter o sucesso ou fracasso escolar do aluno somente considerando às questões cognitivas ou relacionadas à inteligência, porque perdemos de vista os outros aspectos implicados nos resultados da criança e nas diversas formas de ensinar e aprender. Dessa forma, a escola vai ter os subsídios para poder responder aos pais e a quem mais interessar a questão que os intrigam -, Por que algumas crianças na fase de alfabetização demoram mais do que outras para aprender?

Então, podemos considerar nessa análise se as crianças que demoram mais para responder as questões escolares têm -, dificuldade para brincar, ficar presa a um objeto, se socializar, fazer vínculos, ficar concentradas nos jogos interativos, andar de bicicleta, pois os argumentos dos pais são de que geralmente essas crianças são ativas para todas as outras atividades motoras que exigem inteligência sem apresentar dificuldades. Uma questão clássica que vêm dos pais, - Como a criança que descobre todas as funções do aparelho celular dos pais até mesmo antes deles tem dificuldade de acessar os seus processos mentais? Então, esse é um processo que precisa ser observado pelo professor na hora de ensinar e de lidar com as questões que estão implicadas no processo de ensinar e aprender, e buscar sempre saber, - Qual é a sua forma de aprender do meu aluno?

Muitas vezes, o “ser inquieto” pode ser intitulado com outro nome, e na verdade pode sugerir busca incessante pelo novo. Muitas vezes, o “ser inquieto” quer mais e mais explicações, pois o inquieto se cansa com o óbvio. O inquieto muda o foco do olhar constantemente, muda o seu querer, e essa característica deve ser usada a favor da criança.

É certo de que a criança muito inquieta pode exigir mais atenção de quem é responsável por ela, pois recorre aos seus processos mentais de forma rápida, e logo, os seus movimentos também são acelerados. Essa criança é ágil para criar e inventar outros jeitos. Ele tem imaginação fértil, e tem uma capacidade gigante de resignificar as palavras, os discursos dos outros. Ele não quer fazer do mesmo jeito, e nem do jeito do outro. Mas, é assim que nasce um “sujeito-autor”.

Se não, ele se torna “um copista” e há casos de alunos que ocupam um lugar de “copista” na escola. O aluno copista copia os traços dos outros, escreve só o que o outro escreveu, e não é leitor. Muitas vezes, permanece por longo período nesse lugar. Parece que faltou para essa criança incentivo para criar, pensar por ela mesmo. A escola ao perceber essa manifestação na aprendizagem do aluno deve buscar motivar a sua criação e a crença nele mesmo para ele se tornar autor.

O “sujeito-autor” nasce do desejo de querer fazer diferente; às vezes, aprende sozinho, outras desconstrói para fazer de novo, apenas para recorrer a novos esquemas de linguagem. Quando o inquieto recorre aos seus processos mentais, deixa de ficar preso nos gestos, nos traços, no jeito de fazer do outro.

Muitas vezes, o aluno-autor se torna referência e ensina e educa os atentos professores. Ele pode não ficar preso a uma explicação de Classificação de objetos, pois já aprendeu a classificar, e não foi a partir da distinção de objetos por cor, forma ou tamanho que fez esses registros. Assim como não aprendeu a fazer seriação ordenando os objetos do menor ao maior, descobriu até outras possibilidades, - manuseando e explorando os mesmos. Talvez, o jeito de a escola apresentar os conteúdos programáticos exigidos, possa estar em descompasso com o mundo contemporâneo, e tem sido pouco atrativo para as crianças mais inquietas.

Podemos pensar que o processo mental, e os esquemas de linguagem que a criança constrói para aprender a brincar ou descobrir o funcionamento de um brinquedo são os mesmos para a aquisição de qualquer outro objeto, inclusive os objetos de conhecimento -, os códigos linguísticos.

Algumas crianças não vão se apropriar dos códigos, dos símbolos, das letras sem ter passado pela difícil tarefa de recriar do seu jeito ou reinventar o seu próprio sistema de representação das letras, formações das sílabas, das palavras, simplesmente por que são mais inquietas.

Portanto, “na busca incessante por achar um problema” na construção da escrita ou na forma de aprender de algumas crianças inquietas pode se desconsiderar a unicidade ou a singularidade de cada sujeito, e as outras questões que estão implicadas no ensinar e no aprender. E, as crianças mais inquietas que não ficam presas ao tempo e nem a forma do outro fazer, pode correr o risco de ocupar um lugar na escola “de quem não pode”... “do que está sempre atrasado”, “Não acompanha a turma”, e o “Desligado que está sempre fora do contexto”. E pode ser que ele nem tenha ido ao mundo da lua quando perdeu uma explicação, ele ficou para trás avaliando outras possibilidades. Ele estava o tempo todo ali -, reinventando as palavras para adaptá-las ao seu jeito próprio de entender para surpreender aqueles que têm uma representatividade na sua vida.

Algumas crianças constroem os seus próprios esquemas de linguagem por meio de atalhos inexplorados, mas pode chegar ao mesmo lugar que os outros, mas, como sujeito-autor, pois ele explorou outros campos e isso exige dele recorrer muito mais aos processos mentais para conseguir o mesmo êxito dos outros.

O professor-observador pode se surpreender ao ver a capacidade de observação de uma criança-autora. Ela é ativa e inquieta e tem habilidades para muitas atividades, e mesmo assim, pode receber um rótulo que pode destruir a sua principal característica que é a inquietude.

Outras vezes, a criança demora um pouco mais para se apropriar dos objetos do conhecimento porque precisam de uma reversibilidade do professor para fazer os movimentos em direção à suas descobertas. Essa é uma outra forma de aprender.

A criança aprende a escrever para o outro ler, pois chega à escola por conta da demanda do outro, e também porque há o desejo inerente no humano de agradar aqueles que exercem alguma influência ele. Afinal, o homem é movido pela emoção que o afeta, e é essa energia psíquica que o leva a buscar o melhor ideal dele mesmo.

Para Emília Ferreiro -, “A criança aprende elaborando uma série de hipóteses sobre a construção da escrita, e não é apenas por meio das vivências externas, mas também internas, baseando-se em critérios segundo sua própria lógica adquirida”.

Para a psicanálise, ler e escrever são operações que implicam e estão implicadas no funcionamento psíquico do sujeito. Aprender a escrever é se inscrever como sujeito no mundo social no qual o sujeito está inserido; é esquecer dos traços, das letras, pois enquanto a criança ficar presa nos traços, não mão, no jeito certo de fazer, não vai se apropriar das letras.

Por outro lado, a criança vai se apropriar das letras quando isso fizer algum sentido para ela, porque na verdade, ao ingressar na escola, a criança se vê colocada entre as demandas do sistema de ensino formal e as expectativas da família. O aprender deve ocupar o lugar de objeto de desejo da criança. É quando os resultados, a evolução no processo vão sendo evidenciados pela escola e pela família, ou quando a criança percebe a satisfação do professor e dos pais, por isso que a atitude “devo aprender” é satisfazer a demanda do outro. Para a psicanálise, isso acontece por meio de uma demanda de amor, pois há afeto nessa decisão mesmo que inconsciente.

O comportamento de aprender representa que a criança tomou para si a necessidade de aprender como forma de existir, de entrar na linguagem para satisfazer aqueles que são figuras representativas para ela.

A criança entra no contexto escolar imersa no desejo do outro (mãe e pai) e vai buscar sentidos na fala do professor em tudo que lhe for falado, e são os sentidos que vão revelar para a criança um fascínio ou uma repulsa por aquele que ocupa um lugar de influência, de autoridade sobre ela na escola, e pelo ambiente. Por isso, que para a psicanálise, - "Ler e escrever é subjetivar-se; implica numa relação com o outro e numa posição diante do outro que quer lhe ensinar algo".

Para Lacan, psicanalista que deu continuidade aos pensamentos de Freud -, “A criança na escola é desafiada a romper com o imaginário e lançar-se à existência simbólica no mundo da linguagem falada e escrita. O ato de ler e escrever é parte da construção da linguagem humana para a entrada na cultura.

A postura da criança “devo aprender”, entre outras coisas, revelam o seu modo de funcionamento psíquico na medida em que isso exige que ela exponha a sua imagem, os seus traços, as suas marcas subjetivas. Logo, a alfabetização é o momento mais importante da vida escolar de uma criança -, É a base para o seu percurso intelectual e subjetivo para sua constituição como sujeito.

Nessa perspectiva, - Aprender a ler e escrever não se limita ao corpo físico, mas é aquele que recebe o grande impacto dos resultados da aquisição da linguagem, é por meio dele que os comportamentos são expressados e revelados na forma de repulsa ou fascínio.

Maria Teixeira

Publicações e contatos da autora:

. Artigos no Recanto das Letras.

. Publicações (livros):

. Habilidades de Relacionamento Interpessoal

. Limites - Como lidar com os pequenos?

. Coisas que aprendi na infância.

(Disponíveis nas Livrarias Cultura, Martins Fontes, Amazon e outras...

Site: www.psicopedagogamariateixeira.com.br

Email: m.teixeira@uol.com.br

Linkedin: Maria Teixeira / instagram @Maria Teixeira2020

MariaTeixeira
Enviado por MariaTeixeira em 27/08/2015
Reeditado em 21/07/2020
Código do texto: T5361188
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.