Império Carolíngio: Renascimento e ascensão da Igreja (I)

No campo da História, associamos a palavra 'Renascimento' aos séculos XV e XVI, quando homens letrados da Europa Moderna passaram a tomar a Antiguidade Clássica greco-romana como referência para suas produções intelectuais. No entanto, a idealização de retornar à Antiguidade começou a tomar forma no final do século VIII, durante a Alta Idade Média e a criação do Império Carolíngio. É também o momento de reforma da liturgia católica e da ascensão da Igreja como elemento dominante no Ocidente.

Os carolíngios ou a Dinastia Carolíngia, tem origem em uma família da aristocracia franca. Carlos Martel, vice-rei dos francos e filho ilegítimo de Pepino de Herstal (635-714), ganha prestígio militar ao vencer os árabes em 732, na Batalha de Poitiers, e continua o projeto de reunificação iniciado por seu pai no século VII. Pepino III ou Pepino, o Breve, filho de Martel, deu continuidade à unificação militar e, em 751, com ajuda da nobreza franca, tomou o trono de Childerico III, último rei franco da Dinastia Merovíngia.

Encabeçando um projeto de poder ambicioso, Pepino faz uma aliança com o Bispo de Roma, que procurava no monarca franco apoio militar contra os lombardos que ameaçavam invadir a cidade. Firmada a união, o pontífice renova a coroação do rei e o unge à maneira dos reis do Antigo Testamento, garantindo a Pepino uma espécie de "aura sagrada" que legitimava suas ações. O sucesso carolíngio viria, no entanto, com o filho de Pepino, Carlos Magno, que assume o trono em 768 e governa até o ano de sua morte, em 814.

Carlos Magno foi um dos maiores militares e estadistas da Europa Medieval. Sua primeira conquista militar foi na Itália, onde venceu os lombardos. Depois, investe 32 anos de seu reinado em uma luta contra os saxões, que se mostram resistentes à conversão ao Cristianismo. Vencidos os inimigos, a Germânia é incorporada ao reino. Na Polônia e na Hungria combate os eslavos, ficando na defensiva contra os avaros. Ele também avança ao Sul dos Pirineus, região controlada pelos bascos, para estabelecer uma espécie de fronteira protetora contra os árabes.

Em meio a essas conquistas, Carlos consegue reunificar uma boa parte do que no passado constituía o Império Romano do Ocidente: Gália, Itália do Norte e central e Renânia. A construção de seu palácio, em Aix-la-Chapelle, localizado no Norte da Europa, onde hoje é a Alemanha, em 796, evidencia que o poder já não emanava mais do Centro europeu desde a queda do Império Romano. Sua coroação ocorre no Natal de 800, em Roma, sob os dizeres: "A Carlos, Augusto, coroado por Deus, grande e pacífico imperador dos romanos, vida e vitória" (1) e se deus pelas mãos do Papa, estando assegurada, dessa forma, a aliança iniciada em 751 e, para o pontífice, o controle de um monarca que se distanciou de Roma.

No Oriente, onde estava localizado o Império Romano do Oriente, que se considerava o verdadeiro herdeiro daquele que ruiu em 476, via seu poder declinar em relação ao reino que Carlos Magno ia estabelecendo nas antigas terras romanas. Contribuía para essa fraqueza a crise religiosa pela qual passava o império e as constantes investidas árabes. O papado era juridicamente dependente do imperador oriental, que confirmava a posse do Papa após a eleição. Mas, a partir do momento em que um rei é coroado em Roma, o Papa deixa de responder ao Império do Oriente e passa a exercer, no Ocidente, um poder que se tornará cada vez mais forte. O Bispo de Roma consagra o poder dos reis carolíngios e recebe destes bens materiais e territoriais. Essa aliança, Império e Igreja, permite o crescimento sistemático e em conjunto dessas duas principais forças da Europa nos séculos VIII e IX da Idade Média.

O imperador é responsável por nomear bispos e abades, e conta com uma rede de 180 igrejas-catedrais e 700 monastérios, bases de seu poder. Os clérigos o auxiliam na administração imperial e na erudição. A Igreja garante a "sacralidade" do Império e diviniza as ações do imperador, recebendo deste proteção, imunidade fiscal e doações territoriais e materiais. O momento mais importante no assentamento da Igreja, antes do rompimento com o Império do Oriente, se deu em 756, quando Pepino III fundou os Estados Papais, formados pelo Patrimônio de São Pedro, território que atravessa a Itália Central, de Roma a Ravena, legitimado pela Doação de Constantino, um documento forjado que continha o registro de uma doação de terras de Constantino para a Igreja no século IV.

A Igreja, sem dúvida, foi um dos pilares mais sólidos do Império Carolíngio, mas não foi o único. O exército, que garantia as conquistas territoriais, foi outro elemento fundamental para o crescimento carolíngio. No mês de maio de cada ano, o imperador convocava homens livres para o combate. Conseguia-se, em um ano, a formação de um exército de 40.000 soldados. No entanto, ele deixa de exigir que todos se alistem, pois as armaduras, espadas e outros materiais bélicos eram muito caros.

Administrativamente o Império era mal organizado, estando este dividido em 300 pagi, províncias sobre o controle de condes; e as fronteiras são protegidas por duques e marqueses. Mas, quem de fato exerce poder em uma província são as aristocracias locais ou guerreiros, recompensados pelo imperador com possessões territoriais. As aristocracias e os militares de alta patente estão subordinados ao imperador por meio de uma relação de fidelidade e na garantia das honrarias que o monarca pode conferir. Percebe-se que o poder, nesse aspecto, é fragmentado.

Mesmo mal organizado administrativamente, a unidade garantida pelos francos traz importantes avanços. As zonas rurais desenvolvem-se, as populações crescem entre os séculos VIII e IX e o comércio de grande quantidade ressurge. No entanto, esses avanços são frutos de ações exteriores: "no Sul, os muçulmanos, que ainda abastecem de produtos orientais as cortes principescas o imperiais; no Norte, os navegadores escandinavos, que importam madeiras, peles e armas" (2). Por mais que estas sejam ações externas, elas fazem o Império reorganizar seu sistema monetário. Carlos Magno abandona a cunhagem do ouro e impõe a cunhagem em prata, material mais abundante que o ouro e mais próximo do valor das trocas. A libra de prata é fixada em 491 gramas, mais da metade do que era na Antiguidade, dividida em vinte soldos de doze denários cada, e se torna a base monetária de toda a Idade Média.

NOTAS:

(1) Idade Média I. In: Grande História Universal Vol I. Rio de Janeiro: Bloch Editores, 1976, p. 229.

(2) O Renascimento Carolíngio (séculos VIII e IX). In: BASCHET, Jérôme. A civilização feudal: Do ano mil à colonização da América. Tradução de Marcelo Rede. São Paulo: Editora Globo, p. 73.